Rio - 'Domingo, eu vou ao Maracanã, vou torcer para o time que sou fã...'. O samba eternizado na voz de Neguinho da Beija-Flor e adotado pelas torcidas dos quatro grandes clubes do Rio vem de um período no qual o Campeonato Carioca era "o mais charmoso do Brasil". Hoje, infelizmente, a realidade é bem diferente — e triste.

Quase não há mais jogos no estádio que virou arena. Nem grande público. Até os clássicos deixaram de ser no domingo. A tradição de se levar foguetes e bandeiras deu lugar ao conforto do sofá, de onde os apaixonados por futebol têm preferido torcer.

A baixa presença de público nos estádios é o sintoma de uma competição nada atraente. Horários inadequados, altas taxas cobradas no Maracanã e regulamento esdrúxulo contribuem para a decadência. Excesso de times, jogos ruins e campos em péssimo estado são outros agravantes, assim como a violência na cidade.

Após dois meses fechado, por decisão do consórcio que o administra para uma agenda de shows, o Maracanã vai voltar a receber um jogo, amanhã, entre Fluminense e Nova Iguaçu. Mas a presença de torcida não será animadora: o Flu terá time misto e só o setor inferior da arquibancada foi liberado.

Aliás, clássico no Maraca, este ano, só dois: Fluminense 0 x 0 Botafogo — para 8.538 presentes — e Flamengo 0 x 0 Vasco — para 20.862 torcedores. Bilheterias longe dos áureos tempos, quando qualquer duelo decisivo dificilmente recebia menos de 100 mil pessoas.

"A rentabilidade da bilheteria está abaixo do potencial, mas o Botafogo participa de reuniões na Ferj com sugestões de melhorias para aplicação imediata", diz o presidente alvinegro, Nelson Mufarrej. "A média de público é objeto de estudo da Ferj, que, com os clubes, busca alternativas para aumentar a atratividade da competição", endossa o presidente do Fluminense, Pedro Abad.

Do discurso à prática, porém, nada muda. Nos clássicos fora do Maracanã, o público foi ainda mais decepcionante. Quarta-feira, no Nilton Santos, Vasco e Flu ficaram no 0 a 0 diante de minguadas 6.463 pessoas. Na terça, Botafogo 1 x 0 Bangu, no ingrato horário das 21h30, no Niltão, teve 1.978 testemunhas. Algo inimaginável pouco tempo atrás — assim como um Fla x Flu na Arena Pantanal, em Cuiabá, pelo Carioca.

"Vários fatores podem influenciar na presença de torcida", frisa o presidente do Vasco, Alexandre Campello, que prega a união para ressuscitar o Carioca: "O primeiro passo é promover uma pesquisa com o público, ver o que o afasta, se a violência, o preço do ingresso, o estádio longe ou o regulamento. O Maracanã a preço acessível para os clubes ajudaria."

Fato é que a decepção do torcedor se reflete na bilheteria. Em 2018, até domingo, o Carioca tinha a segunda pior em média de público por jogo (2.332 pessoas), à frente de Pernambuco (1.094) e atrás de Ceará (2.408), Bahia (2.596), Rio Grande do Sul (2.755), Santa Catarina (2.845), Paraná (3.124), Minas Gerais (5.320) e São Paulo (7.587). É preciso mudar!

REDE GLOBO PRIORIZA SEU PÚBLICO E OS CLUBES

Parte fundamental para a equação da crise do Carioca, a Rede Globo, que detém os diretos de transmissão do campeonato, esclareceu, por meio do seu setor de comunicação, que, como parceira do futebol do Rio, define datas e horários dos jogos em comum acordo com clubes e Ferj. E que visa à plena exploração dos referidos direitos e sua oferta ao público.

"Cabe aprofundar a análise das médias de público no Rio, abordando todos os aspectos: estádios, segurança e momento econômico. O carioca ama o Maracanã e temos tido poucos jogos, mesmo os clássicos, no estádio", ressalta a emissora, que afirma ser importante o equilíbrio entre TV aberta, paga e PPV, para atender seu mercado e público, com maiores receitas aos clubes.

