Rodrigo TostesVenê Casagrande
Publicado 01/09/2021 18:00
Já se passaram 18 meses desde o início da pandemia da Covid-19 e ainda não há expectativa para o retorno 100% do público aos estádios no Brasil. Consequência natural? Queda de receita nos clubes e, consequentemente, saúde financeira em risco. Mas no Flamengo, mesmo diante das dificuldades que o novo coronavírus impôs, o Rubro-Negro conseguiu sobreviver, mantém as contas em dia e terminou o primeiro semestre com R$ 35 milhões em caixa.
Mas qual é o segredo do Flamengo para o sucesso mesmo diante de um cenário caótico e sem previsão de chegar ao fim? O Jornal O Dia correu atrás da resposta e entrevistou Rodrigo Tostes, atual Vice-Presidente de Finanças do Rubro-Negro.
O dirigente recebeu a reportagem em sua sala na Gávea, sede oficial do clube, e bateu um papo que durou um pouco mais de uma hora. Na conversa, Tostes esclareceu diversos assuntos, como metas orçamentárias, previsão de vendas para manter as contas em dia, comentou a possibilidade de compra de jogadores, e muito mais!
Rodrigo Tostes - Venê Casagrande
Rodrigo TostesVenê Casagrande
ACOMPANHE ABAIXO A ENTREVISTA COM RODRIGO TOSTES:
COMO ESTÁ A SAÚDE FINANCEIRA DO FLAMENGO NA PANDEMIA?
"A saúde financeira está muito saudável. Os números do primeiro semestre mostram claramente que a gente está bem. Poderíamos estar melhor se não tivesse a pandemia, mas mostra que estávamos forte o suficiente em 2019, em processo de transformação. Só para tentar exemplificar um pouco, a gente terminou o primeiro semestre com aproximadamente R$35 milhões de reais em caixa, apesar de ter perdido entre R$70 milhões e R$80 milhões de bilheteria e sócio torcedor. A gente pagou todas as contas em dia. Investimentos um pouco mais de R$110 milhões em direitos de atletas que a gente vem adquirindo ao longo do tempo. Então, investimos R$110 milhões, a gente paga as contas em dia, a gente deixou de receber 75 milhões em função dos problemas da pandemia e mesmo assim terminamos o primeiro semestre com R$35 milhões em caixa. Isso mostra a força da marca, o trabalho que vem sendo feito, mas não só pela área financeira, mas por todas as áreas, e a gente faz a gestão desse trabalho. O Futebol se comprometeu, entregou, não só do ponto de vista de venda, mas de performance. O Esporte Olímpico vem tendo sucesso. O Marketing vem entregando mais. O Flamengo está absolutamente saudável, mas poderia ser melhor se não fosse a pandemia."
EM QUAL SENTIDO PODERIA ESTAR MELHOR?
"Mais na área financeira. No ponto de vista de patrocinador, a gente vem fazendo bem. Acho que é na questão de receita. Nenhum clube no mundo consegue sobreviver sem bilheteria, ainda mais o Flamengo, que é um time de massa. Contratamos atletas e assumimos compromissos pensando em surfar em 2020 e 2021 e ter anos muito bons por conta das vitórias em 2019, pensando que teríamos bilheteria e número grande de sócio torcedor. Se a gente tivesse recebido todo o dinheiro de bilheteria em 2020 e em 2021, a gente estaria muito melhor, mas muito mesmo. Adiamos investimentos, pois não podemos comprometer a saúde financeira do clube, em função dessa situação que não esperávamos. Mas temos que ressaltar que a gente estava saudável e forte o suficiente para segurar esses dois anos. A gente vem fazendo uma gestão de caixa muito pesada para não sair da linha."
VOCÊS SE SAÍRAM MELHORES DO QUE IMAGINAVAM?
"Eu posso dizer que a gente traçou vários cenários e estamos hoje em um cenário muito bom. Logo no início da pandemia, em 2020, a gente criou um Comitê de Crise, que ainda vem agindo. Traçamos vários cenários. Mas decidimos segurar investimentos dentro do clube para tentar equacionar. E o horizonte é muito pior do que a gente imaginava. E a gente vem trabalhando para aumentar receitas. O trabalho não foi feito apenas em redução de investimento, mas a gente intensificou o trabalho de aumentar receitas para compensar a falta de bilheteria. Hoje o Marketing supera o que a gente tinha estimado. Patrocinadores como Mercado Livre, Havan... Trouxemos patrocinadores qualificados e com contrato a longo prazo. A gente não pode olhar a curto prazo. Eu estou buscando patrocinadores a longo prazo. Com patrocinadores a longo prazo, eu posso me comprometer com despesas a longo prazo. Contratações e aquisições de atletas, por exemplo, são despesas a longo prazo."
