A PrEP revolucionou a luta contra a Aids, ao proporcionar proteção preventiva; a medicação é fornecida pelo SUSAndré Nogueira - Fiocruz - Divulgação
Publicado 01/12/2021 14:50 | Atualizado 01/12/2021 18:23
Guapimirim – O Dia Mundial de Luta contra a Aids é celebrado nesta quarta-feira (1/12), no entanto, os cuidados contra a doença precisam ser diários, com prevenção ou tratamento. O Dia fez uma pesquisa sobre o tema para atualizar os leitores e incentivar que façam o teste rápido.
Primeiramente, é preciso explicar a diferença entre HIV e Aids. HIV é a sigla em inglês para Vírus da Imunodeficiência Humana. E Aids é a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, também conhecida como “Sida”.
O vírus HIV ataca o sistema imunológico, principalmente os linfócitos T-CD4+, sendo capaz de mudar o DNA dessa célula e gerar cópias de si mesmo, causando a Aids.
A Aids é a incapacidade do sistema imunológico reagir a doenças oportunistas – ex.: pneumonia, tuberculose, micoses etc. – decorrentes da baixa imunidade. Uma pessoa infectada pode viver por até 10 anos sem apresentar os sintomas de Aids.
Existem dois tipos principais de HIV. O tipo 1 e o tipo 2. O HIV-1 é o mais comum em todo o mundo e o que manifesta maior carga viral rapidamente. Já o HIV-2 é menos comum, costuma ter a carga viral extremamente baixa e é mais comum em alguns países africanos.
O HIV não distingue gênero, raça, idade, nacionalidade nem religião. A luta contra a Aids é uma questão de saúde pública e também de direitos humanos.
Prevenção
Pode parecer clichê, mas nunca é demais reforçar a importância de se usar preservativo para evitar HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, tais como sífilis, hepatites B e C, gonorreia, clamídia, por exemplo.
Além da camisinha, que pode ser obtida de graça em postos de saúde e nos centros de testagem e aconselhamento (CTAs), existem outros métodos preventivos contra a Aids: PEP e PrEP.
PEP
A Profilaxia Pós-Exposição (PEP) consiste num tratamento emergencial com antirretrovirais para evitar a contaminação por HIV, quando houver exposição, tais como a camisinha estourar durante o ato sexual, o parceiro ejacular dentro sem preservativo e não se souber sobre a sorologia dele, em caso de estupro e também acidente ocupacional, ao furar-se com uma seringa utilizada em outra pessoa durante uma aplicação de injeção, por exemplo.
Trata-se de uma verdadeira corrida contra o tempo. É preciso ir a um posto de saúde em menos de 72 horas após o ato de exposição. Há unidades de saúde que funcionam 24 horas, sete dias da semana, inclusive nos feriados, para atendimento emergencial de PEP. Especialistas em saúde recomendam que o paciente compareça, se possível, em até duas horas após o episódio de risco.
O paciente participará de uma rápida entrevista, para que os profissionais de saúde avaliem o ocorrido, e fará um teste rápido de HIV, entre outros preconizados pelo Sistema Único de Saúde. Se o resultado for negativo e se de fato foi constatado risco, então receberá um kit para ser tomado durante 28 dias ininterruptos.
O tratamento é totalmente gratuito e disponibilizado pelo SUS. Atualmente, a PEP consiste em dois frascos, sendo um deles de “Dolutegravir Sódico” e outro, um combinado de “Fumarato de Tenofovir Desoproxila” com “Lamivudina”.
Após 30 dias do início do tratamento, o paciente retornará ao posto de saúde e fará novo exame de sangue. Se o resultado der negativo, significa que o tratamento emergencial teve sucesso.
Há postos de saúde que marcam uma visita médica após sete dias de início do tratamento para avaliar se a sorologia continua negativa e se houve reação adversa às medicações. Alguns pacientes podem ter diarreia e dores gastrointestinais. Apesar disso, não deve suspender de jeito nenhum a PEP. Se fizer isso, colocará em risco o tratamento de apenas 28 dias.