"O Carioca dá prejuízo aos clubes se você compará-lo com o Brasileiro, a Copa do Brasil, a Sul-Americana e a Libertadores, que são mais rentáveis. No Carioca, a receita de TV não é ruim, mas a de bilheteria, sim. O ideal é se ter cotas de TV e de bilheteria expressivas", diz o presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello. "Mas, para isso, os estádios têm que estar disponíveis. O Maracanã está indisponível por conta de situações que nada têm a ver com o futebol", acrescenta.

FERJ: DIÁLOGO E TRABALHO PARA A EVOLUÇÃO

A Federação de Futebol do Rio (Ferj) faz o mea culpa. Segundo Marcelo Vianna, diretor de competições da entidade, o nível técnico e financeiro do Carioca não está bom. Mas, com diálogo e trabalho, ele vislumbra devolver o charme e reviver a tradição do campeonato.

"Não estamos satisfeitos. O torcedor é o nosso objetivo e estamos preocupados com a ausência de público nos estádios. Mas dissociar o futebol da situação caótica do Rio nos parece um equívoco. Não está bom. Queremos gente no estádio, segurança para o torcedor e bom futebol", admite Marcelo.

Ele dá dicas rumo à mudança. "Trata-se de uma questão cuja solução não é simplista e necessita do debate de inúmeras variáveis como estádios adequados e disponíveis, horário dos jogos, ticket médio compatível com a importância do espetáculo, presença de ídolos, segurança efetiva, mobilização dos clubes e adequações na forma de disputa", frisa Marcelo Vianna, que se aprofunda no tema na entrevista abaixo.

O DIA - Quem define o horário e os dias dos jogos no Carioca: a Ferj ou a Rede Globo?

Marcelo Vianna - Inicialmente, há que se entender que o campeonato deve ser realizado, obrigatoriamente, nos prazos e nas datas disponibilizadas pelo calendário anual do futebol brasileiro, elaborado e publicado pela CBF. A elaboração da tabela é feita pela Ferj observando-se critérios técnicos e comerciais, em razão de contrato com a TV e também, em alguns casos, com recomendações da Polícia Militar, em razão da necessidade de minimização dos riscos de violência entre torcidas. O artigo 48 do Regulamento da Competição (REC), aprovado pelos clubes, explica isso e no Capítulo II do Regulamento Geral das Competições (RGC), publicado no website da FERJ (www.fferj.com.br) são encontradas todas as informações sobre a matéria

O DIA - Como a Ferj vê o fato de o Maracanã estar fechado aos domingos e termos um Vasco x Fluminense jogado na quarta feira, às 19h30, no Nilton Santos?

MV - O fechamento do Maracanã foi em função de agenda de shows e independentemente da vontade ou ingerência da Ferj. Quanto ao clássico, o local de sua realização não interferiria na sua data, determinada no sorteio da tabela e de acordo com o calendário. Reafirmamos que a Copa do Mundo foi a pior coisa que aconteceu para o futebol carioca. Perdemos o estádio por três anos para obras. Tornamos um palco mítico num estádio para 30 dias, oneroso ao extremo.

Além disso, o futebol parece não ser a prioridade ou exclusividade. Mesmo assim, diante de toda a dificuldade, em que o torcedor, os clubes e o futebol carioca pagam a conta. Mas o relacionamento com o Consórcio avançou e acreditamos em melhora. Clássico tem tudo a ver com o fim de semana, mas é importante ressaltar que, tecnicamente, com o calendário disponível não há como inexistir clássicos no meio de semana.

O DIA - Como a Ferj avalia a qualidade do atual campeonato Carioca?

MV - Vamos elaborar a equação. O que dizer de um campeonato transmitido para 18 estados, sendo o de maior abrangência no Brasil? O que dizer de um Carioca que paga uma das melhores cotas a seus filiados ? O que dizer da audiência que, por vezes, chega a ter mais da metade dos aparelhos do país ligados no jogo? O que dizer de uma partida da categoria sub 20 com audiência superior a 300.000 espectadores? Obviamente que não estamos satisfeitos. O torcedor é o nosso objetivo e inegavelmente é muito ruim para o espetáculo a falta de público no estádio. Entretanto, dissociar o futebol da situação caótica do Rio de Janeiro nos parece um equívoco capital. Não está bom. Queremos gente no estádio, segurança para o torcedor, bom futebol...

O DIA - Há algum trabalho para melhorar a qualidade de um produto que é da

Ferj?