COMO CONSEGUIRAM BONS PATROCINADORES NO MEIO DA PANDEMIA?

"É um contrato longo. Não existe preocupação com renovação agora. Encaixamos o Mercado Livre dentro de um conceito digital que a gente tinha e que era um parceiro ideal para o Flamengo. Houve uma mudança do que acontecia. A gente foi procurar quem a gente queria fazer parceria. É uma mudança muito diferente. No Futebol é comum esperar quem quer você. A ideia era trazer valor para a marca. A marca Mercado Livre associada à marca do Flamengo é perfeita. A questão é ter uma marca que te ajuda em ações. Teve o comercial do Zico brilhante. As lojas online estão vendendo mais. Foi uma mudança de paradigma da equipe de marketing nesse sentido. Acho que a pandemia acelerou várias coisas e isso foi uma mudança muito importante."
Diretoria do Flamengo comemorando título do Brasileirão 2020Alexandre Vidal
O QUE VOCÊS APRENDERAM NA PANDEMIA QUE VÃO LEVAR PARA O PÓS-PANDEMIA?
"Eu acho que tem uma mudança fundamental. Eu não diria na parte financeira. Eu diria no clube. A questão da digitalização. Acelerou a questão digital na pandemia. As pessoas não podiam sair de casa. A gente acordou e começou a olhar com mais determinação e vontade para tentar monetizar todo o trabalho que já tinha sido feito nas redes sociais. Um grande exemplo foi a Flatv, o trabalho feito no Carioca. Esse é um grande exemplo que mostra que acelerou muito. Talvez se a gente não tivesse a pandemia, a gente ia deixar pra lá, o tempo passar. Mas a necessidade de nos preparar para o futuro e essa ida para o digital acelerou vários processos dentro do clube e nos ligou um alerta para explorar o mundo digital mais fortemente. Já vinha sendo feito um trabalho de base muito forte e agora a gente tem que monetizar. A gestão está fazendo agora um trabalho de focar nesse ponto."
POR QUE NO ORÇAMENTO DE 2021 VOCÊS PREVIAM RETORNO DE TORCIDA EM ABRIL?
"Aqui temos um processo orçamentário que é igual empresa. É um processo longo, que começa no meio do ano anterior. A gente está começando o processo agora para ano que vem, por exemplo. Quando começamos o processo para 2020, a gente não tinha uma visão clara do cenário. Esse processo começou muito antes. A gente tinha que estimar algo. Infelizmente a situação da covid-19 piorou. É um cenário nebuloso. Agora é fácil olhar para trás e dizer que não era para ter orçado em abril. Mas em julho do ano passado, quando começamos o processo, a gente não tinha a visão que temos hoje. A gente ainda trabalha com grau de incerteza bastante relativo. Ainda é tudo muito incerto. Está difícil fazer orçamento pensando em volta de bilheteria. Está difícil. Não temos essa capacidade. A gente quer que volte o mais rápido possível, mas a gente não tem essa certeza ainda."
Rodrigo TostesVenê Casagrande
BATERAM A META DE RECEITA DE R$168 MILHÕES COM VENDA DE JOGADORES?
"A meta foi batida, mas a meta não foi colocada por causa da covid. Não é o covid que fez o Flamengo vender jogadores. O Flamengo continua fazendo investimentos. O Flamengo comprou o Pedro. O Flamengo pagou as parcelas de aquisições, o Flamengo tem despesas de um time de altíssimo gabarito. As vendas entram para compensar essas compras de longo prazo. Não é só covid quem fez isso. É o tamanho do que a gente montou. O Flamengo está em outro patamar e para suportar essas despesas o Flamengo precisa vender atletas. Para comprar precisa vender. Eu não quero criar essa percepção de que se ano que vem não tiver covid a gente não vai precisar vender atleta. Está errado esse pensamento. A gente já bateu a meta, mas hoje acontece uma situação em que as vendas estão sendo feitas muito mais a longo prazo do que era anteriormente. Isso é por causa do covid. Todos os clubes estão passando pelo mesmo momento. Todas essas vendas estão sendo feitas ao longo do tempo. Quando você vê o valor cheio não quer dizer que você vendeu todo aquele ano. Então, se precisar vender 160 milhões, vendeu o Gerson e está sobrando dinheiro... não é assim porque não vou receber tudo esse ano. A gente parcelou algumas coisas porque é a forma de vender nesse momento. O que posso te dizer claramente é que o Futebol bateu as metas que foram estabelecidas. Isso está sendo feito e vem sendo feito. Tivemos alguns desajustes em janeiro, mas que foi equacionado."
