Por bruno.dutra

Trata-se de um desastre? Absolutamente. O dólar disparou depois de divulgadas as contas públicas, mas foi recuando ao longo do depoimento do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, à CAE do Senado até fechar com um tombo de 1,26%, cotado a R$ 3,1909. A performance do ministro agradou o mercado. Aumentaram as chances de as negociações com o Congresso darem bons frutos. Embora sempre cortês, driblou as provocações, manteve-se firme e surpreendeu ao ameaçar aumentar impostos se forem criadas pelo Congresso novas despesas obrigatórias. Se não for possível um primário de 1,2%, algo perto de 1% será factível e compreensível em face das adversidades.

Os juros negociados no mercado futuro da BM&F seguiram os deslocamentos para cima e para baixo do dólar. No encerramento do dia, a taxa para a virada do ano cedeu de 13,59% para 13,50%. O contrato com vencimento em janeiro de 2017 recuou de 13,47% para 13,38%, enquanto a taxa para janeiro de 2021 baixou de 13,06% para 12,94%. As quedas de ontem apenas suavizaram o saldo negativo de março. No acumulado do mês, as altas foram impressionantes, já que no último pregão de fevereiro o DIs para o primeiro mês de 2016, de 2017 e de 2021 foram de 13,04%, 12,78% e 12,23%, respectivamente. O mesmo vale para o dólar: a queda de ontem serviu apenas para tornar um pouco menos dramáticas as valorizações de 11,73% e 20,02% acumuladas em março e no primeiro trimestre do ano.

O déficit nominal do setor público consolidado em fevereiro foi de R$ 58,64 bilhões. A conta de juros foi responsável por um pouco mais de 96% do rombo. Foram gastos R$ 56,34 bilhões só com pagamento de juros, dos quais 48,4%, ou R$ 27,29 bilhões, resultaram do prejuízo com as operações de swap cambial feitas pelo Banco Central. O governo não conseguiu economizar nada no mês passado para reduzir a despesa com juros. Pelo contrário, o gasto total superou a conta de juros em R$ 2,3 bilhões. É o chamado déficit primário.

Esses poucos números comprovam a tese dos desenvolvimentistas segundo a qual o problema das contas públicas não se localiza onde o ministro Joaquim Levy quer fazer o seu ajuste. Não está no seguro-desemprego, nas pensões por morte, nas desonerações tributárias, no crédito subsidiado, nem no custeio da máquina pública. O problema está no excesso de juros.

Os liberais argumentam que, se o governo não contiver seus gastos, terá de manter elevada ou mesmo aumentar a captação de recursos junto ao público, ou seja, junto a bancos e investidores. E só consegue fazer isso se pagar juros atraentes. Se não fizer isso, os investidores irão buscar outras alternativas, inclusive a segurança dos títulos do Tesouro americano, pressionando violentamente o dólar. Se o BC baixar a Selic ao nível da inflação — algo entre 8% e 9% —, zerando o juro real, provocará fuga de capital. Ou compra de ativos reais que pressionam a inflação.

A política de juros elevados, desastrosa para as contas públicas, visa esterilizar o dinheiro nos cofres do Tesouro, impedindo que perambule por aí gerando o descontrole da inflação. Visa também esfriar a economia, provocar desemprego, desaquecer o crédito e o consumo, enquanto a Fazenda cuida de restabelecer a confiança dos empresários a ponto de desengavetarem seus projetos de investimento.

A ala fiscalista dos economistas acredita que o papel de contenção da demanda agregada exercido pela política monetária de juros extravagantes pode ser desempenhado com maiores vantagens pelo rigor fiscal. Se o governo conseguir comprimir a conta de juros por meio do pagamento de um juro real de no máximo 1% ao ano, o trabalho para fazer um superávit primário entre 3% e 4% do PIB não será penoso. Basta arrumar a casa, cortar desperdícios e subsídios. Tal superávit sedaria a inflação. Esta não é a proposta de Levy.

Embora seja um fiscalista, o ministro segue linha mais conservadora. Nela, o juro não é visto como vilão. É visto apenas como a consequência inevitável de “brincadeiras” feitas no passado. O juro nunca é a causa das aflições, mas o sucedâneo das barbeiragens realizadas na área fiscal. Dilma Rousseff parece pessoalmente convencida de que o caminho correto é o de Levy. É a via sacra da exaustiva negociação de migalhas com um Congresso que luta pela conquista de novos privilégios. O juro só poderá cair depois que todo o resto estiver arrumado.

Só que o juro é um moleque endiabrado que persegue o faxineiro e trata de bagunçar aquilo que acabou de ser limpo. Resta colocar o capital de castigo, contra a parede, e se ameaçar sair do Brasil o jeito é obrigá-lo a ficar por meio de compulsórios bancários remunerados por aquela Selic encostada na inflação. Não é o caminho de Levy. Quem parece estar contra a parede é a presidente Dilma. Está refém de Renan Calheiros, Eduardo Cunha e Joaquim Levy.

Quase metade do que foi gasto com juros em fevereiro veio da despesa com os swaps cambiais. Para o BC, não se trata de uma “perda”, mas de um “ganho”. O raciocínio da autoridade é de que o que ele perde com os swaps, ganha com as reservas. Quando o dólar sobe mais do que a variação da Selic, o vendedor do swap, o BC, tem um prejuízo contábil. Mas a alta do dólar valoriza as reservas. Em fevereiro, a elevação do dólar produziu um ganho de R$ 65 bilhões nas reservas. Descontando o gasto com os swaps, de R$ 27 bilhões, o lucro do BC foi de R$ 38 bilhões. Ou seja, houve um ganho fiscal desta magnitude, só que ele é contabilizado na dívida líquida, não na bruta. E ninguém mais olha para a dívida líquida. As agências de rating só observam agora o endividamento total. Trata-se de um ganho fiscal ilusório.

O fato é que, hoje, o BC parece muito arrependido de ter implementado a política de intervenção cambial em agosto de 2013. Ou, pelo menos, de ter ido longe demais para salvar empresas endividadas em moeda americana. Os swaps cambiais são a face externa da política de socorro às empresas por meio de crédito subsidiado e desonerações tributárias. O objetivo confesso foi salvaguardar empregos, não empresas. Deu certo nos dois casos, às custas da internação das contas públicas numa UTI. Para tirá-las de lá, o fim da política anticíclica e a instauração da recessão insuflada pelo ajustamento fiscal vão produzir agora o que se evitou no passado.

O programa de “ração diária” instituído em 22 de agosto de 2013 terminou ontem. A partir de hoje o mercado não terá mais a sua disposição os US$ 100 milhões diários em swaps cambiais. O balanço do programa é o seguinte: em 2013, a operação dos swaps resultou em prejuízo de R$ 1,32 bilhão; em 2014, a perda foi de R$ 17,33 bilhões; e, no primeiro bimestre do ano, de R$ 16,51 bilhões. Total dos prejuízos: R$ 35,16 bilhões. Para quê? De 22 de agosto de 2013, quando o dólar fechou a R$ 2,4320, até ontem a moeda americana valorizou-se 31,2%. Ninguém sabe ao certo o que teria acontecido se o BC não tivesse feito nada. Daqui para a frente, a autoridade só vai rolar o estoque já existente de papéis, de US$ 115 bilhões. Ou seja, os prejuízos continuarão enquanto o dólar estiver subindo.

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