MV - Estamos conscientes e preocupados, sim, com a ausência do público. Alguns

pontos martelam a nossa cabeça. Desde preço de ingressos, passando por violência na cidade, crise financeira do Estado, horário dos jogos... O fato é que já fizemos reuniões com os clubes e seus departamentos de marketing para avançar no sentido de tirar o torcedor da poltrona. A Federação sugeriu a implementação, a exemplo da Copa Verde, da troca de garrafas Pet por ingressos. Saiu a ideia de a mulher, devido ao seu Dia, não pagar ingresso desde que uniformizada. Esbarramos, pela urgência, em alguns fatores. Temos clubes com programa de sócio-torcedor. Estamos incansavelmente, dia e noite, pensando em atratividade.

O DIA - Como aumentar a média de público e tornar as partidas mais atraentes?

MV - Trata-se de uma questão cuja solução não é simplista e necessita do envolvimento de diversas instituições e debates de inúmeras variáveis como estádios adequados e disponíveis, horário das partidas, ticket médio compatível com a importância do espetáculo, presença de ídolos, segurança efetiva, mobilização dos clubes nesse sentido e outros tantos que devem ser analisados, inclusive adequações na forma de disputa. A Ferj tem feito todo o esforço, reuniões, propostas e, como a maioria, não está satisfeita com a situação e continuará lutando para as correções que se fizerem necessárias.

REDE GLOBO AGE EM COMUM ACORDO COM CLUBES E FEDERAÇÃO

A emissora se pronunciou através do seu setor de comunicação

O DIA - O Campeonato Carioca tem sofrido com a baixa média de público nos estádios. Muitos dizem que este quadro ocorre devido ao horário das partidas - 19h30 e 21h45. Até que ponto a Rede Globo tem ingerência na definição dos dias e horários dos jogos?

REDE GLOBO - Como parceiro do Futebol do Estado do Rio de Janeiro, detentor dos direitos de televisão, o Grupo Globo atua junto aos clubes e à Federação na definição das datas e horários dos jogos, visando à plena exploração dos referidos direitos e sua oferta ao público. Portanto, tais datas e horários são definidos em comum acordo com clubes e Federação. Os horários praticados no Rio de Janeiro estão em linha com os adotados em outros estaduais e nas competições nacionais, com bons resultados em muitos casos. Cabe aprofundar a análise das atuais médias de público no Futebol do Rio de Janeiro, abordando todos os aspectos: estádios, segurança pública e momento econômico. Por exemplo, o povo carioca ama o Maracanã e temos tido poucos jogos, mesmo os clássicos, em tal estádio.

O DIA - Quarta-feira tivemos um Vasco x Fluminense, às 19h30, no Nilton Santos. Por que os clássicos cariocas não têm mais sido realizados aos domingos, às 17h? Para não bater com a transmissão do pay per view?

RG - Conforme destacado anteriormente, os horários praticados no Rio de Janeiro estão em linha com os adotados em outros estaduais e nas competições nacionais, com bons resultados em muitos casos. É importante haver um equilíbrio entre as diversas janelas (TV aberta, paga e PPV), de modo que todas atendam seu mercado e público, permitindo inclusive maiores receitas aos clubes.

PRESIDENTE DO VASCO, ALEXANDRE CAMPELLO PEDE MAIOR UNIÃO

O DIA - O Campeonato Carioca realmente dá prejuízo aos clubes?

AC - Sou da época que jogo de Campeonato Carioca colocava 100, 120 mil pessoas no Maracanã. É ruim que a competição atual atraia pouco público. Até porque a receita de bilheteria também tem sua parcela de importância para os clubes, então, não tê-las, obviamente, é prejudicial. Em contrapartida, o Campeonato Carioca é um dos mais valorizados do Brasil pela TV, o que compensa financeiramente.

O DIA - As altas cotas pagas pela TV não acomodam os clubes em relação à presença de público nos estádios?

AC - Não vejo dessa forma. Federação, clubes, todos temos discutido como tornar o Estadual mais atraente para o público. Não é por acomodação. ‘N’ fatores podem influenciar na presença, ou não, de torcida. É preciso encontrar meios de melhorar essa experiência do torcedor em jogos do Carioca

O DIA - Como fazer o futebol Carioca voltar a ter mais público nos estádios?