Mas se o resultado for positivo, significa que o paciente poderia ter se infectado antes de recorrer à PEP. Os primeiros exames não mostraram antes, por conta da janela imunológica, período de incubação do vírus no organismo que geralmente é de 30 dias.
Em caso de positivo, serão feitos novos testes para confirmar o resultado, e o paciente iniciará o tratamento de imediato na condição de portador do vírus HIV.
PrEP
A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) consiste numa proteção moderna e preventiva contra o HIV. Só podem participar pacientes soronegativos, ou seja, que não têm o vírus. O paciente toma a medicação antes do contato sexual de risco. Se de fato houver essa exposição, já estará protegido antecipadamente.
Se durante o ato sexual, por exemplo, um paciente de PrEP tiver contratempos com o preservativo, a medicação atuará para bloquear alguns “caminhos” que o vírus HIV usa para contaminar o organismo. No homem, a PrEP começa a fazer efeito após o sétimo dia de tratamento e nas mulheres, após 20 dias, por conta da mucosa vaginal. Portanto, não é recomendado ter relações sem preservativo antes de período estabelecido.
A PrEP é destinada a profissionais do sexo, travestis, transexuais e homens que fazem sexo com homens, principalmente para os que deixam de utilizar camisinha, para os casais sorodiscordantes – em que um é positivo e o outro não –, quem faz uso constante de PEP e pessoas que apresentam episódios constantes de infecções sexualmente transmissíveis como sífilis, gonorreia etc.
O paciente deverá tomar um comprimido diário de “Truvada” (nome comercial de um medicamento composto por “Entricitabina” mais “Fumarato de Tenofovir Desoproxila”), independentemente se terá relação sexual naquele dia ou não, por se tratar de um tratamento preventivo. Quanto mais antirretroviral no organismo, maior será a proteção, que pode passar dos 90%. Não se deve suspender a medicação por conta própria, mesmo que não esteja se relacionando frequentemente com vários parceiros. É preciso consultar o médico.
Se esquecer de tomar o medicamento, deve-se tomá-lo quando lembrar. Caso esteja perto do próximo horário, pode-se esperar. Deixar de tomar um dia a medicação não coloca em risco a proteção da PrEP, mas se isso se repetir num curto intervalo de dias, o tratamento se torna menos eficaz, já que haveria menos medicação para bloquear o HIV. A dica para evitar o esquecimento é tomar o comprimido sempre no mesmo horário, criar um hábito, ou também colocar um despertador.
A PrEP também é disponibilizada pelo SUS, contudo é muito mais difícil de conseguir do que a PEP. O paciente de PrEP deverá comparecer à unidade de saúde a cada três meses para fazer exames de sangue e responder a perguntas técnicas sobre suas relações, para receber aconselhamento sobre cuidados contra a Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. Se o teste para HIV continuar negativo, ele receberá medicação para mais 90 dias.
Durante o atendimento de PrEP, o paciente também fará testes rápidos para sífilis e hepatites B e C. A cada seis meses, fará um hemograma para avaliar as condições dos rins e do fígado, por exemplo. Recentemente, o SUS passou a preconizar a realização de exame de urina para detectar clamídia e gonorreia, doenças não detectadas nos testes rápidos.
Vale lembrar que a PrEP só ajuda a proteger contra o HIV. Por isso, é de extrema importância que o paciente utilize também o preservativo para evitar contrair outras doenças sexualmente transmissíveis.
A medicação da PrEP pode ser comprada em algumas farmácias, mas é extremamente cara. Ademais, é fundamental que o paciente tenha acompanhamento médico.
Em certos aplicativos de relacionamento, por exemplo, há usuários que afirmam usar PrEP, quando, na verdade, são soropositivos. Mesmo sendo a mesma medicação, em parte, o propósito é outro. O da PrEP é evitar o contágio por HIV. No caso dos portadores de HIV, o foco é evitar a multiplicação do vírus, estabilizando-o no organismo.
