Por bruno.dutra

Quando os 12 votantes do Fomc (o equivalente americano do Copom brasileiro) sentaram-se à mesa já dispunham dos dados preliminares do desempenho do PIB no segundo trimestre. Mais do que a alta em si — 4%, acima da projeção de 3% dos analistas —, a razão da puxada vigorosa feita pelos mercados nos juros de 10 anos, de 2,46% para 2,57%, foi o fato de o núcleo do PCE (o deflator do PIB, o termômetro de inflação mais observado pelo Fomc) ter acelerado de 1,2% para 2% na passagem do primeiro para o segundo trimestre. Bingo, pensou o mercado, a inflação bateu na meta e o Fed terá de agir, antecipando o início da alta do juro básico. Mas o Fomc foi magnânimo e mostrou que não decide na aflição do momento. E os juros de 10 anos cederam a 2,55%.

Além de seguir à risca o script original — sustentou o ritmo de corte das aquisições de títulos nos mesmos US$ 10 bilhões com que iniciou o “tapering”, em dezembro, e manteve a “fed funds rate” (a Selic deles) entre zero e 0,25% —, não introduziu nenhum improviso de última hora no seu comunicado. Reiterou a linha básica da narrativa anterior: o desemprego diminuiu, mas ainda há muita folga no mercado de trabalho; a economia se recupera, mas uma política expansionista ainda é necessária; a inflação sobe, mas não preocupa; e, por isso tudo, não tem nenhuma pressa em subir o juro. E repetiu a mensagem destinada a retirar qualquer urgência de mudança das condições monetárias: depois de encerrado o “tapering”, em outubro, haverá um “período de tempo considerável” até a elevação do juro. Dos 12 votantes, apenas o falcão Charles Plosser, presidente da regional da Filadélfia, foi contra a inclusão no comunicado desta enigmática incerteza temporal.

Referindo-se veladamente ao frenesi que o core do PCE provocou nas mesas de operações, o Fed mostrou-se tranquilo e racional, mas não insensível. Subtraiu da nota o trecho em que se dizia preocupado com a inflação baixa por outro, mais em sintonia com o indicador: “A probabilidade de a inflação oscilar persistentemente abaixo de 2% diminuiu um pouco". E acrescentou que, embora a inflação tenha se movido para mais perto da meta de 2%, "as expectativas de longo prazo permanecem estáveis".

Os mercados de câmbio e juros futuros brasileiros acompanharam o sobe-e-desce nervoso das “treasuries”. Quando a T-Note de 10 anos bateu em 2,57%, o dólar chegou a exibir valorização de 1,34%, cotado a R$ 2,2610, já estourando o teto de R$ 2,25 da banda informal de flutuação do Banco Central. Mas diminuiu o vigor depois que a T-Note amansou. Fechou vendido a R$ 2,2427, em alta de 0,52%. Como o Fed manteve intacto o “forward guidance” — as diretrizes futuras para a política monetária — os juros americanos tendem a refluir e o dólar retomar a sua letargia salvo se a excitação dos mercados for alimentada continuamente por indicadores capazes de conferir razão a Plosser.

A julgar pelo comportamento do mercado de trabalho revelado ontem pela pesquisa ADP do setor privado, prévia relevante do “payroll” que será divulgado amanhã, o austero dirigente da Filadélfia deve persistir como voz solitária dentro do Fomc. De acordo com a pesquisa, as empresas privadas criaram 218 mil novas vagas em julho, abaixo das 230 mil que vinham sendo previstas pelos economistas.

Frente a moedas emergentes, o dólar só tende a divorciar-se de uma rota de baixa das “treasuries” se crescer uma aversão global a risco de natureza mais geopolítica. O BC tem como administrar uma expansão de demanda pela moeda americana. Basta, em agosto, deixar patente sua intenção de rolar todos os US$ 10,07 bilhões em swaps cambiais antigos que vencerão no dia 1° de setembro.

Os juros futuros descreveram o mesmo bate-volta do dólar, mas, como ele, fecharam com boas altas. Mesma a taxa amarrada ao congelamento monetário imposto pelo BC, com vencimento na virada do ano, conseguiu subir ligeiramente, de 10,77% para 10,78%. O contrato para janeiro de 2016 avançou de 11,07% no fechamento de terça-feira para um pico de 11,19% e fechou a 11,13%. O contrato longo preferido dos estrangeiros, para janeiro de 2017, alcançou 11,49% na máxima do dia, vindo de 11,34% na véspera, e encerrou a 11,42%.

A terceira deflação seguida do IGP-M não atenuou o ímpeto de alta do DI futuro. O índice da FGV registrou queda de 0,61% em julho, após ter caído 0,74% em junho e 0,13% em maio. A deflação deste mês foi mais severa que a mais pessimista das projeções dos economistas. Na mediana, o mercado previa baixa de 0,50%. Depois de terem recuado 1,44% em junho, os preços no atacado escavaram um pouco mais o fundo do poço e cederam mais 1,11% em julho. O desabamento reflete a queda generalizada das commodities no mercado global.

O esvaziamento da bolha especulativa com esses ativos pode intensificar-se agora com a disparada dos juros americanos longos. A dúvida é se a recuperação americana é sólida o suficiente para, com aumento de demanda, compensar a retração. Em princípio, não. Nesse caso, as pressões de baixa tendem a chegar no varejo, ajudando o BC a trazer o IPCA mais velozmente para a meta central de 4,5%. Essa hipótese reintroduz a possibilidade de declínio da Selic em 2015. A variável que complica esse cenário é o câmbio, a componente essencial de qualquer expectativa inflacionária assolada ontem por inquietações de várias ordens.

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