PRECISA VENDER MAIS JOGADORES PARA MANTER A CONTA EM DIA?
"Como a gente não sabe o que vem pela frente é uma resposta difícil de se ter. A gente não sabe até quando vai à pandemia. Eu jogar com Maracanã com menos de 30% da capacidade é prejuízo. É impossível fazer uma conta porque não temos um cenário na frente claro. A gente precisa vender ou não vender porque não sabemos o que vem pela frente. Uma série de incertezas que fazem essa resposta não ser dada."
IMPORTÂNCIA NA PARTE FINANCEIRA DO RETORNO DE PÚBLICO?
"Tenho um acompanhamento diário junto com o Governo e Prefeitura. A resposta que vem é que está muito indefinido ainda. A gente não tem como refletir isso nos números do clube. A gente vai apresentar agora um reajuste no orçamento. A grande discussão é essa. Já poderíamos apresentar um reajuste? Poderíamos. Mas qual número ou data a gente bota? A gente não sabe. A gente recebe feedback, mas não sabemos efetivamente. A gente se comprometeu em apresentar um orçamento revisado em 10 de setembro. A gente se comprometeu com o Conselho de Administração."
Rodrigo TostesVenê Casagrande
FLAMENGO TERÁ CONDIÇÕES DE EXERCER A OPÇÃO DE COMPRA, EM 2022, DOS JOGADORES EMPRESTADOS?
"Isso é impossível de responder. Temos que aguardar a performance, ver qual é a negociação que o Departamento de Futebol está fazendo, para sentar, analisar e projetar. O Flamengo hoje está saudável e tem crédito. Se precisar de crédito, o Flamengo tem. Se for importante se endividar para conseguir outros objetivos, e o nosso orçamento suporta, a gente vai fazer. A decisão é que precisa ser tomada em conjunto. Hoje, a boa notícia é que se a gente precisar investir, a gente tem como. Agora, se vai fazer ou não, a decisão precisa ser tomada com mais gente na mesa. A grande e boa notícia é que hoje está cheio de gente querendo emprestar dinheiro para o Flamengo. Mas temos a nossa responsabilidade. No momento da pandemia, precisamos fazer algumas ações, como alongar alguns empréstimos. Não fazia sentido vender atletas, perder no ponto de vista esportivo para resolver um problema temporário. Mas não podíamos continuar investindo da forma que estávamos."
VOCÊ ACHA JUSTO QUANDO DIZEM QUE VOCÊ É QUEM 'BRECA' CONTRATAÇÕES E RENOVAÇÕES?
"Acho que isso faz parte do mundo do futebol. Precisa ter essas condições. A minha relação com o Futebol, com o Presidente, é a melhor possível. Não existe qualquer tipo de aresta. A gente dá risada quando sai meme, filme, a gente se fala quase todo dia. A gente sabe que o Flamengo é um regime presidencialista. Quem tem a caneta é o presidente. Nós vice-presidentes funcionamos muito mais como suporte e ajuda para as tomadas de decisões. Eu não me importo porque isso faz parte da cultura do futebol. Mas logicamente isso não é verdade. As decisões são discutidas, analisadas, tem que se provar com fundamentos. Esse é o nosso processo de governança. Não tomo decisões sozinho e nem tenho autonomia para fazer isso. A gente se ajuda. A gente troca conhecimentos. Esse é o conceito que a gente tem dentro."
CASO LANDIM SEJA REELEITO E TE CONVIDE PARA SER VP FINANCEIRO NO PRÓXIMO TRIÊNIO, VOCÊ ACEITA?
"Sim, sem dúvidas. É uma honra. Eu digo que o Flamengo é o meu exército. Se o Flamengo chamar, eu vou estar sempre disponível. Não só como VP. Se precisar, por mais três anos, ou um ano, eu estou disponível para aceitar."
Rodrigo Tostes ao lado do presidente Rodolfo LandimDivulgação
QUAL É A FÓRMULA DO SUCESSO DESSA GESTÃO?
"Se eu tivesse que botar uma palavra é disciplina. Os vice-presidentes, a maneira como o presidente Landim encara essa questão financeira é de disciplina e austeridade. A fórmula do sucesso é a disciplina que a gente tem para cumprir os orçamentos e ser flexível no que dá. Não deixar a corda romper, mas quando precisa ser flexível, encontrar esse meio caminho."
 
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