Tratamento
Quanto mais depressa for descoberto, mais rápido e eficaz será o tratamento. Com os medicamentos de última geração, uma pessoa com HIV pode viver tanto quanto outra que não tem o vírus, embora não haja cura ainda.
O tratamento é oferecido gratuitamente pelo SUS e se inicia no momento da descoberta. Se o paciente seguir à risca as recomendações médicas, no período de três a seis meses poderá ter supressão viral, ou seja, não será capaz de infectar outras pessoas por apresentar menos de 200 mil cópias do vírus por mililitro de sangue.
Quando a carga viral está abaixo de 40 mil cópias por mililitro, significa que é um paciente “indetectável”. Na literatura médica, “indetectável” significa “intransmissível”, não sendo capaz de contaminar nem de o vírus ser detectado em alguns testes rápidos. Isso se o tratamento for mantido.
Uma supressão viral indica também uma melhora na qualidade de vida do paciente. Há muitas pessoas que relutam em fazer um teste de HIV. Quanto mais tempo demorar para detectar o vírus, mais difícil será a supressão no organismo.
Doenças sexualmente transmissíveis como sífilis, hepatites B e C, gonorreia, entre outras, podem servir de porta para o HIV. E vice-versa. Pois, a imunidade pode estar comprometida. A baixa imunidade, principalmente em soropositivos, faz com que o paciente esteja mais suscetível a problemas de saúde como tuberculose, pneumonia, doenças de pele, resfriados etc.
Existe uma gama de medicamentos antirretrovirais para controlar o vírus, tais como “Efavirenz”, “Dolutegravir”, “Ritonavir”, “Atazanavir”, “Fumarato de Tenofovir Desoproxila”, “Lamivudina” etc.
Um paciente soropositivo trava várias lutas diárias: contra o vírus, contra a depressão e também contra o preconceito dos demais, principalmente no âmbito familiar. Os portadores sofrem estigmas sociais e passam por mudanças físicas.
Não se pega HIV num aperto de mão ou num abraço, nem por usar o mesmo banheiro por exemplo.
A doença pode ser contraída por transfusão de sangue contaminado, compartilhamento de seringas e de itens cortantes e contato com fluídos corporais como sangue – na relação sexual desprotegida e no parto –, sêmen e leite materno. Neste último caso, se a mãe for soropositiva.
Embora o HIV possa ser contraído na relação sexual com penetração e também no sexo oral, especialistas afirmam que pela saliva costuma ser mais difícil, por não haver carga viral suficiente, exceto se houver alguma ferida na boca e/ou na região genital. Recomenda-se também o uso de preservativo durante o ato oral.
Suor, lágrimas, urina, fezes e gotículas de espirro não são capazes de contaminar, pois não têm carga viral suficiente.
Embora a população LGBTI+ seja um grupo vulnerável, o HIV pode transitar em casais heterossexuais. É preciso deixar claro que Aids não tem nada a ver com orientação sexual. Muitos dos contágios ocorrem em relacionamentos tradicionais, porque um dos cônjuges foi contaminado pelo outro sem que tivesse conhecimento. Por isso, é fundamental que todos façam testes, ao menos uma vez por ano.
Onde buscar tratamento em Guapimirim?
Em Guapimirim, a PEP – medicação emergencial – pode ser obtida no Hospital José Rabello de Mello, no bairro Bananal. O atendimento é 24 horas para esse tipo de caso.
Já o tratamento para pacientes soropositivos é disponibilizado nos demais postos de saúde do município.
O resultado do exame sai em até 30 minutos e é divulgado apenas para o paciente. Na ocasião, também são realizados outros testes rápidos.
