Por pedro.logato

Rio - Um dos principais zagueiros do mundo, David Luiz vem conquistando a confiança dos brasileiros. Ao lado de Thiago Silva, ele formou a dupla de zaga vitoriosa na conquista da Copa das Confederações. Com o nariz fraturado, o jogador superou as adversidades e levantou a taça com o Brasil. Confira a entrevista que o defensor concedeu ao Jornal O Dia.

David Luiz posta com bandeira do Brasil ao fundoAlessandro Costa / Agência O Dia

O DIA: Como está o nariz?

DAVID LUIZ: Quando estava com dor, brincava com os meus amigos em casa: ‘tem sempre alguém pior, por que eu vou reclamar?’ Só estou com o nariz, tem gente que está no hospital há mais tempo. Tem pessoas que não podem resolver o problema. Eu aguento. Está difícil, foi nas férias, depois que eu joguei um ano mais de 80 jogos, queria curtir. Estou doido para pegar uma praia, fazer coisas e, de repente, acontece isso. Mas já estou liberado.

O DIA: Sua mãe disse que você se quebrava todo na infância. É verdade?

DAVID LUIZ: Obrigado, mãe (risos). Mas é verdade. Machuquei o punho várias vezes, o nariz eu já quebrei três vezes, o pé duas. Acontece. Sou um jogador que participo de um esporte de contato físico, nunca fugi do contato. Muitas vezes eu levei a pior, mas foi tudo corrigido. Não deixo de tirar a perna, pelo time ou pela Seleção.

O DIA: Você jogou machucado a Copa das Confederações...

DAVID LUIZ: Tive duas contusões. Joguei quase todos os jogos com o nariz quebrado e nenhum um momento quis colocar a máscara. Conversei com o doutor e ele falou que não iria adiantar nada, de repente alguém poderia querer me atingir na maldade. Tomei uma pancada contra a Itália, saí e quando fui para o jogo contra o Uruguai estava com muitas dores.

David Luiz foi fundamental na vitória sobre a EspanhaAndré Mourão / Agência O Dia

O DIA: Você jogou a final da Liga dos Campeões de 2011/2012, machucado?

DAVID LUIZ: Me machuquei na Liga da Inglaterra e tentei voltar rápido para enfrentar o Barcelona (na semifinal). Acelerei o processo e deu uma fibrose. Fiquei 30 e poucos dias sem fazer nada. De repente me vi com a corda no pescoço. Fiz um trabalho individual com o fisioterapeuta, sempre orando a Deus. Fui pressionado pelo treinador (Roberto Di Matteo), que foi no meu quarto no hotel e falou que eu só jogaria 100%. Ele disse que eu tinha que fazer alguns testes após o treino com o preparador físico. Sabia que eu não estava bem. Treinei segurando a dor, quase chorando. Fui fazer os testes depois do treino e falei: ‘não vai ser você que vai me tirar desse jogo. Você não sabe o quanto eu lutei, o quanto que eu sonhei para estar numa final de Liga dos Campeões, o que isso representa para mim e para todos na minha vida’. Fiz os testes bem mais ou menos e, quando acabou, eu falei: ‘agora você vai lá e fala que eu estou bem’. O treinador não era bobo, mas confiou. Nessa noite fiquei sete horas assistindo o Mario Gomez (do Bayern)para saber todos os movimentos que ele fazia para que eu pudesse antecipar. Joguei 120 minutos, com dor e bati um pênalti ainda. O bíceps femoral estourou todo. É uma marca que guardo com muita felicidade porque foi coroado com um título.

O DIA: Seus pais eram professores. O que você mais aprendeu com eles?

DAVID LUIZ: Sempre fui muito CDF na escola e aprendia as coisas mais rápido até porque tinha ajuda em casa. Puxavam a minha orelha e me mostravam que os estudos eram importantes. Meus pais me ensinaram antes de tudo o que é ser humano. Saí de casa muito cedo (14 anos), mas eles se fizeram presente na minha vida com as palavras, ao telefone uma vez por semana. Sempre ouvi, absorvi e apliquei para a minha vida. Se não fossem meus pais, não estaria aqui

O DIA: Quer voltar aos estudos?

DAVID LUIZ: Um amigo me mostrou um esquema de estudar à distância. Quero ter um curso superior antes de terminar a minha carreira. Se fizer administração vai ser bom para o conhecimento, para gerir uma empresa ou ter uma ONG. Tenho o sonho de ser embaixador da ONU. Matemática poderia ser alguns atrás, eu amava, queria ser professor, mas agora não dá.

