Por diana.dantas

Equilibristas em cima do muro, no aguardo das definições na área fiscal, os mercados de câmbio e juros futuros só balançaram ontem ao sabor dos ventos internacionais. As altas foram meros ajustes aos ativos globais. Esta será a semana decisiva do ajuste fiscal — a vasta coleção de medidas destinadas a corrigir distorções recentes de política econômica e reorganizar as finanças públicas, condição vista como essencial à volta da confiança, dos investimentos e do crescimento. Até quinta-feira, será definido o tamanho dos cortes no Orçamento da União e o governo espera que nos próximos dias o Congresso conclua o processo de votação das MPs do ajuste. Com esses dois elementos de certeza na mão, a equipe da Fazenda irá deliberar a necessidade ou não de fazer novos aumentos de tributos de forma a tornar a meta de superávit primária exequível.

Há, portanto, muitas incertezas no ar. A liquidez nos pregões de câmbio e DIs futuros foi contida pelas expectativas. Só depois de fechado todo o pacotão de medidas fiscais — formado pelas MPs, pelos cortes orçamentários e a elevação adicional de impostos — é que os investidores poderão avaliar a credibilidade do saldo primário equivalente a 1,2% do PIB fixado como objetivo pelo ministro Joaquim Levy. O mercado está reticente: depois de algumas semanas sustentando a projeção de um primário de 0,9%, as cem instituições pesquisadas pelo Banco Central para a elaboração do seu boletim Focus reduziram para 0,8%, na edição publicada ontem, sua estimativa de superávit.

O mercado não acredita que Levy será capaz de encontrar todas as condições macroeconômicas, políticas e técnicas necessárias para acertar o alvo compromissado. Além da resistência dos partidos da base aliada — que, quando enfim aprovam as MPs, introduzem modificações que as descaracterizam —, há forte oposição empresarial e de entidades do mercado ao aumento de impostos. Dentro de casa, na discussão da envergadura do contingenciamento de gastos, Levy enfrentaria a discordância do ministro da Casa Civil, Aloisio Mercadante. Enquanto este defenderia cortes de até R$ 65 bilhões, o titular da Fazenda acredita ser preciso avançar até R$ 80 bilhões. Dentro do triunvirato orçamentário, a função de “tertius” seria exercida pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. E este se inclinaria mais pela posição da Casa Civil.

Os argumentos de Mercadante e Barbosa são os de que a economia como um todo poderia ser asfixiada se a poda orçamentária chegasse à dimensão imaginada por Levy. A tesoura picaria até à raiz do investimento público. Terá de haver muita concessão pública para compensar a secagem da seiva oficial. Para tanto, as privatizações só teriam êxito se o governo se dispusesse a ampliar regalias de preços, financiamento e condições de concorrência. E aí quem se opõe é o nacionalismo da presidente Dilma Rousseff.

O mercado está convencido de que se Levy não conseguir emplacar o seu número irá buscar no setor privado o que faltar para o cumprimento da meta. Ou seja, se a economia não for sufocada pelo corte de gastos será amordaçada pelo lado tributário. Depois de piorar por quatro semanas em sequência, a expectativa de retração do PIB este ano ficou estável em 1,2% no Focus divulgado ontem. A variável irá se mover para cima ou para baixo em função do grau de sucesso de Levy. Se o ministro for plenamente vitorioso, o prognóstico de queda do PIB voltará a subir, podendo até chegar perto dos 2% antevistos pela porção mais pessimista do mercado.

A elucidação dos embates em torno do ajuste fiscal não interessa apenas a quem fecha negócios nos pregões de dólar e juros futuros. Concerne principalmente ao BC, copatrocinador da recessão de 2015. Se a Fazenda conseguir fechar o cerco nas três frentes de sua batalha fiscal, o BC poderá calibrar melhor seus próximos passos monetários. Nos seus textos oficiais, a autoridade ainda não migrou sua visão fiscal da neutralidade para a zona de contenção. Se conseguir enxergar esta “evolução”, poderá relaxar em sua vigilância diuturna e encerrar o ciclo de aperto monetário já na próxima reunião do Copom, em 3 de junho, com uma alta final de 0,25 ponto. Com esse movimento mais parcimonioso, encerraria o ciclo com a Selic a 13,50%. É isso que o Focus acha que vai acontecer. Na pesquisa de ontem, manteve em 13,50% sua expectativa de Selic em dezembro.

O mercado só vai conseguir ter uma visão mais clara sobre a inflação do ano que vem depois de encerrados os trabalhos fiscais e depois de concluído o ciclo de aperto. Antes disso, não se sente confortável em reduzir sua aposta de IPCA para 2016 ao centro de 4,5% considerado factível pelo Copom. Por isso, as mudanças na estimativa de inflação para o ano que vem são marginais. A de ontem recuou de 5,51% para 5,50%. Para 2015, os analistas atestam toda semana o fracasso do sistema de metas. Em sua quinta alta consecutiva, o prognóstico para o IPCA deste ano subiu de 8,29% para 8,31%. Isso, pela mediana das cem instituições. Pela mediana de médio prazo do grupo das cinco que mais acertam palpites, o IPCA fechará 2015 acumulando 9,02%. Trata-se de uma inflação perdida, tonificada pela correção das tarifas públicas e pela taxa de câmbio.

Embora o conjunto conservador dos analistas continue defendendo suas ideias rançosas de como se combate um surto inflacionário que não é de demanda — o juro básico precisa subir até o ponto capaz de provocar uma perda real dos salários, levando à contenção da demanda —, a parte mais atilada teme um aprofundamento recessivo do qual será muito custoso sair. O custo será econômico, resultante do desemprego e do fechamento de empresas, mas sobretudo social. Pode ser uma recessão longa, bem diferente das contrações rápidas de 2003 e 2009. A população não está mais acostumada a esse tipo de crise e a panela de fazer barulho em protestos vira de pressão com válvulas entupidas pelo enferrujamento da classe política.

Se os pregões nacionais ainda não se sentem confiantes para precificar os acontecimentos internos, a saída é seguir o comportamento dos mercados globais. Embora tenha subido 0,68%, para R$ 3,0184, o dólar avançou menos do que seria necessário para acompanhar o DXY, o principal índice de referência da performance internacional da moeda americana, cuja valorização foi superior a 1%. Mas os DIs subiram na BM&F com intensidade mais condizente com a arrancada das taxas dos títulos do Tesouro americano. A T-Note de 10 anos saltou de 2,15% na sexta-feira para 2,23% ontem, enquanto que o contrato de DI vinculado à cena global, com vencimento em janeiro de 2021, passou de 12,50% para 12,61%.

As altas do dólar e das “treasuries” decorreram de um relatório da distrital de São Francisco do Federal Reserve (Fed) segundo o qual os mercados vêm subestimando o crescimento dos EUA. O documento contraria a primeira preliminar para a expansão do PIB no primeiro trimestre que apontou modesta alta de 0,2%. Os economistas da regional rodaram as séries estatísticas com diferentes variações sazonais e concluíram que o crescimento pode estar mais perto de 1,8% do que de 0,2%.

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