Gabriel Constantino no seu local de treinamento, o Campo dos Afonsos, na Zona Oeste. No alto, à esquerda, ao lado do técnico Renan Valdiero, a quem se refere como um irmão mais velho - Maíra Coelho
Gabriel Constantino no seu local de treinamento, o Campo dos Afonsos, na Zona Oeste. No alto, à esquerda, ao lado do técnico Renan Valdiero, a quem se refere como um irmão mais velhoMaíra Coelho
Por ANA CARLA GOMES

Rio - Quando mais novo, Gabriel Constantino não se imaginava competindo nos 110m com barreiras. "Eu pensava: 'Nunca vou fazer essa prova. Realmente dá medo, você vir em velocidade para um obstáculo. Eu achava bonita, mas não queria fazê-la". Hoje, aos 23 anos, o menino nascido e criado no Morro do Juramento e formado na Vila Olímpica da Mangueira vive um caso de amor justamente com a prova.

Ele deve a ela a sua projeção internacional no atletismo: Gabriel é o atual recordista sul-americano dos 110m com barreiras, com 13s23, marca que é a oitava melhor do mundo neste ano. A cada dia, a vaga para os Jogos de Tóquio (2020) é um sonho mais possível.

Sua história com o esporte só aconteceu graças à mãe, Guaraciara. Voltando de ônibus de uma entrevista de emprego, ela passou pelo viaduto de onde vislumbrou uma nova oportunidade para os filhos gêmeos na Vila Olímpica da Mangueira. "Ela se interessou porque lá no meu bairro não tem nada que ocupe o tempo dos meninos mais jovens que têm energia para gastar. Sem computador, ela voltou lá e perguntou como era feita a inscrição. Aí minha mãe voltou comigo e com meu irmão gêmeo. A gente devia ter uns 10 anos", recorda-se Gabriel. Os irmãos fizeram várias atividades, como futsal, basquete, natação e atletismo. Chegavam à Vila de manhã, estudavam à tarde e voltavam à noite cansados para casa.

Gabriel chegou a desanimar e ficou um tempo afastado, mas ao ver o sucesso dos primos que começaram a viajar com o esporte, decidiu retornar. Assim, o atletismo mudou a sua vida: com os primeiros resultados, ganhou bolsa para estudar num colégio particular, além de uma ajuda de custo.

No atletismo, o salto em altura chegou a fazer parte da sua vida, mas uma lesão no pé esquerdo mudou os planos. A prova dos 110m com barreiras entrou na sua vida e foi nela que ganhou projeção internacional. Os sonhos de menino foram se realizando. "Antes de começar a viajar de avião, tinha o sonho de ir para os Estados Unidos. Fui uma vez e no ano seguinte estava indo de novo. Eu pensei: 'Opa, tenho ido muito mais do que imaginava'. Tenho ido desde 2013. Eu estive na Califórnia, na Calçada da Fama, em Hollywood, nas praias da Flórida, já andei muito lá", conta.

No entanto, nem tudo o que ele imaginou se concretizou. Ele sonhava em competir na Rio-2016, mas não conseguiu o índice: "Fiquei a três centésimos da Olimpíada. O índice era 13s47 e eu corri 13s50 no Troféu Brasil. Aquele ano foi muito dolorido. Estava muito esperançoso para participar da Olimpíada na minha casa, mas não deu."

Mas veio o auge da carreira, ao lado do técnico Renan Valdiero, de 29 anos, a quem Gabriel se refere como um irmão mais velho. Renan era atleta quando Gabriel chegou à Vila Olímpica da Mangueira. "Ele vem amadurecendo muito, mentalmente também. Temos um trabalho com o coach Fábio Damião. O Gabriel está conseguindo administrar o fato de estar no alto nível e tem os pés no chão", destaca Renan.

Crescendo no cenário internacional, ele bateu o recorde sul-americano e conseguiu o ouro no Meeting de Madri dos 110m com barreiras, superando Orlando Ortega, cubano naturalizado espanhol e vice-campeão olímpico na Rio-2016. "No ano passado e neste ano ainda me impressionava muito: 'Vou correr com fulano e tal, que eu via pela televisão'. E o Renan falava: 'Você está no nível deles'. Demorou um pouco para a ficha cair para mim. Hoje sei que treinei e me esforcei muito, sempre com os pés no chão", diz Gabriel.

Outro sonho que saiu da televisão para a realidade foi competir na Diamond League. Sua estreia numa etapa do torneio nobre do atletismo aconteceu no último fim de semana, em Birmingham, na Inglaterra, ficando em sexto. "Lembro que ainda estava no colégio, começando a crescer no atletismo, vi uma etapa da Diamond e pensei: 'Que campeonato de luxo, eu quero um dia estar lá'. Foi mais do que especial".

Pai de um menino, Gael, de cinco meses, Gabriel se mantém como atleta do Pinheiros (SP) e com o Bolsa Atleta, treina no Campo dos Afonsos, mas sonha com o patrocínio de uma marca esportiva: "Sapatilha sou eu que compro. E quando ganho dos meus amigos aceito de coração".

Para os Jogos de Tóquio (2020), ele e Renan já traçaram uma meta. Querem ir à final para tentar a medalha olímpica. "Quando eu fiz 13s23, eu vi que a gente começou a achar uma luz. Nossa preparação é para em Tóquio correr abaixo de 13s20", projeta Gabriel.

E, assim, sonhando alto, sem medo das barreiras, ele vai conquistando o mundo. Aos 23 anos, já tem noção do poder de transformação do esporte: "Quando eu passo por aquele portão ali (para entrar na pista de atletismo), esqueço tudo, aqui é por onde posso correr sem limite, até não querer mais".

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