AC - O primeiro passo é realmente se debruçar sobre esta questão, de repente promover uma pesquisa com o público, ver o que realmente mais afasta o torcedor, se é a violência na cidade, se é o preço do ingresso, se é o estádio longe, se é o regulamento. O Maracanã a um preço acessível para os clubes, como palco dos grandes clássicos, certamente também ajudaria.

O DIA - O que fazer para o Campeonato Carioca voltar a ser o mais charmoso do Brasil?

AC - É importante lembrar que muita coisa mudou destes anos em que o Campeonato Carioca era visto como o mais charmoso do Brasil para os tempos atuais. Houve uma ocasião em que o próprio torcedor tratava o Estadual como o torneio mais importante. Na década de 70 e até 80, era normal jogo na Libertadores ter menos público do que jogo no Estadual. Hoje é ao contrário. De qualquer maneira, eu gosto do Estadual, defendo o campeonato. É preciso realizar um debate amplo para a gente chegar à melhor maneira de tornar a disputa atrativa tanto para a TV quanto para o público.

PRESIDENTE DO FLAMENGO, EDUARDO BANDEIRA DE MELLO QUER MARACANÃ

O DIA - O Campeonato Carioca realmente dá prejuízo aos clubes?

EBM - O Campeonato Carioca dá prejuízo aos clubes principalmente se você comparar com outras alternativas que a gente tem. Todas as outras competições que o Flamengo disputa, o Campeonato Brasileiro, a Copa do Brasil, a Taça Libertadores - ano passado disputamos a Sul-Americana - são muito mais rentáveis do que o Campeonato Carioca. No Carioca nós temos uma receita de televisão que não é ruim, mas é inferior ao que a gente recebe em outras competições, mas a receita de bilheteria é muito ruim dado que a fórmula de disputa do campeonato não é atrativa do ponto de vista técnico e financeiro.

O DIA - As altas cotas pagas pela TV não acomodam os clubes em relação à presença de público nos estádios?

EBM - Não acomodam. O ideal é ter as duas coisas, uma boa cota e uma receita de bilheteria expressiva. Além do que os jogadores ficam muito mais motivados quando a torcida, principalmente a do Flamengo, comparece. Temos que trabalhar para ter boa receita de TV, de patrocínio e de bilheteria.

O DIA - Como fazer o futebol Carioca voltar a ter mais público nos estádios?

EBM - Os estádios têm que estar disponíveis, o Maracanã, por exemplo, este ano está indisponível por conta de situações que não têm nada a ver com futebol.

Principalmente temos que voltar às formulas de disputas que sempre levaram muito público ao Campeonato Carioca. Ou trabalhar com pontos corridos, um campeonato com uma quantidade menor de datas, em que todos os jogos sejam importantes para a definição do campeão. Ou então voltar àquela forma de você ter dois turnos, sendo que o campeão do primeiro turno disputa o título com o campeão do segundo. Se um clube ganhar os dois turnos, como o Flamengo ganhou várias vezes, é o campeão direto.

O DIA - O que fazer para o Campeonato Carioca voltar a ser o mais charmoso do Brasil?

O Campeonato Carioca efetivamente no passado era o mais atrativo do Brasil. Se voltarmos à década de 70... Mas a partir do momento em que os clubes foram preteridos na definição das fórmulas do campeonato, isso contribuiu para que o campeonato entrasse numa decadência na qual nós temos que nos esforçar para sair.

PRESIDENTE DO BOTAFOGO, NELSON MUFARREJ PEDE O CARIOCA EM DESTAQUE

"A rentabilidade das bilheterias no Campeonato Carioca está, de fato, abaixo do potencial, mas os valores das cotas de televisionamento do torneio são importantes para o clube e a audiência tem expressão nacional. O Botafogo tem participado ativamente de reuniões na Ferj em prol de uma maior atratividade do torneio. Nesses encontros, o clube vem apresentando sugestões de melhoria para aplicação imediata. De forma construtiva e com o engajamento de todos, temos a certeza de que o Carioca estará sempre em destaque."

PRESIDENTE DO FLUMINENSE, PEDRO ABAD SONHA COM MAIS PÚBLICO

"O Estadual é rentável, considerando a cota de televisão distribuída aos clubes. A questão da média de público tem sido objeto de estudo por parte da própria Ferj, que, junto aos clubes, busca alternativas para o aumento da atratividade da competição e da ocupação dos estádios."