Por bruno.dutra

Mas um eco longínquo de um mundo que não existe mais foi entreouvido ontem num discurso do qual os executivos não esperavam nada. A presidente do Federal Reserve (Fed), Janet Yellen, foi prestar contas ao Senado e falou o que costumar falar, mas fez também algumas considerações novas. Falou em preços “esticados” de ações e que o Fed pode tirar a taxa básica do freezer mais cedo do que se imagina se o mercado de trabalho se expandir rapidamente na direção desejada. E uma luz vermelha começou a piscar nas mesas: as bolsas de Nova York caíram, subiram os juros das “treasuries” e o dólar se valorizou nos quatro cantos do mundo.

Com um excelente volume de negócios de US$ 2,5 bilhões, o dólar subiu 0,43% frente ao real, cotado a R$ 2,2211. Os DIs futuros seguiram o vaivém dos rendimentos das T-Note de 10 anos. Os títulos americanos subiram de 2,55% para 2,58% sob o impacto das declarações da dirigente do Fed, mas fecharam quase estáveis. Na BM&F, a taxa do contrato com vencimento em janeiro de 2017 avançou até 11,49%, de 11,40% no encerramento da véspera, e fechou a 11,41%.

Em suas grandes linhas, o discurso de Yellen não abdicou de sua clássica posição ”dovish”. A economia se recupera, mas muito lentamente, requerendo ainda o auxílio de uma política monetária acomodatícia. Embora em expansão, o mercado de trabalho revela fragilidades e inconsistências. Os indicadores do setor imobiliário alternam bons e maus resultados. E não será em 2014 que a inflação voltará aos 2% da meta central do Fed. Mas — e aí vem a novidade maior —, se os indicadores vierem a se comportar doravante acima do previsto pela autoridade, o Fed saberá como atuar de forma ágil.

O recado é de que os votantes do comitê de política monetária estão preparados para agir quando for preciso. Foi ampliado o grau de dependência em relação aos indicadores. E foram abandonados os cenários rígidos. A nova leitura que o Fed faz do “data dependent” foi entendida assim: pode aumentar a taxa básica (a “fed funds rate”, desde dezembro de 2008 fixada entre zero e 0,25%) na hora que os dados exigirem, mas isso não significa o estabelecimento de uma rota contínua de alta. O juro básico poderá ficar em patamar bem baixo por longos períodos, sem necessidade de retornar ao patamar histórico dos 5%.

Como se isso fosse possível, os analistas vão, depois desse discurso, esquadrinhar ainda mais os indicadores que forem surgindo, procurando encontrar neles pistas obscuras capazes de disparar a sirene monetária do Fed. Não basta, porém, que apenas um venha bem melhor do que o projetado. Foi o caso ontem do Empire Manufacturing, indicador calculado pela regional de Nova York do Fed. Veio surpreendente: saltou de 19,28 em junho para 25,60 em julho, quando os analistas esperavam queda para 17. Em seguida, o mercado decepcionou-se com as vendas varejistas em junho. Cresceram 0,2%, bem abaixo do 0,6% previsto.

O Copom do Banco Central estará preparado, como parece estar o Fed, para abandonar cenários enrijecidos e obsoletos diante de novos fatos? É o que se verá hoje no início da noite. Há apenas um fato novo, mas forte o suficiente para justificar uma guinada na política monetária: a vertiginosa e, por enquanto, irrefreável queda da atividade econômica. No intervalo entre um Copom e outro — ou seja, de 28 de maio, data da última reunião, até hoje — a expectativa de crescimento do PIB este ano do boletim Focus caiu de ruim 1,63% para péssimo 1,05%. E ainda não parou de cair. 

Todos os dias as instituições alimentam seu modelos econométricos com os dados recém-saídos do forno e constatam uma diminuição. O Banco Fator fez isso ontem. Resultado: reviu para 0,8% sua estimativa de expansão da economia em 2014. Pior: não descarta uma “recessão técnica” já no primeiro semestre do ano. “A atividade segue e seguirá em desaceleração”, constata o seu economista-chefe José Francisco de Lima Gonçalves.

O Copom só tem, diante disso, uma coisa a fazer hoje à noite: iniciar um ciclo de cortes da taxa Selic. Difícil, porque a realidade mudou, mas não a visão que o Copom tem dela. Ele não gosta ademais, cioso de sua tarefa de ancoragem de expectativas, de tomar decisões sem exaustiva preparação dos mercados. As decisões do Copom costumam ser meros fatos consumados. Sem contar que acabou de divulgar um Relatório de Inflação no qual acena com a intenção de congelar a Selic nos atuais 11% até o fim de 2015. Reduzir a taxa agora seria passar atestado de, para ser suave, imprevidência.

Mas se quiser derrubar os juros dos contratos futuros negociados na BM&F – os que formam de fato o piso do custo do dinheiro da economia —, poderá fazê-lo sem alterar a Selic. Basta ou um placar divergente — com dois ou três diretores votando pela redução a 10,75% ou 10,5% — ou a emissão de um comunicado sinalizando para a possibilidade de uma flexibilização em setembro ou outubro. Isso já será o suficiente para atenuar a inclinação positiva da curva futura de juros. O mercado não vai concordar com isso, mas terá de obedecer.

A perspectiva de divulgação esta semana de pesquisas de intenção de voto menos favoráveis à presidente Dilma Rousseff não amorteceu muito o efeito de alta sobre dólar e juros do depoimento de Janet Yellen. O mercado já precificou a realização de um segundo turno. Para que as eleições possam mexer de novo com vigor com o comportamento dos ativos será preciso que um dos dois candidatos de oposição tenham chances reais de vencer a presidente no segundo turno. Por enquanto, não há sinais disso.

Você pode gostar