Por jessyca.damaso

Rio - Um dia após o Ministério Público Estadual ajuizar uma ação na Justiça pedindo torcida única nos clássicos cariocas, o sociólogo Maurício Murad colocou ainda mais lenha na fogueira. Especialista no tema, ele garante que a medida, considerada requentada, não vai reduzir a violência que envolve o esporte no país. Uma opinião de peso para quem conhece como poucos as causas que levam o Brasil a liderar, há sete anos, o ranking mundial da violência no futebol.

Maurício Murad é autor de livros sobre o temaArquivo pessoal / Maurício Murad

ATAQUE: Após a morte de mais um torcedor no futebol carioca é possível afirmar que o Rio de Janeiro é a capital brasileira da violência no futebol?

MAURÍCIO MURAD: Não, os números de São Paulo e do Nordeste são maiores. Inclusive o Rio de Janeiro é o único estado que tem um pelotão de destacamento realmente especializado em policiamento nos estádios, o Gepe.

ATAQUE: Por que o senhor é contra estádios com torcida única, como propõe a ação do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro?

MAURÍCIO MURAD: Tal proibição não tem dado certo onde foi adotada. Minas Gerais, Buenos Aires e Roma recuaram. Estamos tentando enxugar gelo. Quando um policial é preso em flagrante delito, ninguém pensa em acabar com a polícia. Parece que é um preconceito contra a chamada cultura popular, a cultura das multidões. É essa minoria, que é agressiva e violenta, que precisa ser punida. Você vai punir o todo por causa da ação criminosa de uma parte? Não adianta matar o gado para acabar com o carrapato. A gente tem que atingir o carrapato e preservar o gado. A violência no futebol do Rio e no Brasil é algo gravíssimo e não vai ser resolvida com uma canetada, com uma medida de cima para baixo. Nos últimos três anos, somente 2% dos crimes de delitos no futebol foram concluídos. É um nível de impunidade muito alto. É preciso que as autoridades públicas cumpram as suas obrigações constitucionais e trabalhem no plano imediato, na punição até o fim.

ATAQUE: Então, a violência no futebol seria reflexo das diferenças sociais do país?

MAURÍCIO MURAD: Considerando que somos o país do mundo que mais mata gays, que temos um dos trânsitos mais violentos do mundo. Considerando que o consumo de cocaína aqui é quatro vezes maior que a média mundial, que temos 160 mil homicídios por ano, mais que países em guerra. Considerando o futebol como uma paixão — e a paixão exacerba — e que tende a expressar essa violência coletiva... Por isso, digo que é a violência no futebol, e não a violência do futebol. O futebol é apenas pano de fundo para expressar todas essas violências que acontecem em muitos outros setores da sociedade brasileira.

ATAQUE: O que o senhor acha da possível punição aos clubes envolvidos em casos de violência no estádios, como propõe a ação do MP?

MAURÍCIO MURAD: Essa ação não é nova, é requentada. Reativa coisas antigas. Mas é preciso dizer que este aspecto de envolver os clubes e puni-los esportiva e criminalmente é importante, pois eles são coniventes ou cúmplices desses setores do vandalismo ou da violência, através da subvenção do preço dos ingressos, da ajuda de custo para viagens. Essa medida é boa, mas não é nova.

ATAQUE: A briga entre dirigentes rivais aumenta a violência no futebol?

MAURÍCIO MURAD: Fizemos um levantamento com chefes de torcida no Brasil com uma única pergunta: a hostilidade entre diretores de clube, comissões técnicas e jogadores influencia na violência entre torcidas? Setenta por cento disseram que sim. Então, é preciso chamar a responsabilidade desses diretores que ficam se hostilizando com picuinhas, com medidas implicantes que estimulam a violência.

ATAQUE: O Brasil é campeão mundial da violência no futebol. O que é preciso para mudar essa realidade?

MAURÍCIO MURAD: Criar um plano integrado nacional permanente com três conjuntos de medidas interligadas e aplicadas ao mesmo tempo. A curto prazo, medidas de caráter repressivo, com a aplicação da lei e punição severa até o fim. A médio prazo, medidas de caráter preventivo, que são medidas de inteligência. E, a longo prazo, medidas de caráter educativo para mudarmos essa cultura machista, homofóbica, careta, agressiva e violenta presente em muitos setores das torcidas organizadas.

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