Por bruno.dutra

Do pico recente, os R$ 2,4371 do dia 3 de fevereiro, até ontem já tombou 8,91%. O fluxo de capitais financeiros em direção aos títulos e ações brasileiros, que acusou brevemente tanto o golpe do rebaixamento do rating brasileiro pela Standard and Poor’s quanto os efeitos de um suposto tom mais grave no discurso do Federal Reserve, já se recompôs.

De volta à luta, dedica-se agora a colocar à prova a suspeita de que o Banco Central deseja a derrocada do dólar. O argumento é o de que o Copom só poderá enfim cumprir a promessa sustentada há meses de encerramento do ciclo de alta da Selic se o dólar vier abaixo de R$ 2,20.

O regime de câmbio brasileiro é flutuante, o que não significa dizer que seja livre. O mercado gosta de trabalhar num sistema de liberdade vigiada. Cativo há muito tempo, não saberia o que fazer se a liberdade fosse completa. Com o xerife ausente, talvez houvesse até mais respeito e comedimento entre “comprados” e “vendidos”. Mas também poderiam se destruir mutuamente sem muito remorso. O mercado sente-se muito mais à vontade quando pode apostar contra fronteiras explícitas ou imaginárias a serem defendidas pelo Banco Central. O inimigo-mor é o BC, e não a instituição logo ali no outro andar.

A existência de um piso e um teto torna o jogo muito mais excitante e lucrativo. Quando as forças naturais empurram o dólar para cima, tudo será feito para testar o poder arregimentado pelo BC na defesa de um teto. Foi assim na severa crise de agosto de 2013. Quando o dólar bateu em R$ 2,4320 no dia 22 de agosto, a autoridade disse “basta” e anunciou o programa de intervenções cambiais ainda em vigor.

Conhecido o teto, a moeda despencou 3,25% no dia seguinte. Nesse começo de abril de 2014, vive-se situação idêntica, em sentido oposto. O mercado está fazendo de tudo para conhecer um piso cujo rompimento o BC não está disposto a tolerar. E, até agora, não há nenhum sinal a respeito.

Ou melhor, como, na visão do mercado, o BC começou a rolar muito cedo o lote de US$ 8,733 bilhões em swaps cambiais a vencer no dia 2 de maio, o sinal é de que não está propenso a conter o declínio da moeda por meio da diminuição da oferta de hedge. O mercado trabalha hoje com o seguinte plano de voo: quando o dólar chegar a R$ 2,20, o BC vai agir de alguma forma — ou reduzindo a oferta nos leilões de rolagem, ou criando dificuldades para a venda integral dos quatro mil swaps que compõem sua ração diária de intervenção — de maneira a deixar claro que deste piso a moeda americana não desce mais.

Se for assim, o mercado fará de tudo para que o limite mínimo seja encontrado o mais rapidamente possível. Na mínima do dia, o dólar bateu ontem em R$ 2,2125. E se o chão não for a R$ 2,20 será escavado mais um pouco até o BC se manifestar.

Deve-se notar que o mercado não está fazendo um jogo a favor do BC. Não atua para ajudá-lo a cumprir um nobre objetivo anti-inflacionário, evitando o prosseguimento da alta da Selic, danoso à atividade econômica e ao resultado nominal das contas públicas. O mercado sabe que quanto mais o dólar cair agora, em dissociação com os fundamentos (piora do déficit externo, queda da expansão do PIB, inflação ascendente e dúvidas sobre a sinceridade fiscal), mais subirá no futuro quando os juros longos americanos iniciarem a escalada antecipatória ao descongelamento da taxa básica do Fed. Nesse momento, as operações carry trade fechadas hoje contra o dólar serão revertidas celeremente. O mercado aposta hoje mais no rebote do que na apreciação cambial atual.

Se a tendência fosse de fato de um fortalecimento contínuo e sustentável do real, os investidores estrangeiros já teriam desmontado completamente suas posições “compradas” em dólar futuro e cupom cambial. Já estariam “vendidos”, a principal ponta das apostas até 2011, quando entrou em cena a guinada da política econômica conhecida como “nova matriz econômica”. Mas, não. A última posição conhecida, referente ao pregão de sexta-feira, informa que os fundos estrangeiros estão “comprados” (aposta de alta do dólar) em US$ 20,81 bilhões.

Embora distante do recorde absoluto — os US$ 27,98 bilhões do dia 4 de fevereiro — ainda é um montante muito expressivo. O que o mercado quer mesmo é que, às vésperas da eleição, haja uma desestabilizadora arrancada do dólar, obrigando o BC a vender em definitivo dólares físicos das reservas internacionais. Esse será o grande teste final. O mercado parece estar com saudades da adrenalina do dia 15 de janeiro de 1999.

Prova de que os economistas não veem consistência na queda do dólar é o fato de que o declínio recente não está sendo “precificado” nas projeções de alta do IPCA este ano. Enquanto o câmbio se aprecia, pioram as expectativas de inflação da pesquisa Focus, conduzida pelo BC. Deveria ser o contrário, se os analistas enxergassem alguma solidez no movimento. Os prognósticos de IPCA acumulado em 2014 não param de subir há cinco semanas. Em meados de fevereiro, a previsão ainda estava abaixo de 6%, a 5,93%. Foi subindo gradualmente até chegar a 6,35% no Focus divulgado ontem.

As pesquisas de avaliação do governo e intenção de voto são o tempero a mais no jogo do câmbio. Não dá para apostar todas as fichas na suposição de queda persistente e irrecuperável da candidatura de Dilma Rousseff. O argumento de que os opositores não crescem por serem desconhecidos padece de obtuso unilateralismo. Nada garante que, depois de conhecidos, merecerão a confiança do eleitor hoje desiludido com o atual governo. Na comparação, pode ocorrer o contrário.

O dinheiro externo de melhor qualidade que chega aos títulos do Tesouro derruba a taxa de longo prazo do DI futuro. O contrato para janeiro de 2017 cedeu ontem de 12,35% para 12,30%. A taxa do contrato mais curto, para a virada do ano, quase não saiu do lugar, caindo de 11,06% para 11,05%, porque os investidores só devem fazer novos movimentos após a leitura, na quinta-feira, da ata da reunião do Copom realizada na semana passada.

Você pode gostar