Por monica.lima

O dólar precisaria subir 8,30% de hoje até o fim de dezembro para encerrar o ano nos R$ 2,40 previstos pelos analistas consultados pelo Banco Central para a elaboração do boletim Focus. Depois de ter se desvalorizado 6,3% no primeiro semestre do ano, o dólar faria o caminho de volta no segundo. Por que tanto “pessimismo”? A arrancada do dólar vai acontecer antes ou depois das eleições? Quais os efeitos possíveis da alta sobre o ânimo dos eleitores? Qual o impacto inflacionário da depreciação cambial? Os economistas têm respostas para todas essas questões e os executivos que fecham operações de compra e venda de ativos já sabem o que fazer quando chegar o momento da virada.

O Focus não gosta de promover alterações substanciais em suas projeções de taxa de câmbio. Aconteça o que acontecer no mercado à vista, as linhas gerais do cenário de médio prazo se mantêm intactas. Quando muda a estimativa, a alteração é superficial e a nova costuma permanecer estável por várias semanas. O Focus iniciou 2014 prevendo para dezembro taxa de câmbio de R$ 2,45. Na crise global de aversão a risco do início de fevereiro, a projeção avançou a R$ 2,50. Superada a crise, o prognóstico baixou a R$ 2,45 em maio e ficou nesse degrau por sete semanas. O atual, de R$ 2,40, dura quatro semanas.

Mais do que o fluxo cambial — o movimento efetivo de entrada e saída de dólares financeiros e comerciais da economia — e a política de intervenção cambial do BC, quem dita o comportamento do dólar e as expectativas dos analistas é o mercado internacional. O risco incorporado às carteiras formadas por moedas e títulos de países emergentes sobe diante da possibilidade de alterações na política monetária americana. Os fundos globais remanejam os seus portfólios desencadeando uma corrida de proteção mundo afora. Cresce a demanda por dólar para cobertura de endividamentos e para ampliação de rentabilidade das posições mais especulativas. Em agosto de 2013 e fevereiro deste ano ocorreram surtos desse tipo, empurrando o dólar para perto de R$ 2,43. No primeiro caso, foi preciso que o juro de 10 anos dos EUA avançasse para 3%. No segundo, bastou que superasse levemente 2,70% mas com expectativa de arrancadas posteriores que não se confirmaram.

O mercado acredita que um terceiro surto deve ocorrer neste segundo semestre. Os primeiros sinais já estão presentes: 1) O fluxo de capitais especulativos, tanto o que tem um pouco mais de qualidade, direcionado à compra de títulos públicos federais, quanto o carry trade já não é tão abundante quanto foi em março (superávit de US$ 2,3 bilhões) e abril (US$ 2,78 bilhões). Em maio, a balança cambial contabilizou uma perda de US$ 813 milhões e, em junho (até o dia 27), de US$ 856 milhões. No acumulado do ano, o saldo é positivo em US$ 3,17 bilhões, uma diminuição de 64,4% em relação ao superávit de US$ 8,913 bilhões exibido no mesmo período de 2013. Não basta pagar o maior juro real do mundo. 2) Na quinta-feira, a divulgação pelo governo americano de um relatório de emprego robusto foi recebida como a confirmação dos cenários de que a economia dos EUA se recupera de forma sólida depois da retração sofrida no primeiro trimestre. E os analistas reforçaram a sua crença de que o Federal Reserve irá em breve alterar a sua comunicação e iniciar a preparação dos mercados para um aperto monetário efetivo no início do segundo trimestre de 2015. Se isso acontecer, a taxa de 10 anos se antecipará ao movimento, voltando aos 3% ainda este ano. E o BC não conseguirá manter o dólar dentro de sua atual faixa de flutuação, com R$ 2,20 no piso e R$ 2,25 no teto.

Alguns analistas desenham para este segundo semestre do ano um quadro carregado de pressões de alta do dólar. Elas virão de múltiplas frentes, na visão do diretor-executivo da NGO Câmbio, Sidnei Nehme. No seu entender, haverá uma queda expressiva nas captações externas feitas por empresas brasileiras. As emissões de bônus e dívidas foram antecipadas nos primeiros seis meses do ano para se evitar contratempos políticos derivados das eleições. A janela de oportunidade estará menos aberta por causa da esperada elevação dos juros longos das “treasuries”. Nehme prevê não somente a diminuição dos fluxos especulativos em direção ao Brasil, por causa do crescimento da aversão global a risco, como uma saída desses capitais decorrente de incertezas domésticas. “Esses capitais são de curta permanência e não convivem bem com incertezas políticas e problemas de natureza econômica, como baixo crescimento, política fiscal comprometida e inflação alta”, diz. E, além disso, são concentradas nos últimos meses do ano as remessas normais de capital para pagamento de dividendos e lucros. O economista sugere ao governo reduzir mais um pouco, de 180 para 90 dias, o prazo dos empréstimos externos isentos do IOF de 6%. Poderia obter com isso um fôlego a mais caso os bancos encontrem dificuldades nas captações de linhas destinadas a suprir de dólares o mercado interno.

Parte do mercado aposta que a terceira onda de aversão global a risco poderá ser deflagrada perto das eleições de outubro. Será uma “minitempestade perfeita” para os adeptos da candidatura Aécio Neves. O seu impacto será mais psicológico do que efetivo do ponto de vista macroeconômico. As consequências inflacionárias são incertas pois no atual ambiente de estagnação econômica não é nada fácil repassar para os preços acréscimos de custos impingidos pelo câmbio. E, se ocorrer, o impacto inflacionário da alta do dólar se dará no longo prazo. A visão do retorno do câmbio a um patamar mais em conformidade com o atual ciclo da economia não é “pessimista”. Uma taxa “realista” é defendida não só pelos desenvolvimentistas que no início do governo Dilma Rousseff elaboraram as diretrizes da Nova Matriz Econômica quanto pelos que postulam a volta do tripé econômico clássico praticado nos governos anteriores. Para estes, o pilar fundamental é o fiscal. Com as contas públicas em ordem será possível uma taxa de câmbio de até R$ 3,00.

Na sexta-feira, o fechamento antecipado dos mercados devido ao jogo do Brasil e o feriado americano de Independência secaram brutalmente a liquidez do câmbio e dos juros futuros. O dólar fechou em leve alta de 0,18%, cotado a R$ 2,2155, sem transparência porque o giro de negócios não foi além de US$ 200 milhões quando em dias normais costuma movimentar entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2 bilhões. Os juros caíram na BM&F. A taxa para janeiro de 2017 cedeu de 11,44% para 11,43%.

Nesta semana de poucos indicadores domésticos relevantes, destaque absoluto para o IPCA de junho, que será divulgado amanhã pelo IBGE. A expectativa geral é de que se constatará uma queda em relação ao 0,46% de maio. Resta saber para quanto. O ponto nevrálgico é este porque, dependendo do número, o acumulado dos últimos 12 meses poderá ou não furar o teto de 6,5% da banda inflacionária. Se vier o 0,34% esperado pelo Focus, o estouro fica adiado para julho. Mas se a alta for de 0,39%, o IPCA irá acumular 6,51% nos 12 meses terminados em junho.

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