Por diana.dantas

A aversão global a risco diminuiu acentuadamente ontem depois do surgimento de sinais de descontração nas crises chinesa e grega. Investidores que se refugiavam em títulos do Tesouro dos EUA, passaram a vender os papéis e as taxas subiram com força. O rendimento da T-Note de 10 anos pulou de 2,20% para 2,30%. As bolsas europeias saltitaram alegres: o índice FTSEurofirst 300 subiu 2,3%, o pregão de Frankfurt valorizou-se 2,32%, o de Londres, 1,4% e Paris ganhou 2,55%. Os índices das bolsas dos países que poderiam ser mais diretamente afetados pela quebra da Grécia foram os que mais subiram: Milão, alta de 3,51%, Lisboa, 3,98% e Madri, 2,65%. O dia já amanheceu promissor após a alta de 5,76% experimentada por Shangai, um indício de que pode estar dando resultado a megaofensiva do governo chinês para dar sustentação ao periclitante mercado de ações do país. E prosseguiu esperançoso com as notícias vindas da Grécia.

A Bovespa e o mercado futuro de juros da BM&F, fechados ontem por causa do feriado constitucionalista de São Paulo, não puderam surfar na onda externa otimista. Mesmo com liquidez muito reduzida, pois operando sem a praça paulista e a referência vinda dos pregões de derivativos cambiais da BM&F, o mercado à vista de câmbio conseguiu acusar a distensão e chegou a cair 0,58% durante à manhã. À tarde, algumas operações de compra envolvendo baixos volumes puxaram o preço e o dólar encerrou o dia cotado a R$ 3,2357, praticamente estável em relação aos R$ 3,2338 da véspera.

As informações vindas da China trouxeram alívio pois consolidaram o entendimento de que os dirigentes não irão permitir em nenhuma hipótese que um estouro das bolsas comprometa ainda mais a já difícil meta oficial de crescimento do PIB de 7% este ano. A cada novo dia, surgem novas medidas destinadas a ampliar a liquidez do pregão de Shangai e evitar coercitivamente as vendas de papéis. Mas ontem o mercado global teve a certeza de que a guerra é para valer quando foi noticiado que a polícia estava investigando os “ursos”, a turma especializada em operar “vendido a descoberto”. Em qualquer bolsa, os adeptos do “bear market” — os que atuam ativamente para magnificar tendências de baixa, vendendo, sem possuí-los, expressivos lotes de ações na expectativa de recomprá-los a preços mais baixos mais à frente, geralmente no mesmo pregão — têm nome e sobrenome conhecidos e não é difícil cercá-los.

A prioridade máxima à contenção de danos no mercado de ações está colocando em segundo plano a estratégia do Partido Comunista de modernização e abertura do sistema financeiro. Trata-se de um retrocesso, mas o socorro atual é inevitável. É imperioso impedir que o colapso da bolsa ameace o gigantesco mercado informal de crédito formado pelos “shadows banking”. O economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, ecoando a maioria dos seus pares instalados na banca privada, minimiza a crise chinesa. Para ele, o mercado de ações é muito pequeno comparativamente ao tamanho da economia, os investidores ainda estão no lucro e a presença de estrangeiros não é numerosa. Por isso, seria até “saudável” que o governo permitisse o estouro da bolha. Trata-se do mesmo tipo de raciocínio empregado várias vezes no passado e que sempre produziu resultados desastrosos. Foi pensando assim que, em 2008, o então secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, deixou o Lehmann Brothers quebrar.

Os investidores sempre confiam que, se a crise sofrer uma recaída nas próximas semanas, será possível ao governo chinês aumentar a dose do seu principal remédio: o alívio monetário. A razão é que a inflação não preocupa. Divulgado na madrugada de quinta-feira, o índice ao consumidor mostrou alta anual de 1,4%, enquanto que o indicador do atacado acusou deflação de 4,8%, refletindo o declínio das commodities. Tanto a inflação baixa quanto a implosão das ações são consequências da desaceleração da economia. E esta não foi contida depois de quatro cortes de juros desde novembro de 2014 e duas reduções de compulsório bancário. Por que seria diferente agora? Nada ainda está resolvido na China.

Nem tampouco na Grécia. Saudado pelas esquerdas europeias como o início de uma revolta dos povos à prolongada austeridade econômica imposta aos 19 países da eurolândia pela Troika, o “não” dito pelos gregos no domingo nas urnas pode se converter num “sim” nas mesas de negociações em Bruxelas. Os investidores acolheram eufóricos os rumores de que a proposta de medidas fiscais e reforma previdenciária apresentada pelo premier Alexis Tsipras é mais ortodoxa do que os termos do acordo rejeitado pela população grega. O raciocínio é enviesado: fortalecido pela esmagadora vitória popular do seu ponto de vista, Tsipras pode negociar um acordo satisfatório à honra ultrajada da Troika sem temer a oposição interna movida pelo Syriza e pelos Gregos Independentes, os partidos que terão, depois, de referendá-lo. Se fizer isso, o premier pode sofrer a mesma acusação de traição assacada contra Dilma Rousseff. Para os mercados, pouco importa.

O clima amistoso nos mercados globais também resultou da percepção de que o Federal Reserve (Fed) deve seguir o óbvio conselho do FMI e deixar para 2016 o movimento de correção da política monetária. Os analistas já estão mudando o seu consenso sobre quando deve ocorrer a tão temida primeira alta da “fed fund rate”. A maior parte das apostas já está se deslocando da reunião de setembro do Fomc para a de dezembro. A ata da reunião de 17 de junho, divulgada na quarta-feira, confirma a impressão geral de que a recuperação da atividade econômica ainda não é suficiente para suportar um aumento já no final do terceiro trimestre. Se o Fed teimar em subir o juro sem as condições ideais pode, segundo um FMI que está sendo obrigado a revisar sempre para baixo suas estimativas de crescimento mundial, provocar “significativa volatilidade nos mercados com sucedâneos à estabilidade financeira”. Ou seja, o Brasil ganhou uma extensão de prazo para arrumar a casa antes da virada na política monetária americana.

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