É importante que indivíduos que se relacionam com vários parceiros ou parceiras num curto intervalo de tempo façam exames periodicamente, a cada seis meses, pelo menos, para detectar possíveis enfermidades. Quanto mais rápido o diagnóstico, mais rápido o tratamento. Desse modo, evita-se infectar outras pessoas.
Já a PrEP pode ser obtida em alguns hospitais e postos de saúde espalhados no estado do Rio de Janeiro. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, é um deles. A lista com os locais disponíveis deverá ser consultada no Ministério da Saúde.
O que o futuro promete?
A luta contra a Aids promete uma revolução no tratamento e na prevenção. Nos Estados Unidos, a Agência Reguladora de Medicamentos e Alimentos (FDA, na sigla em inglês) aprovou no início deste ano o “Cabenuva”, o primeiro coquetel injetável contra o HIV, aplicado uma vez por mês, substituindo os comprimidos diários tomados pelos portadores.
“Cabenuva” é uma combinação de dois medicamentos, o “Cabotegravir” e a “Rilpivirina”. O primeiro é produzido pelo laboratório ViiV Healthcare, divisão global contra o HIV da GlaxoSmithKline (GSK), Pfizer e Shionogi. O segundo é fabricado pela Janssen, vinculada a Johnson. São duas injeções, uma em cada glúteo.
Duas novas modalidades de PrEP estão em estudos, uma delas a injetável, com aplicação do Cabotegravir. A periodicidade dependerá do avanço das pesquisas. A segunda modalidade é a PrEP Sob Demanda. O paciente tomaria dois comprimidos de uma só vez no intervalo entre duas e 24 horas antes do ato sexual e mais um comprimido 24 horas após e outro 48 horas após, totalizando quatro comprimidos. Todavia, esse segundo futuro tratamento poderia causar confusão nos pacientes, já que teriam de se programar para ter relações ou até mesmo caso esquecessem de tomar os comprimidos restantes após o ato. Esse método seria mais indicado para quem se relaciona pouco. Ainda será preciso comprovar a efetividade da PrEP Sob Demanda em mulheres.
Breve história da Aids
Os primeiros casos de Aids surgiram nos Estados Unidos, no Haiti e na África Central entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980. Também nesta década surge o primeiro caso no Brasil.
Em 1983, ocorre a primeira notificação mundial de infecção por HIV em criança. Na mesma época, o Brasil identifica o primeiro caso da doença entre mulheres.
Em 1986, o Ministério da Saúde brasileiro cria o Programa Nacional de DST e Aids.
Em 1988, o Brasil já acumulava 4.535 casos da doença e detecta o primeiro num indígena.
Em 1991, a Aids já havia se tornado uma epidemia, registrando mais de 10 milhões de casos em todo o mundo. Nesse período, o Ministério da Saúde começa a distribuir medicamento gratuito contra a doença.
Em 1996, a Lei Federal nº 9.313 determinou a distribuição de medicamentos gratuitos aos portadores de HIV no país. Na época, havia mais de 22 mil casos em território nacional.
Em 1998, a Lei Federal nº 9.656 determinou que os planos de saúde arcassem com despesas hospitalares de pacientes com Aids, não incluindo os antirretrovirais já distribuídos pelos SUS.
No ano 2000, a proporção de notificações de casos de HIV era de uma mulher para cada dois homens.
Em 2001, o Brasil ameaçou quebrar a patente de medicamentos antirretrovirais e conseguiu reduzir custos. No mesmo ano foi sancionada a Lei nº 10.205, que estabelece protocolos sobre a coleta e a estocagem de sangue e proíbe a comercialização desse item no país.
A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) estima que, em 2019, havia quase 38 milhões de pessoas vivendo com HIV em todo o mundo. A doença tem sido uma das principais causas de mortes também, com 33 milhões.
Em 2020, o Ministério da Saúde estimava que cerca de 920 mil pessoas viviam com Aids no Brasil. Desse total, 89% foram diagnosticadas. O restante não sabe se é portador, por não fazer o exame.
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