Por monica.lima

São Paulo - O aumento dos depósitos em um banco não significa que ele vá ampliar na mesma medida a oferta de crédito, ao contrário. Pelo menos, esta é a realidade brasileira, segundo o estudo “Transmissão Assimétrica de Choques de Liquidez a Bancos”, apresentado pela pesquisadora do Banco Central Raquel de Freitas Oliveira, sexta-feira, em São Paulo, durante o IX Seminário Anual do BC sobre Riscos, Estabilidade Financeira e Economia Bancária.

O estudo mostrou que a cada 1% de queda que um banco obtém em seu volume de depósitos, a oferta de dinheiro aos clientes é reduzida em 0,4% a 0,8%. Já quando registra aumento dos depósitos em 1%, aumenta a oferta de crédito em no máximo 0,1%, informou Raquel. “Os bancos preferem manter a liquidez do que emprestar a novos clientes, o que pode ser arriscado em época de crise”, disse a pesquisadora. É o fenômeno conhecido popularmente como “empoçamento de liquidez” — os depositantes tiram o dinheiro de bancos menores, temendo pela segurança, e colocam em grandes bancos. Esses, por sua vez, muitas vezes também acabam privilegiando a liquidez, aplicando o excedente em títulos do governo e não em crédito.

O estudo de Raquel de Freitas Oliveira foi realizado com base em informações dos bancos brasileiros entre 2006 e 2009. Se a lógica prevalecer, as medidas adotadas no mês passado pelo BC, liberando compulsórios e reservas de risco para injetar mais R$ 45 bilhões em liquidez podem não estimular o crédito mas a direção da autoridade monetária.

Em seu discurso de abertura no seminário, o diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Araújo, defendeu as medidas adotadas pelo BC — que foram criticadas por estimular o crédito um dia depois de o Copom divulgar a ata da última reunião deixando claro que a taxa de juros (Selic) continuaria alta para conter a inflação. Mas questionado sobre a relação do estudo de Raquel de Freitas, Hamilton respondeu que “a pesquisa não estudou essas medidas”.

As medidas do BC foram explicadas como um desmonte das adotadas em 2010, quando o BC julgou que era preciso conter o crédito e a inadimplência. “A regulação macroprudencial objetiva assegurar estabilidade financeira. Ou seja, o Banco Central segue o princípio da separação entre política monetária e regulação prudencial. Isso posto, em momentos de euforia, como em 2010, ajustes na regulação visaram moderar excessos e, de forma seletiva e pontual, mitigaram a formação de potenciais riscos à estabilidade do Sistema Financeiro como um todo”, disse Hamilton. “Em contrapartida, se não há indícios de potenciais riscos ou se uma desaceleração indesejada do ritmo de expansão da oferta de crédito é identificada — seja ela localizada em segmentos econômicos específicos ou generalizada — é justificável a introdução de medidas macroprudenciais que apontem na direção oposta. É exatamente isso o que o Banco Central tem feito ao longo do tempo”, justificou, afirmando não haver indícios de formação de riscos à estabilidade financeira a vista. “A percepção de robustez do nosso sistema bancário também emerge quando se analisam indicadores quantitativos, por exemplo: capitalização, liquidez de ativos, provisionamento contra perdas esperadas e dependência de funding externo”.

O diretor ressaltou que o BC continuará respeitando o princípio da separação entre política monetária e regulação prudencial, “adequando e aperfeiçoando o arcabouço prudencial, o que, em momentos de transição como o atual, requer ações tempestivas, em particular, para facilitar investimentos e garantir que as estruturas de capital das instituições reguladas mantenham-se aderentes aos riscos presentes nos respectivos portfólios”. Hamilton também defendeu as contas externas brasileiras contra sinais de deterioração.

O evento do BC teve ainda a participação de representantes de outros bancos centrais, e do professor Hyun Song Shin, do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Segundo ele, depois da crise de 2008 os grandes transmissores de liquidez (ou da falta dela) são os gestores de recursos. “O mercado mudou, a alavancagem diminuiu e com isso o poder saiu tanto das mãos dos bancos e passou para o mercado de bônus”, explicou. Para ele, as fronteiras conhecidas são cada vez mais insuficientes para explicar e prevenir crises.

Iftekhar Hasan, da Escola de Negócios Internacionais e Finanças da Fordham University, da Finlândia, fez uma apresentação sobre o papel da regulamentação e da força de grandes conglomerados para obtenção de empréstimos de longo prazo a custos baixos, quando contratados por um banco junto a seus pares. “Esta é cada vez mais uma importante fonte de recursos para os bancos, fora do overnight e do mercado interbancário”, diz.

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