Por bruno.dutra
Na ânsia de sustentar uma aparência austera, capaz de repelir de uma vez por todas as suspeitas do mercado de que a conversão de Dilma Rousseff não é genuína nem definitiva, o governo corre o risco de exagerar nas medidas fiscais e monetárias contracionistas. O Banco Central, por exemplo, está prestes a cometer um grave erro histórico: tudo indica que, na quarta-feira, irá subir a taxa Selic em 0,50 ponto, de 11,75% para 12,25%, mantendo o ritmo de alta imprimido na última reunião de 2014. Não deveria fazer nada, deveria suspender qualquer movimento, aquietar-se e observar com mais vagar tanto os alarmantes sinais de que a economia brasileira se encaminha para uma recessão quanto a pesada crise deflacionista mundial.
A inflação está morta em toda parte. Na sexta-feira, foram divulgados os números oficiais da alta de preços ao consumidor no acumulado de 2014 na zona do euro e nos EUA: deflação de 0,2% no primeiro caso e alta de 0,8% no segundo. Em consequência, os juros internacionais definham. A taxa americana de 10 anos mal consegue sustentar o patamar de 1,80%, ínfimo para uma economia cujo crescimento ainda está sendo projetado em 3%. Na quinta-feira, um dia depois da primeira reunião do ano do Copom, o Banco Central Europeu (BCE) vai, pela expectativa majoritária dos analistas, baixar um oceânico pacote de estímulo monetário — um afrouxamento quantitativo que, além de ser capaz de rivalizar em tamanho com os US$ 85 bilhões mensais da terceira fase do QE americano, irá incluir os títulos públicos no rol dos que estará disposto a recomprar.
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O mundo quer desesperadamente gerar inflação e crescimento. O Brasil quer crescimento e, ao mesmo tempo, desinflação. Não dá. A inflação local resiste no piloto automático por causa dos efeitos da depreciação cambial e da correção de tarifas públicas. Foi o excesso de políticas públicas destinadas a incentivar a demanda, tomadas sem coordenação e equilíbrio, o responsável pela situação atual. O remédio poderia estar correto, mas a dose foi exorbitante. Agora, incorre-se no equívoco oposto. Há um afinco cego em se fazer tudo ao mesmo tempo. O estimulante aplicado de 2012 a 2014 em fartas doses foi retirado abruptamente. E substituído às pressas por potentes purgantes. Se o Copom subir a Selic para 12,25% depois de amanhã, estará aumentando a dose do Rivotril para alguém já acometido de extrema sonolência.
O BC corre o risco de repetir agora o erro tristemente famoso perpetrado em setembro de 2008. Com os EUA já em meio a uma feroz crise financeira, o Copom subiu a Selic de 13% para 13,75% no dia 10 de setembro, cinco dias antes do colapso do Lehman Brothers. O mundo entrou em recessão e o BC só acordou em 21 de janeiro, reduzindo a taxa para 12,75%. Se não tivesse agido precipitadamente, por excesso de escrúpulos anti-inflacionários, talvez as medidas macroprudenciais adotadas pela Fazenda para mitigar a recessão de 2009 não precisassem ser tão radicais. E tais medidas estão na raiz das anticíclicas exacerbadas nos dois últimos anos. Na época, Alexandre Tombini, no cargo de diretor de Normas, tinha assento no Copom.
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Então o BC não deveria fazer nada, deixar o IPCA encostado em 7% até o fim do ano? Na sexta-feira, o Itaú revisou suas projeções para 2015: a evolução do PIB foi reduzida de 0,8% para 0,2% e o IPCA subiu de 6,5% para 6,9%. Isso, com uma Selic de 12,50%. Qual seria a Selic necessária para evitar o estouro do teto da banda? O banco não diz.
O fato é que, se o governo quiser fazer um tarifaço que ajuste os desequilíbrios de uma vez e definitivamente apenas ao longo de 2015, não haverá Selic que chegue. De duas, uma: ou o governo define um plano transparente e menos acelerado de correção, ou a questão deverá ser tratada no âmbito do arcabouço legal do sistema de metas como um choque de oferta contra o qual toda a resistência é entendida como irrelevante. Aceita essa segunda alternativa, o caminho é o da mudança temporária, com extensão previamente conhecida, do centro da meta de inflação. Como os choques são absorvidos no intervalo superior da banda inflacionária e como esse espaço já está ocupado, seria necessário criar um novo por meio da alteração do centro. Não se trata de nenhuma aberração. Mudanças de meta já foram feitas no passado.
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Em 2002, o medo, de braços dados com a especulação, de que Lula, o candidato mais forte às eleições presidenciais, promovesse guinada antimercado elevou o dólar a R$ 4,00 e o IPCA fechou o ano com alta de 12,53%. A meta de inflação era de 3,5%, com intervalo de dois pontos para cima ou para baixo. Em 2003, a meta subiu para 4% e a banda foi ampliada para 2,5 pontos. Como a inflação se mantinha acima do teto (fechou a 9,30%), o jeito foi criar meta ajustada de 8,5%. Em 2004, a meta oficial caiu a 3,75%, mas logo veio uma meta ajustada de 5,5%. Como os intervalos foram mantidos em 2,5 pontos e como o IPCA encerrou o ano em 7,60%, a inflação não vazou o teto. Em 2005, a meta foi fixada em 4,5%, patamar em que se encontra até hoje, e o limite máximo nunca mais foi estourado. Agora em 2015 a criação de uma meta ajustada mais realista poderia evitar sacrifícios concentrados num único ano.
Se vier mesmo o pacotão do BCE, o dólar tende a entrar num canal de baixa. A liquidez sempre vaza pelos mercados emergentes. O capital especulativo buscará oportunidades de ganhos fáceis enquanto o Federal Reserve (Fed) não mexer na taxa básica americana. E o Brasil é o destino favorito. O juro futuro longo, com vencimento em janeiro de 2021, que reflete operações, expectativas e anseios dos investidores de fora, tombou na sexta-feira de 12,02% para 11,89% no pregão da BM&F. O dólar tenta, há dois dias, acomodar-se em nível abaixo de R$ 2,60. Fechou cotado a R$ 2,6212, em desvalorização de 0,79%. Deve conseguir na quinta-feira, depois da reunião do BCE.
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