Por monica.lima

Sempre que é perguntado sobre inflação, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, responde de forma sucinta: ao mesmo tempo em que elogia a vigilância sem quartel do Banco Central, tenta escapar rapidamente do tema. Nas raras vezes em que é indagado sobre atividade econômica, o ministro Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, enviesa a qUestão pelo ângulo estritamente desinflacionário, abordando o aspecto da demanda. Ou seja, a Fazenda acha que a inflação é da competência exclusiva do BC e este não tem nada a ver com a evolução do PIB, atributo exclusivo daquela. O retorno desta antiga esquizofrenia neoliberal é uma das grandes novidades do segundo mandato de Dilma Rousseff. Não foi assim no primeiro. A raiz da dicotomia é o raciocínio de que se ambos os lados desempenharem com competência as suas partes, a confiança retornará e, com ela, o crescimento econômico. O problema é que parece estar havendo hoje uma competição feroz entre elas para ver quem completa a tarefa ortodoxa primeiro.

As últimas palavras do discurso de Tombini de encerramento da versão 17 do Seminário de Metas para a Inflação consagraram a separação. Embora tenha frisado a “postura consistente” do BC com os ajustes macroeconômicos feitos por Levy, assegurou que a autoridade fará a “convergência da inflação para a meta de 4,5% em dezembro de 2016”. E acrescentou em seguida: “Essa é a tarefa para a qual fomos mandatados pela sociedade e é o objetivo que vamos cumprir com determinação e perseverança”. Traduzindo: o mandato legal único do BC é o cumprimento da meta central de inflação. E tal compromisso será executado com “determinação e perseverança”. São duas palavras que, por terem sido proferidas no mais tradicional encontro anual dos adeptos do regime de metas inflacionárias, endurecerem ainda mais um discurso desinflacionário já tornado rígido e inflexível pelos “guidances” vigilante, especialmente vigilante, o que for necessário e esforços monetários insuficientes.

A parcela de culpa da política monetária no afundamento da economia brasileira raramente é mencionada, nem no governo, nem na imprensa. Tudo ocorre como se o BC fosse um agente neutro, capacitado para manejar ferramentas econométricas imparciais e isentas de ideologia, habilitado para determinar os rumos da inflação, mas impotente para atenuar recessões. O responsável pela ação maniqueísta é o mandato único, alegam os defensores do sistema de metas à brasileira. Se fosse duplo, como nos EUA, onde o Federal Reserve (Fed) persegue inflação na meta (2% não explícitos) e, simultaneamente, o pleno emprego, o Copom já teria parado de subir a Selic há muito tempo. Na verdade, o BC elegeu hoje dois canais de ataque à inflação: o das expectativas e do emprego. Deixou de lado o do câmbio, já que há um severo déficit em transações correntes. Com sua política de arrocho monetário, o objetivo do BC é aumentar o desemprego. Isso nunca é dito claramente. Mas o fato é que se tenta hoje sufocar a pouca demanda que ainda sobrou para evitar que a alta do dólar e das tarifas públicas perpetue o IPCA acima do teto da meta. Devido à baixíssima eficácia da política monetária (o canal do crédito é bloqueado numa ponta pelos financiamentos do BNDES e, na outra, pelo consignado), a dose do juro precisa ser maciça para fazer algum efeito.

Quando é massacrante como agora, e conjugada com a secagem do caixa público e a retirada de recursos da sociedade via extinção de subsídios e aumentos de impostos, toda a economia recebe o impacto. Por isso, supõe-se que a destruição de 97,8 mil empregos em abril segundo o Caged, quando os analistas esperavam a criação de 57,2 mil postos, tenha sido comemorada no BC. O pior abril da série histórica do Caged, iniciada em 1992, prova que a política de obstinada vigilância está dando certo.

A determinação e a perseverança do BC não combinam bem com a visão otimista sobre o futuro. Nas palavras de Tombini: “Embora contracionistas no curto prazo, à medida que os ajustes começarem a produzir seus efeitos, eliminando distorções, melhorando a alocação dos recursos na economia e aumentando os incentivos ao investimento, testemunharemos a recuperação da confiança dos consumidores e dos empresários”. Quando isso acontecerá?

Cinco meses do novo governo já se passaram e o que se vê é a piora da economia. Vende-se, em vários lugares, que a crise atual vem do passado e não se atribui a piora às correções. Na verdade, não há garantia de melhora futura porque, no meio do caminho do ajuste, posta-se uma densa e impenetrável nuvem de incerteza. Trata-se do fenômeno chamado eufemisticamente de “processo de normalização da política monetária dos EUA”. Tombini sabe o tamanho da encrenca. “O aumento de juros pelo Fed é provavelmente o evento de política monetária mais esperado, mais anunciado e mais preparado da história. Apesar do cuidado do Fed com a comunicação desse importante evento, não há como se ter certeza sobre a reação efetiva dos mercados ao fato em si, quando ocorrer. Por isso, é possível que tenhamos de conviver com alguma volatilidade por algum tempo”, disse no seu discurso. Se não se tem certeza de nada, como esperar apenas “alguma volatilidade por algum tempo”? Na sexta-feira, em discurso, a chair do Fed, Janet Yellen, soltou uma bomba: vai ser este ano.

Os ministros Tombini e Levy, cuidando cada um do seu quadrado, acreditam que uma recessão de 2% tornará o Brasil muito melhor apetrechado para enfrentar o “maior evento monetário da história” e o “risco de uma reprecificação abrupta de nossos ativos”. A contração de 2% colocará a economia “em ordem e estabilizada” e “com fundamentos macroeconômicos sólidos”.

Quem acredita em Tombini? A quem o discurso é prioritariamente endereçado, não acredita muito. Apesar da arrancada do dólar, os juros iniciaram uma frenética queda no mercado futuro da BM&F depois do golpe traumático desferido pelo Caged. Uma perda de quase cem mil empregos num mês tradicionalmente bom como abril é algo dramático. Será preciso muita perseverança para continuar subindo a Selic diante de um fato assim. O DI com vencimento em janeiro de 2017 recuou de 13,36% para 13,27% (chegou a bater em 13,46% antes do Caged). E o contrato para janeiro de 2021 cedeu de 12,42% para 12,26%, despencando dos 12,49% da máxima do dia. O dólar disparou 1,73%, cotado a R$ 3,0951, acumulando na semana passada valorização de 3,24%. Enquanto o BC quer que o mercado olhe apenas para a prometida bem-aventurança futura, o câmbio só quer saber do presente: dúvidas sobre as votações do ajuste fiscal, sobre a firmeza no cumprimento dos cortes orçamentários e sobre a inflação americana.

A coluna tira férias esta semana. Volta na véspera do Copom de 3 de junho que, determinado, irá elevar a Selic, conforme já anunciado, de 13,25% para 13,75%. Ou será que o Caged conseguiu aplicar um choque de realidade no BC?

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