Por diana.dantas
Os mercados de câmbio e juros operavam ontem com tranquilidade, reduzidas oscilações e giro acanhado de negócios até piscarem nas telas dois imprevistos: a convocação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, à Brasília, obrigando-o a cancelar compromisso na Fiesp e as primeiras notícias do corte seletivo no fornecimento de energia elétrica em oito estados, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro, determinado pelo ONS às concessionárias. 

O chamado a Levy e os apagões desencadearam operações defensivas nos dois pregões. Sem saber direito o que estava acontecendo, o grande capital financeiro buscou proteção, vendendo títulos sujeitos a risco e comprando dólar. A moeda americana, que mostrava discreta valorização de 0,18% às 13h49, iniciou forte escalada sobretudo depois das notícias de que as quedas de energia pareciam espalhadas pelo país, fechando em alta de 1,33%, cotada a R$ 2,6560.
Os juros também subiram no mercado futuro da BM&F. Foi uma reação técnica de investidores posicionados na ponta prefixada: liquidar posição e comprar dólar até que tudo esteja esclarecido. Se os fundamentos tivessem sido respeitados, os contratos de DI futuro teriam caído. O que está em jogo é a ameaça de racionamento de energia, agravando a debilidade econômica. O cenário econômico se tornaria mais propício à uma natural desinflação, dispensando o Banco Central do seu zelo monetário. Mas, no calor da hora, prevalece o medo. Em associação ao corte de energia, as mesas de operações estavam no escuro em relação à reunião entre a presidente Dilma Rousseff e a equipe econômica. Além de Levy, compareceram o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o presidente do BC, Alexandre Tombini, e o ministro da Casa Civil, Aloisio Mercadante. A taxa para a virada do ano pulou de 12,55% para 12,69%. E o contrato favorito dos fundos internacionais, para liquidação em janeiro de 2021, saltou de 11,89% para 12,05%.

Os mercados globais não tiveram responsabilidade nesse comportamento. Na ausência dos mercados da maior economia do planeta, fechado pelo feriado dedicado à memória do líder Martin Luther King, as praças globais foram forçadas ontem a se locomover em função de notícias vindas da segunda e da terceira mais relevantes. Da China, o fato do dia foi negativo: o BC chinês, após identificar bolha com ações incompatível com a desaceleração da economia, suspendeu por três meses algumas atividades das três maiores corretoras do país e a CVM local restringiu os empréstimos concedidos a investidores. Na Europa, as bolsas tentam segurar o excesso de otimismo em torno do provável anúncio pelo Banco Central Europeu (BCE), na quinta-feira, de um megapacote de estímulo monetário, nele incluído a maior esperança de recuperação econômica: a recompra de títulos soberanos emitidos por países da periferia do euro.
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Entre um dado e outro, também pesou sobre os emergentes os rumores de que a Rússia, depois de gastar sem sucesso no ano passado US$ 80 bilhões de suas reservas cambiais para conter a desvalorização do rublo, estuda a imposição de um controle de capitais. Enquanto a bolsa de Xangai desabou 7,7%, os pregões europeus fecharam no azul, mas sem maiores comemorações. O índice geral FTSEurofirst 300 subiu 0,20%. Entre as grandes bolsas, o destaque foi a alta de 0,73% em Frankfurt, seguida pelo avanço de 0,54% em Londres.
Internamente, mesmo antes dos apagões e da reunião ministerial sem prévio anúncio, as expectativas das instituições do mercado financeiro, coligidas na pesquisa Focus do Banco Central, persistiram em deterioração apesar da agradável surpresa proporcionada pelas primeiras medidas fiscalistas do Ministério da Fazenda. O segundo mandato de Dilma Rousseff, marcado por ortodoxia mais severa do que a projetada quando do anúncio do nome do chefe da economia, só tem 11 dias úteis. E o mercado já se comporta com a dissonância cognitiva que gosta de atribuir à presidente da República: comemora um ministro conservador, mas, em seus prognósticos, assegura que ele irá falhar. Apesar da austeridade, a expectativa de IPCA para o acumulado do ano avançou para 6,67% na edição do Focus publicada ontem, ante 6,60% há uma semana. E a projeção de crescimento do PIB recuou de 0,40% para 0,38%. Ou seja, o país crescerá menos com inflação maior. O Focus faz suas novas projeções como se o ministro da Fazenda ainda fosse o execrado desenvolvimentista Guido Mantega.
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Qual a razão do pessimismo, se não há entre os analistas a mínima dúvida de que Joaquim Levy vai entregar o superávit primário prometido, de 1,2% do PIB? O motivo é que, no fundo, o mercado não acredita, nem aposta dinheiro, na retórica de que, restabelecida a sobriedade do gasto público, a credibilidade do governo voltará a ponto de desencadear investimentos produtivos. Esse foi o argumento número 1 utilizado por economistas para recomendar uma guinada na política econômica. Os empresários retomam os investimentos quando há expectativa de melhora na economia e um ambiente de negócios que concilie expansão consistente do PIB, inflação baixa, crédito farto a juro barato e sólidas perspectivas de lucratividade. As atuais austeridades fiscais e monetárias não atiçam o famoso “espírito animal” dos empresários apenas porque os seus gestores têm reputações acima de quaisquer suspeitas.

Na verdade, as políticas austeras atuam para deprimir ainda mais uma economia já assustada pela ameaça de dois apagões, o energético — enquanto as usinas termelétricas operam a plena capacidade, os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste trabalham com 18,5% da capacidade e os do Nordeste com 17,6% — e o de infraestrutura, decorrente das investigações de envolvimento das maiores construtoras do país com esquema de corrupção apurado pela operação Lava Jato.
Vencida a etapa da restauração teórica e insuficiente da “credibilidade perdida”, o mercado dá sequência à sua agenda. Quer agora “reformas”. Não basta cortar benefícios sociais, contingenciar dispêndios, secar as fontes oficiais de crédito e subir mais ainda a taxa básica de juros. Será necessário ampliar o poder de competição do capital produtivo por meio de reformas tributárias e trabalhistas. Cortar permanentemente os impostos pagos pelo setor produtivo e reduzir o custo unitário do trabalho. Tais reformas só serão possíveis mediante a diminuição do tamanho do Estado. Como não vai dar, o mercado tem o seu pretexto para continuar pessimista.
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