Por bruno.dutra

São Paulo - O ambiente desafiador levou a agência de classificação de risco Moody’s a revisar a perspectiva do sistema bancário brasileiro para negativo. A analista sênior de bancos, Ceres Lisboa, afirmou que a decisão baseia-se no fato de que 36% dos bancos acompanhados pela Moody’s, com 95% dos ativos totais do sistema, têm perspectiva de rating negativo. O anúncio foi feito durante a conferência anual realizada pela Moody’s ontem, em São Paulo. A profissional informou que o relatório com as observações será divulgado na próxima sexta-feira, dia 3.

De acordo com a executiva, a agência considerou como ambiente operacional vai estar nos próximos 12 a 18 meses e como isso deve influenciar os números dos bancos. Segundo ela, esse ambiente impacta tanto o lado do ativo quanto o da rentabilidade das instituições financeiras. Ela ressalta que o País terá mais um ano de crescimento fraco. Além disso, a confiança do consumidor está baixa, a demanda por crédito fraca e a inflação persistente. Segundo ela, o mercado de trabalho, por mais que o emprego não esteja dando sinais negativos, tem menos formação de novos empregos e também menor crescimento da renda.

Ceres também destacou que um novo ciclo de inadimplência está em andamento, tanto nos créditos concedidos para a pessoa física quanto para a jurídica. Mas a escolha por créditos de menor risco deve contribuir para amenizar o avanço dos devedores. “Ele virá. De modo gradual e vai acontecer no longo prazo”, pondera. “Analisando todos os componentes, o que se verifica é que irá acontecer um impacto na rentabilidade dos bancos, porque é um ambiente onde os bancos vão ter menos apetite para crescer em ativos de risco ou de forma geral. A capacidade de pagamento acaba ficando mais fraca num ambiente de risco”, afirma.

A executiva disse ainda que a indicação de que a lucratividade e eficiência estão se deteriorando também sustenta a mudança da perspectiva do setor para negativa. “É importante entender que o padrão de rentabilidade dos bancos mudou e não devemos voltar aos mesmos níveis de 10 anos atrás”, conclui.

Sobre os bancos públicos, Ceres afirma que as carteiras de crédito dessas instituições têm grande parcela de baixo risco e a inadimplência acaba se diluindo. “Quando se fala que banco público vai aumentar a inadimplência, vai subir gradativamente”, diz. Ela avalia ainda que ao se olhar os números da Caixa Econômica Federal (CEF) individualmente, trimestre a trimestre, já há indicação de que o número de devedores está crescendo. “Esse aumento vem do avanço agressivo da instituição no passado e de ativos de maior risco, ativos que não eram alvos da Caixa”, diz, lembrando ainda que o Banco do Brasil (BB) também apresentou inadimplência no segmento de middle market no primeiro trimestre, mas deu uma parada para arrumar a carteira.

Ceres também disse que a agência está olhando com atenção a questão da alavancagem dos bancos. De acordo com ela, hoje “claramente” existem dois sistema no Brasil: o público e o privado. “Público tem direcionamento específico, apetite de risco específico, missão específica e está incorporado apetite de risco mais alto. O nível de capitalização depende um pouco do governo, o apetite por rentabilidade é diferente e isso envolve crescimento”, diz.

De acordo com ela, isso se traduz por alavancagem mais alta e, isso é aceito, é uma questão intrínseca dos bancos públicos. No entanto, ela avalia que está havendo um crescimento forte e muito rápido suportado por dívida e, não por capital social.

Ela lembra que a Caixa, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o BB, este último em menor escala, receberam aprovação do governo e do Banco Central para migrar parte da capitalização que foi adquirida através da dívida para o capital principal. Isso irá reduzir o nível de alavancagem. “A gente tem falado que crescer 50% ao ano com capital subordinado é um risco, esse ponto é considerado no rating e precisa ser acompanhado”, diz, sem, no entanto, fazer juízo de valor.

“Até que ponto isso é positivo ou negativo, a forma como o governo tem administrado essa alavancagem, a gente não consegue avaliar, tem que acompanhar”, afirma, lembrando ainda que os bancos públicos têm possibilidade que os privados não têm. A executiva observa ainda que, de qualquer forma, a alavancagem dessas instituições vai diminuir e os indicadores de qualidade melhorar, permitindo um crescimento da carteira de modo saudável.

De acordo com a analista, a Caixa recebeu autorização para converter R$ 36 bilhões em dívidas com a União em capital principal, o BNDES, R$ 30 bilhões e o BB, R$ 8 bilhões. “BC entendeu que essa dívida junto ao governo poderia oferecer perda e pode ser considerada capital social. Não é uma prática comum. É previsível que aconteça com banco público, a dívida do banco privado é comprada pelo mercado”, afirma. No caso da Caixa, Ceres lembra que o capital principal sobre ativo ponderado por risco tinha número ao redor de 5% a 6% e deve passar para 10% a 12%, que é praticamente o nível do setor privado que está sempre menos alavancado.

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