Por monica.lima
Os investidores “comprados” nos pregões de dólar futuro e cupom cambial da BM&F vinham tomando uma surra dos “vendidos” no acumulado de janeiro até quinta-feira. Na sexta-feira de manhã, o dólar disparou e tudo mudou. Num passe de mágica, de um prejuízo de 2,27% (o tamanho da queda do dólar do dia 2 ao dia 29, utilizando-se a taxa de liquidação dos contratos, a Ptax), suas vultosas posições passaram a exibir um ganho de 0,87%. Quem operou o milagre? A arrancada de 2,96% da moeda americana somente na sexta-feira, cotada a R$ 2,6894, decorreu de interpretação dada pelos agentes a declarações feitas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Em evento organizado pelo seu ex-empregador, o Bradesco, Levy fez algumas considerações sobre o câmbio entendidas como sinal de que Fazenda e Banco Central não irão se empenhar para evitar uma depreciação do real. Tal leitura desencadeou ordens de compra de dólar. O mercado passou a acreditar que o BC irá afrouxar as rédeas de suas intervenções no câmbio, destinadas a suavizar a alta do dólar, potencialmente perigosa para o seu objetivo maior de conter a inflação. As instituições já estão achando que a autoridade não vai neste mês rolar integralmente o lote de US$ 10,44 bilhões em swaps cambiais que vence no início de março, abandonando sua política de renovação completa dos títulos antigos. E também que o BC vai, no final de março, acabar com o programa de intervenções criado em agosto de 2013. A sua ração diária atualmente em US$ 100 milhões em swaps novos cairia a zero. Já foi de US$ 500 milhões no começo das intervenções.
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Levy, teórica e tecnicamente, está corretíssimo na defesa que fez de um real menos valorizado. Neste aspecto, na busca por uma taxa de câmbio mais competitiva, o ministro alinha-se às correntes mais desenvolvimentistas. Quem aprecia o câmbio para combater a inflação são os adeptos da estratégia liberal-conservadora. A moeda nacional precisa desvalorizar-se para não só permitir um financiamento menos atribulado do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos como principalmente não ser bucha de canhão na atual guerra cambial mundial. Todos os países relevantes do mundo entraram num ciclo de afrouxamento monetário. Pagam juros baixos — e cada vez menores — para dissuadir o ingresso de capital especulativo. O objetivo é impedir que os especuladores apreciem suas moedas. A Rússia é um caso à parte: em 16 de dezembro, para enfrentar um ataque especulativo, puxou a taxa básica de 10,5% para 17%, não adiantou muito, e, na sexta, reduziu o juro para 15%. A saída agora é o controle de capital.
Nesse mundo estagnado e deflacionista, é de vital importância ter moedas desvalorizadas para estimular exportações e dar algum fôlego de recuperação às economias. O Brasil não pode competir no campo monetário. O IPCA mensal de um dígito desencoraja o alinhamento monetário com esse viés mundial de relaxamento. Mas pode concorrer na seara cambial. Basta deixar o dólar menos atado à uma política de intervenção.
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O que o ministro disse está, portanto, corretíssimo. Acontece que fez o certo na hora errada. Ninguém no governo, sobretudo o ministro da Fazenda, não pode falar nada sobre câmbio no dia em que é formada a taxa oficial de câmbio (a Ptax do BC) que será usada para a liquidação financeira dos contratos de derivativos cambiais. O ministro falou no dia do vencimento de janeiro dos pregões de dólar futuro e cupom cambial da BM&F — dois dos mais nervosos e excitados recintos de atuação de gente muito grande e poderosa. É de praxe que as autoridades evitem qualquer manifestação nesse dia porque podem ser acusadas de estar favorecendo uma das partes em conflito. É por essa razão que o BC não faz leilão de rolagem de swaps cambiais no último dia útil de qualquer mês. Preserva a sua isenção entre “comprados” e “vendidos”.
Nenhum ressentido do mercado levantou a suspeita descabida e tola de que Levy falou o que falou para “favorecer” os comprados. Mas, involuntariamente, foi isso o que aconteceu. Quem são esses “comprados”, os que apostam na alta do dólar, os grandes vencedores do vencimento de janeiro? São os investidores estrangeiros. Pela última posição oficialmente conhecida, referente ao dia 29, carregavam posições líquidas “compradas” de US$ 33,13 bilhões. Quem são os “vendidos”, os que estavam ganhando a disputa até quinta-feira e perderam tudo na sexta? Os bancos nacionais (vendidos em US$ 16,09 bilhões), os fundos de investimentos brasileiros (US$ 20,99 bilhões) e o Banco Central. Como assim o BC? É que até quinta-feira a autoridade monetária estava contabilizando um ganho financeiro com a operação dos swaps cambiais, ou seja, a variação da Selic superava a variação negativa do dólar. A velha máxima do mercado segundo a qual, por ser a taxa de câmbio a variável mais importante da economia, sobre ela só deveria se pronunciar o presidente da República — desde que se mantivesse mudo no dia do vencimento dos contratos futuros — deveria às vezes ser respeitada.
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Até o fechamento da “ptax”, no início da tarde, os “vendidos” ainda conseguiram atenuar o ímpeto de alta do dólar. Conhecida a taxa que liquidará hoje os contratos futuros, o dólar disparou ainda mais à vista. Além das revelações cambiais de Levy, o mercado sofreu influência da ampliação nas praças globais da aversão a risco, insuficiente isoladamente para promover a guinada pró-comprados. O detonador foi a primeira prévia do PIB americano referente ao quarto trimestre. Os EUA cresceram 2,6%, bem aquém da expectativa de 3,2% dos analistas e da expansão de 5% registrada no terceiro trimestre. A economia desacelera, a inflação também. O PCE (o índice de inflação preferido do Fed) recuou de 1,4% para 1,1%. Essa é a medida referente ao núcleo, sem inclusão dos combustíveis. Se forem incluídos, o PCE desaba de 1,2% para deflação de 0,5%. Qual banco central subiria os juros diante desses números? Nenhum. Muito menos um comandado pela “dove” Janet Yellen.
Um crescimento menos vistoso dos EUA torna apreensivos os grandes investidores. Se a primeira economia comprar menos do resto do mundo, os problemas internos dos países, sobretudo dos emergentes, tendem a se agravar. Quem defende, em boa hora, um real mais depreciado está certíssimo.
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