Reino Unido - Mais de 4 milhões de pessoas aptas a votar são esperadas nas urnas nesta quinta-feira para definir o futuro da Escócia. Um plesbiscito, duas opções: o "sim" para a independência do país após 307 anos compondo o Reino Unido, ou o "não" para a permanência no bloco composto também por Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales. Os impactos do resultado desse referendo podem não ser apenas políticos ou econômicos. O esporte britânico também sofreria um racha em sua atual geografia.
No futebol, nada muda. A Escócia tem as chancelas de Fifa e Uefa, organiza seu campeonato local e mantém uma seleção nacional. A transformação viria nas modalidades olímpicas. A mais óbvia delas, competir sob bandeira própria em Olimpíadas, pode não ser imediata e, com isso, os atletas escoceses não teriam uma nação para defender nos Jogos de 2016, no Rio de Janeiro, o primeiro grande evento esportivo que a Escócia independente poderia participar.
O alerta foi feito por Craig Reedie, vice-presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), em 8 de setembro. Para ser aceita como um país pela entidade, em caso de vitória do "sim" no plebiscito, a Escócia precisaria virar membro da ONU (Organização das Nações Unidas). Antes disso, teria de consolidar seu novo sistema político, comandado pelo Parlamento, e fundar um comitê olímpico nacional. Nenhuma etapa desse processo ocorreria antes de 2016, e talvez sem tempo hábil para chegar aos Jogos do Rio como nação independente.
Reedie, no entanto, assegurou que o COI preservará o direito dos atletas de competir nas Olimpíadas de 2016, seja sob a bandeira da entidade ou com o nome de Grã-Bretanha - a ilha onde a Escócia se localiza no continente europeu. O Reino Unido também deixaria de existir. A união entre ingleses, galeses e norte-irlandeleses receberia outro nome e mudaria a bandeira, sem o azul dos escoceses.
Quem perde e quem ganha
Uma ruptura do Reino Unido deixaria o cenário esportivo britânico imprevisível. Dos 542 atletas que formaram o Team GB nos Jogos Olímpicos de Londres-2012, 55 eram escoceses, que contribuíram com 13 das 65 medalhas conquistadas. Sete delas foram de ouro, como a de Andy Murray no tênis e Chris Hoy no ciclismo pista.
Na frieza dos números, sem os campeões olímpicos da Escócia, o Reino Unido não ficaria com o terceiro lugar no quadro de medalhas - seriam 22, e não 29 de ouro, atrás da Rússia, que obteve 24. Já os escoceses, se fossem independentes em 2012, ocupariam o 12º lugar, à frente do Brasil, 22º nos Jogos de Londres.
Seria então a Escócia mais um rival para os brasileiros no objetivo de atingir o Top 10 no quadro de medalhas em 2016? Não necessariamente. Parte dos 13 pódios obtidos em Londres-2012 veio em disputas por equipes. Ouro no individual, Murray também faturou uma prata nas duplas mistas ao lado de Laura Robson (nascida na Austrália). Campeão no keirin, Hoy venceu a prova de sprint com Philip Hindes e Jason Kenny.
Há outro ponto, alertado por um estudo encomendando pela Escócia: a dificuldade em atrair atletas já integrados à estrutura olímpica do Reino Unido, principalmente em modalidades coletivas ou com disputas em equipe. O programa britânico voltado para o esporte de alto rendimento (UK Sport's World Class Performance Programme) investe cerca de 125 milhões de libras por ano em esportistas, 10% deles são escoceses. De qualquer forma, seria um país competitivo em nível internacional.
Campanha implícita
No meio da discussão do plebiscito, a Escócia ainda sediou a 20ª edição dos Jogos da Comunidade Britânica, em Glasgow, entre 23 de julho e 3 de agosto. O país-sede, além do quarto lugar no quadro de medalhas, atrás de Inglaterra, Austrália e Canadá, ganhou elogios pela estrutura e pelas atrações que proporcionou, como o velocista jamaicano Usain Bolt. Os organizadores tomaram cuidados para não fazer do evento um palanque político, como colocar cantando no mesmo palco o escocês Rod Stewart, a favor do "sim", e a inglesa Susan Boyle, adepta do "não".
Houve, porém, uma saia justa. No discurso de encerramento, o Conde de Essex usou duas vezes o termo "better together", slogan semelhante ao usado pela campanha contra a separação. "Buscamos fazer o evento mais apolítico possível, sabendo que do contrário iríamos manchar seu legado", reclamou Lorde Robert Smith, do comitê organizador dos Jogos da Comunidade Britânica.
Nas pesquisas mais recentes, quatro institutos - ICM, Opinium, Panelbase e Survation - apontaram que 48% dos eleitores apoiam a independência, enquanto 52% não querem a separação. A do Ipsos Mori também favorece o "não": 51%, contra 49%.
Simpatia Catalã
A luta da Escócia para se tornar independente despertou a atenção de outras nações que ainda sonham com a emancipação. Os catalães são os que devem acompanhar com mais atenção o resultado desta quinta-feira.
A Catalunha é território comandado pela Espanha desde 1714. Assim como os escoceses, o povo catalão se sente oprimido e injustiçado economicamente e politicamente, além das questões históricas que envolvem a perda da soberania. Mas as aspirações separatistas nunca foram bem recebidas pelo governo espanhol, que não aceita acordo pela realização de um plebiscito.
Na última quarta-feira, na estreia do Barcelona na Liga dos Campeões, diante do Apoel, bandeiras da Escócia apareceram entre as da Catalunha nas arquibancadas do Camp Nou. O clube, embora não se posicione politicamente, não impede manifestações pró-independência da torcida em seus jogos.
Em 11 setembro, data chamada de Dia Nacional da Catalunha (relembra a perda da soberania), o Barça pediu autorização à Federação Espanhola de Futebol para jogar diante do Athletic Bilbao, em seu estádio, com o uniforme da temporada passada, nas cores da bandeira catalã - pelo regulamento, o time deveria ir a campo com a camisa tradicional azul-grená por ser mandante. Passeatas pela cidade exibiram mensagens separatistas no mesmo dia.
Reportagem: Thiago Rocha