O DIA: Aquele lance contra a Espanha foi como um gol para você?

DAVID LUIZ: Senti o gostinho. O gol é a melhor coisa do futebol. Quem vai ao estádio não quer ver um 0 a 0. Este ano fiquei feliz, fiz gols, dei assistências. É prazeroso ver a oportunidade de ter o melhor trabalho do mundo. Ser jogador de futebol é a melhor profissão do mundo. Claro que é muito difícil chegar lá, se manter, não só no alto nível, mas também com os pés no chão.

David Luiz com a camisa do ChelseaEfe

O DIA: O carrinho na final da Copa das Confederações foi o auge da sua carreira?

DAVID LUIZ: O auge da minha carreira foi quando pude entender o que é ser jogador de futebol. Essas coisas que acontecem para o bem ou para o mal. Naquele lance, se a bola enrolasse embaixo da minha perna, entraria com bola e tudo, falariam que eu fiz um gol contra e que eu derrubei a Seleção. Essas coisas acontecem não é por acaso. É muita dedicação, mas poderia ser de outra forma. Não gosto de levar mérito. Eu fiz o meu trabalho tentando ajudar a Seleção, assim como todos os jogadores fizeram. Claro que é um lance atípico, que é difícil ver no futebol, ainda mais em uma final, contra uma grande seleção, no Maracanã. Tudo dá outra magia à ação. Fiquei extremamente emocionado, pois pude ver meu nome gritado nas arquibancadas. Os pontos altos na minha carreira não são os títulos, e sim, quando você pode entender que o jogador hoje é um dos grandes exemplos da sociedade. Por isso que você tem que levar uma vida correta.

O DIA: Quando foi o momento em que caiu a ficha que você era um exemplo para as pessoas?

DAVID LUIZ: Isso eu já pensava quando era mais novo e falava: caramba, um dia eu quero dar autógrafo, tirar fotos. As coisas vão acontecendo e você vai pensando: quando eu falo de uma forma com a pessoa, ela sorri, quando eu falo de outra, ela fica mais séria. Como eu devo agir? Isso você vai levando. É tudo muito rápido. Tinha 18, 19 anos, estava em Portugal, outra cultura. Não posso deixar de ser eu e agir como eu agiria com um familiar. Você brinca com uma criança, que está vindo toda tímida, desarma ela... Eu aprendi muito com os meus pais que uma mensagem pode ser transmitida de várias formas. É gratificante quando vêm crianças, senhoras, jovens, famílias e você conseguir ver que eles vão embora com um sorriso de gratidão, viram um atleta que hoje eles idolatram.

O DIA: Você coloca muitas fotos de crianças nas redes sociais. Quer ter filhos?

DAVID LUIZ: Eu amo criança. Quero ter seis filhos. Meu sobrinho Abner tem um ano e três meses. É sensacional, inteligente, faz até charme. Eles são a pureza da vida.

O DIA: No dia 26 vai fazer três anos da sua primeira convocação para a Seleção. O que aconteceu na sua vida nesse período?

DAVID LUIZ: Três anos? Nossa! Passa rápido! Foi a realização de um sonho. Os amigos, a família, todo mundo chorou. A primeira vez que vesti a camisa da seleção foi indescritível. Não foge muito do que todo mundo fala e é verdade: é um orgulho, um privilegio, todo jogador quer vestir a camisa da Seleção.

O DIA: Por que o Felipão é tão diferente dos outros?

DAVID LUIZ: Quando você tem conhecimento maior de qualquer coisa, você sabe como agir. O Felipão tem a experiência de ter vivido anos na seleção, de ter sido campeão. É um cara muito transparente em tudo. Quando tem que puxar a orelha, puxa, se tem que mandar tomar naquele lugar ele manda. Quando tem que elogiar, passar a mão na cabeça e dar um abraço, ele dá. Ele sabe como lidar com a pressão. Sabe gerir um grupo de atletas. Na parte tática, entende muito. Eu falo e repito sempre: é o melhor grupo em que já trabalhei. O pessoal cobrava por não ter resultado. mas todo mundo foi acostumado com isso. Nosso grupo não gosta de deixar mal-entendidos. Estamos no caminho certo, mas longo. Somos privilegiados, temos a oportunidade de disputar duas competições oficiais no nosso país, com todo mundo remando do mesmo lado.

O DIA: O presidente da CBF, José Maria Marín, deu uma entrevista falando sobre Ramires e Ronaldinho. Como amigo do Ramires, pretende tentar uma conciliação entre os dois?

