Por diana.dantas
O Banco Central Europeu (BCE) irá iniciar o seu afrouxamento quantitativo no mesmo mês, março, em que o Banco Central pode encerrar a sua política de intervenção cambial. Tudo a ver. A terceira fase do programa de fornecimento de hedge cambial e linhas de crédito em dólar, iniciada no primeiro dia útil do ano, tem prazo até 31 de março. São três meses de venda diária de US$ 100 milhões em swaps cambiais. Provavelmente, não fará uma quarta etapa, limitando-se a renovar os títulos que forem vencendo ao sabor da demanda. O motivo é que foi aberto ontem um novo período de apreciação cambial. O dólar caiu 1,23% em relação ao real, cotado a R$ 2,5745. O novo viés traz uma boa e uma má notícia. A boa é que ajuda no combate à inflação. A má: os setores produtivos e o balanço de pagamentos precisam desesperadamente de um real mais fraco. O BC vai ter de achar um ponto de equilíbrio.
O pacotão do BCE veio melhor do que os anseios. Depois de meses adotando medidas de estímulo paliativas, sem coragem de usar o canhão monetário já disparado pelo Federal Reserve (Fed) e pelo Banco da Inglaterra (BoE), finalmente o presidente da instituição, Mario Draghi, fez jus ao apelido de SuperMário. Ao invés dos 50 bilhões de euros mensais esperados pelos analistas, o BCE se dispõe a comprar títulos até o montante de 60 bilhões, sem excluir do rol os bônus de dívida pública, de março até pelo menos setembro de 2016, num montante de 1,14 trilhão de euros. Se tiver a persistência do Fed e do BoE, e não desistir no meio do caminho, essa montanha de dinheiro será capaz de guinchar a economia dos países do euro do atoleiro da estagnação deflacionista. De quebra, como efeito colateral inevitável, já que o dinheiro vai para onde recebe acolhida mais calorosa, irrigará as economias emergentes, abaladas pela desaceleração chinesa e o desabamento das commodities, petróleo incluído.

O Brasil é o candidato mais promissor a receber os respingos da liquidez europeia. Os quatro membros originais dos BRICs são os maiores pagadores de juros reais do mundo, de acordo com o ranking de 40 países elaborado pela consultoria Up Trends. A Rússia lidera, com taxa real ex-post (projetada para 12 meses à frente) de 6,36%. Em segundo lugar vem o Brasil, com juro de 5,41%. Na terceira posição, a Índia (3,41%) e, na quarta, a China (3,23%). Acontece que o juro russo não é confiável. A política monetária costuma ser exercida aos pulos e sustos. Às vezes, a taxa dá um salto olímpico, ora despenca. E a economia está depauperada pela queda do petróleo, podendo afundar-se numa recessão superior a 3%. E fala-se abertamente em imposição de controle de capital, o mal supremo para os investidores globais. O principal problema chinês nem é a delicada administração do pouso da economia: é evitar uma explosão financeira decorrente da mega-alavancagem do setor financeiro. Restam Índia e Brasil. A Índia cresce 5,3%, com inflação anual de 5%, mas com dívida bruta que representa quase 68% do PIB e taxa básica de juros de apenas 7,75%. O Brasil não cresce nada, com inflação apontada para 7%, dívida de 62% do PIB e juro primário de 12,25%. Mas tem um fiador chamado Joaquim Levy que faz toda a diferença, garantia de pura ortodoxia, sem invencionices e baixo risco.

Ao contrário da russa, a política monetária brasileira locomove-se sem saltos imprevisíveis. Quando sobe, o juro avança lenta mas resolutamente. Quando cai, retrocede ainda mais vagarosamente. Dá tempo de sobra para um hedge fund montar e desfazer uma posição. E encontrará plena liquidez de saída. Ao contrário da Índia, que este mês reduziu o juro de 8% para 7,75%, a Selic ainda avançará mais um pouco mesmo depois da alta de 0,50 ponto de anteontem. Depois do Copom, o mercado se divide entre os que (uma minoria) acreditam que a velocidade de 0,50 ponto será mantida na próxima reunião, em 4 de março, e os que apostam na redução do ritmo para 0,25 ponto, com mais uma ou duas elevações.

Os analistas estrangeiros se espantam com a falta de debate em torno do rigor monetário. Aceita-se aqui calmamente a sinalização de que, para combater uma inflação resultante de um choque de oferta (tarifas públicas) contra o qual diretamente qualquer política monetária é inoperante, o juro sobe para ampliar a contração da demanda e provocar desemprego. Ou seja, vai-se piorar o que ainda não está tão ruim assim para reduzir os danos causados por um inimigo inatacável. Ficam estarrecidos também com o fato de que para se opor a esse oponente incontestável o Copom, ao subir a taxa básica de juros em 1 ponto percentual apenas nas duas últimas reuniões, expanda o custo de rolagem da dívida pública mobiliária num montante – entre R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões – equivalente ao aumento de arrecadação que será obtido como resultado do recente pacote da Fazenda de elevação de tributos. Ou seja, tira-se R$ 20 bilhões da economia real e se transfere, sob a forma de pagamento de juros, à fatia da sociedade que compra títulos públicos. Mina-se o capital produtivo e engorda-se o financeiro. Os investidores de fora, montados no carry trade (tomam financiamentos a juros negativos na Europa e compram títulos públicos brasileiros), desconfiam se o santo não será de barro: “Tem alguma coisa muito errada no Brasil, mas eles devem saber o que fazem”.

Nesse contexto, não chega a causar perplexidade o fato de que, mesmo em meio à pesada desvalorização do dólar, os juros tenham subido no mercado futuro da BM&F. A taxa para a virada do ano avançou de 12,61% para 12,68%, enquanto o contrato com vencimento em janeiro de 2021 passou de 11,71% para 11,82%. Se, com o seu sucinto comunicado pós-Copom, o BC fez questão de não se comprometer com o futuro, o pregão quer logo convencê-lo da inelutável necessidade de continuar o aperto monetário.
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