Os heróis do tri, no México: título mais emblemático da seleção brasileira e posse em definitivo da Taça Jules Rimet, roubada e derretida 13 anos depois - Arquivo
Os heróis do tri, no México: título mais emblemático da seleção brasileira e posse em definitivo da Taça Jules Rimet, roubada e derretida 13 anos depoisArquivo
Por MARCELO BERTOLDO
Sinônimo de futebol-arte, a Seleção de 70 segue viva no imaginário de quem teve o privilégio de acompanhá-la e até mesmo dos que não haviam nascido. Na comemoração de 50 anos da conquista do tri mundial no México, o revolucionário legado ainda faz a cabeça de muitos profissionais da bola. Afinal, Mário Jorge Lobo Zagallo, campeão em 58 e 62 como jogador, herdou o posto do demitido João Saldanha para fazer história.
A escalação está na ponta da língua, e não apenas da portuguesa, pois inspirou o nome de muitas crianças nascidas no México e ao redor do mundo. Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Rivellino; Jairzinho, Pelé e Tostão. Em sua melhor forma, o Velho Lobo apostou alto para apagar o vexame dos bicampeões mundiais, quatro anos antes, eliminados na primeira fase na Inglaterra. O improviso de Piazza como quarto zagueiro foi uma das inovações propostas por Zagallo. 
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“Nunca havia jogado como quarto zagueiro pela Seleção. Não tinha boa impulsão, boa altura. Foi um risco muito grande para Zagallo e para mim. Mas, modéstia à parte, tinha boa colocação, extraordinária vontade de vencer e confiança. Isso me deu essa chance numa Seleção que fez história e que comemora 50 anos da conquista do tricampeonato mundial”, lembra Piazza, ídolo do Cruzeiro, hoje com 77 anos. 
A mais poderosa e intimidadora para os rivais no México foi encontrar um lugar para cinco camisas 10: Gérson (São Paulo), Rivellino (Corinthians), Tostão (Cruzeiro), Jairzinho (Botafogo) e Pelé (Santos). Avassaladora, a Seleção, com 100% de aproveitamento, superou Tchecoslováquia (4 a 1), Inglaterra (1 a 0), Romênia (3 a 2), Peru (4 a 2), Uruguai (3 a 1) e Itália (4 a 1) — três campeões mundiais. Todos os jogos tiveram a assinatura de um certo Furacão de nome Jairzinho, artilheiro no México, com sete gols. 
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“Foi a Seleção que trouxe de vez para o Brasil a Taça Jules Rimet. Sou grato e parabenizo todos os companheiros.
Ser o único jogador em Copas do Mundo a fazer gol em todos os jogos é uma honra. É sempre uma lembrança de alegria e de alto nível. Tenho o privilégio de ser lembrado como integrante da Seleção que é considerada a melhor de todos os tempos, a única escalada com cinco camisas 10”, disse Jairzinho. 
Impossível não pensar na Copa de 70 sem lembrar da rapidez de raciocínio de Tostão, da ‘patada atômica’ de Rivellino, dos milimétricos lançamentos do Canhotinha de Ouro Gérson e do apurado faro de Jairzinho. Maior de todos, Pelé merece capítulo à parte, em especial por lances em que a bola não foi à rede: a cabeçada defendida pelo inglês Gordon Banks; o genial drible no goleiro uruguaio Mazurkiewicz, que no chão, incrédulo, viu a bola sair
rente à trave; a finalização do meio de campo contra a Tchecoslováquia, conhecida como 'o gol que Pelé não fez'. Jogadas imortalizadas na história das Copas. “Quando saí para jogar a Copa de 58, ninguém conhecia o Brasil. Só Deus pode explicar o que aconteceu na minha vida. O que pedia era para ser igual ao meu pai. Deus deu presente maior. Tenho a felicidade de fazer a promoção do Brasil com a minha carreira”, disse Pelé, à ‘CBF TV’. 
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Companheiro do Rei no Santos, Clodoaldo protagonizou uma sucessão de dribles em quatro italianos, ainda na intermediária defensiva, na jogada que originou o golaço de Carlos Alberto Torres na decisão. Depois, a bola passeou pelos pés de Rivellino, Jairzinho e Pelé, que a rolou como um presente para o chute e o gol do saudoso capitão do tri. Um símbolo do futebol-arte desfilado em 70. “Era o encarregado de fazer a distribuição de bola daquele balé de 70. A jogada do gol de Carlos Alberto Torres foi de improviso. A Itália perdia e marcava sob pressão. Quando me vi cercado, tive que sair driblando. Foi uma jogada de risco que deu certo. A Seleção de 70 serve de modelo de futebol solidário e cai bem para a juventude. Até mesmo o Pelé voltava”, destacou Clodoaldo. 
O triste e lamentável desaparecimento da Taça Jules Rimet, roubada em 1983, na antiga sede da CBF, no Centro do Rio, e derretida pouco depois não apagaram o brilho da conquista de uma geração de craques, que ainda hoje é lembrada com reverência pela inesquecível história que escreveu há 50 anos. Parece que foi ontem. A Seleção de 70 goleou até mesmo o tempo.
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Time de 58 aparece como 'maior rival'
Aclamada pelo povo como a melhor seleção brasileira de todos os tempos, a de 70 é tema de debate até hoje entre jornalistas especializados, treinadores e profissionais da bola. Colunista dos jornais ‘O Estado de S. Paulo’ e ‘Gazeta do Povo’, do site UOL e comentarista da ‘ESPN Brasil’, Mauro Cezar Pereira exalta o feito de Pelé & Companhia, no México, mas com ressalvas. 
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“Diria que a de 70 é uma das maiores. Tivemos a de 58, 82. A primeira fica muito no passado, distante. A segunda não foi campeã. A de 70 foi montada pelo João Saldanha e aprimorada pelo Zagallo, com Rivellino. Essa foi a principal sacada”, analisa. “A Seleção basicamente jogava no contra-ataque, era bem preparada, forte fisicamente e tinha jogadores extraordinários: Pelé, Tostão, Gérson, Rivellino, Jairzinho”, destaca. 
O jornalista Márcio Guedes, que esteve no México, não tem a Seleção de 70 como sua favorita, mas destaca o legado. O maior foi a inovação tática. Zagallo exigiu que craques abrissem mão de
algumas características em prol do coletivo. “A melhor da história para mim foi a de 58, a que revelou Pelé e Garrincha ao mundo e deu origem à revolução tática do 4-3-3. A de 70 foi excelente pelos craques no meio e no ataque. O preparo físico que superou a altitude, a ocupação de espaços. Taticamente, Tostão foi perfeito como organizador pelo meio, liberando muito Jairzinho e Pelé. Houve também a boa adaptação de Rivelino pela esquerda”, lembra Márcio Guedes.