DAVID LUIZ: As pessoas são maduras. O presidente se expressar é sinal de que a gente gosta de corrigir as coisas. Quando se cala é pior. Tenho certeza de que vão se acertar no futuro, independentemente de o Ramires voltar ou não. Sabemos a qualidade do Ramires e a do presidente de gerir um grupo. As coisas vão se encaixar, muitas vezes as pessoas tornam isso maior do que foi. não digo eles, mas é natural.

O DIA: Muitos clubes querem seu futebol. Como isso fica na sua cabeça?

DAVID LUIZ: Só o Diadema que não me quer de volta (risos). Essas coisas eu só falo quando são concretas, quando pode ver coisas contratuais. O que tenho de certo é que assinei no ano passado é um contrato de renovação com o Chelsea até 2017. Estou bem tranquilo. sempre foi assim na minha vida, não é agora que vai mudar.

O DIA: Já conversou com o Mourinho, novo técnico do Chelsea? Quais suas impressões?

DAVID LUIZ: Já. ele mandou mensagem. Particular, né? (risos). No primeiro dia em que assumiu, quis falar comigo e com o Oscar. Ligou para a gente, perguntou se estava tudo bem e falou do total interesse de trabalhar com a gente e que nos esperava no futuro.

O DIA: Como é o contato com o Abramovich no Chelsea?

DAVID LUIZ: Ele que é o fera, né? (risos) quando ele me chamou na final da Liga dos Campeões, e perguntou: ‘e aí, vai jogar, está bem da perna? eu falei: ‘hoje eu vou jogar com a cabeça e com o coração, fica tranquilo’. Ele me mandou embora porque ficou mais nervoso. É um cara que não gosta muito de falar com a imprensa, mas é um muito simples, normal. Chama para conversar no centro de treinamento e está remando para o bem do clube, quer ver os funcionários felizes e quer ver aquilo dando certo.

O DIA: O momento do hino foi muito marcante nos jogos. O que passava na sua cabeça naquela hora?

DAVID LUIZ: Passava a nossa trajetória. Mas também conseguia olhar para cada pessoa que estava cantando, tentar imaginar como é a vida de cada um. Olhava para a minha família, para o meu sobrinho. De longe, eu olhei para a minha irmã e pensei: será que ela está me olhando? Ficava imaginando o que se passava na cabeça de cada um e senti. Um era patriota, o outro abraçado, o outro com o olho fechado. Tentava trazer toda aquela trajetória positiva para mim. Se tivesse cansado não poderia deixar de correr um minuto, deixar que essa dor seja maior do que o meu sonho. Nenhuma dor é maior do que o sonho.

O DIA: Você ficou um ano e meio sem ver seus pais quando foi para o Vitória?

DAVID LUIZ: Foi a primeira vez que eu saí de casa (aos 14 anos). Falei para a minha mãe que eu voltava um dia para pagar. Só pedi que fosse de avião, era muito longe. Ela dividiu a passagem em 36 vezes, eu acho. Só voltei para casa quase com 16 anos. Ela me olhou e disse: ‘cresceu, hein, moleque’. Quando colocava o cartão telefônico no orelhão ficava segurando o 9 para as unidades descerem as unidades devagar. Falava com eles uma ou duas vezes por semana, quando conseguia. Sempre que falei com eles, escutei, absorvi da melhor forma e apliquei para a minha vida.

O DIA: Já tinha o cabelo assim?

DAVID LUIZ: Eu tinha tentado deixar crescer uma época no Vitória. Me chamavam de macarrão. Mas era muito calor e xampu não dava para ter direto. Era sabonete, ficava duro e aí fui e cortei.

O DIA: Você foi dispensado do SP por causa do tamanho?

DAVID LUIZ: Aos 14 anos. Alegaram a altura. Não seis e foi desculpa. Era meia-esquerda ainda. Era muito baixinho (Nr hoje David Luiz tem 1m90).

O DIA: Mas aos 14 anos dá para dizer que era baixinho?

DAVID LUIZ: Fui crescendo, ué (risos)?. Se você tivesse uma escolinha de futebol, chegassem uns grandões, você iria colocar de quê, de meia? Sempre que começa na frente termina atrás (risos).

O DIA: Quem é seu ídolo no futebol?

DAVID LUIZ: Meu pai era um ótimo camisa 10 (risos). Gosto muito do Kaká, dentro e fora de campo.

Você pode gostar