Rio - A história é implacável com as civilizações que descuidaram das consequências ecológicas de seus atos. Um ótimo exemplo disso é o dos anasazis, o misterioso povo que habitou o sudoeste dos Estados Unidos antes da chegada de Colombo.
“Os antigos”, como os índios navajos os chamavam, notabilizaram-se, entre outros motivos, por avanços na agricultura, pela qualidade da cerâmica e dos adornos com pedras preciosas e pelas represas e centenas de quilômetros de estradas que construíram. Mas sua marca registrada são os pueblos, edificações com até cinco andares sustentadas por vigas de madeira que, antes do surgimento dos primeiros arranha-céus em Chicago, na década de 1880, eram as mais altas construções da América do Norte.
Os principais pueblos localizavam-se em Chaco Canyon, no noroeste do Novo México. Ali a sociedade anasazi desenvolveu-se de 600 d.C. até a segunda metade do século 12, e em seu auge Pueblo Bonito, o principal reduto da região e misto de centro político, econômico e religioso, abrigou cerca de 1.200 habitantes – 25% de toda a população do cânion.
Um passeio por Chaco Canyon nos dias atuais causa espanto nos visitantes. A região é desabitada e ocupada por uma vegetação escassa e baixa. Como ela abrigou um povo capaz de feitos como os dos anasazis? E por que, depois de tanto trabalho para erguer suas construções, eles o deixaram?
Oásis no deserto
Segundo o geógrafo e historiador Jared Diamond, estudos arqueológicos mostram que, no passado, a paisagem de Chaco Canyon era diferente – um frágil oásis em meio à aridez típica do Novo México. O estreito cânion beneficiava-se da água da chuva de uma extensa área mais alta, que se acumulava em lençóis freáticos. Isso deixava as terras úmidas o suficiente para permitir o plantio sem a dependência de chuvas localizadas. Para ajudar, a pequena inclinação do solo proporcionava um período mais longo de cultivo.
Além disso, havia na área uma grande diversidade de plantas nativas e espécies animais. Pinheiros e zimbros encontrados nas redondezas forneciam a madeira para construção e lenha. A dieta dos anasazis, constituída basicamente de milho, abóbora e feijão, tinha o reforço, no início, de pinhões, vegetais da região e carne de veado.
As pesquisas arqueológicas revelam, porém, que por volta do ano 1000 já não havia pinheiros e zimbros na região. A madeira para construção e aquecimento passou a ser trazida de montanhas a cerca de 80 quilômetros de Chaco Canyon e, como os anasazis não tinham animais de carga, transportavam todo esse peso com a força dos braços. Calcula-se que 200 mil árvores foram usadas para construção em Chaco Canyon – uma devastação e tanto nas matas da região.
A introdução de canais de irrigação também prejudicou a produção agrícola local, por concentrar água em prejuízo dos lençóis freáticos. A situação mudou de tal forma que, por volta de 1025, só quem tinha como bombear água para níveis mais elevados do solo conseguia plantar.
População em crescimento
Mesmo com colheitas reduzidas e problemas no abastecimento de madeira, a população de Chaco Canyon continuou a crescer, assinala Diamond. Uma explosão de construções, iniciada em 1029, comprova isso. Os habitantes se concentraram não apenas nos principais redutos do cânion, como Pueblo Bonito, mas espalharam-se por toda aquela área, em centenas de vilas menores. Essa população passou a importar suprimentos de povoados mais distantes, erguidos no mesmo estilo arquitetônico e unidos a Chaco Canyon por uma rede regional de estradas.
Assim, Chaco Canyon passou a ser um grande importador de produtos. Tudo encontrado lá, principalmente nas últimas etapas de povoamento, vinha de longe. Enquanto isso, notava-se uma perda de qualidade nutricional na dieta de seus moradores. A carne de veado foi substituída pela de animais menores, como coelhos e ratos. Pelos vestígios encontrados, alguns ratos, depois de terem a cabeça decepada, foram engolidos inteiros.
Por que outros povoados sustentaram o estilo de vida de Chaco Canyon? Para Diamond, tal como em metrópoles contemporâneas como Londres, Roma ou São Paulo, Chaco Canyon tinha importância política, econômica e/ou religiosa. Dessa forma, um povo que tinha como um de seus pontos fortes a mobilidade para procurar novos lugares quando os velhos não lhes proporcionavam mais condições de subsistência teve de lidar com uma condição muito mais complexa, de interdependência com os núcleos vizinhos. O número de habitantes já era grande demais para migrações no velho estilo, e os recursos naturais da região já estavam exauridos.
A última grande obra arquitetônica encontrada em Pueblo Bonito, feita na década de 1110, foi um muro que cercou as praças, antes abertas ao povo. Ou seja: se a visitação estava de algum modo cerceada, havia insatisfação popular. Outros indícios desse clima de disputa interna foram encontrados em outros sítios da região: evidências de canibalismo e de vilarejos no alto de penhascos, longe dos campos e da água, cuja única finalidade possível seria servir como locais mais guarnecidos contra ataques inimigos.
Estiagem longa
O golpe de misericórdia na sociedade de Chaco Canyon foi uma estiagem iniciada em torno de 1130. Secas similares haviam ocorrido nas décadas de 1040 e 1090, mas dessa vez havia gente demais para alimentar. Imagina-se que uma estiagem com duração maior que três anos tenha sido fatal, pois nesse período o milho armazenado já estaria impróprio para alimentação. Com isso, entre 1150 e 1200 os anasazis abandonaram Chaco Canyon, que só seria revisitado 600 anos depois por índios navajos.
O que teria acontecido aos anasazis daquela região? Os pesquisadores traçam paralelos com outros abandonos testemunhados durante uma seca na década de 1670 naquela região para responder a essa pergunta. Nessa ocasião, muitos índios morreram de fome, outros se mataram e os sobreviventes fugiram para outras regiões habitadas do sudoeste americano, misturando-se a outras tribos.
Jared Diamond faz questão de destacar que o abandono de Chaco Canyon não se deve a fatores climáticos ou à ação humana isoladamente. As duas razões se entrelaçam. “Ao longo de cinco séculos, a população humana de Chaco Canyon cresceu, suas necessidades ante o ambiente cresceram, seus recursos naturais decresceram e as pessoas passaram a viver cada vez mais perto do limite que o ambiente poderia suportar. Essa foi a causa definitiva do abandono.” A seca de 1130 foi apenas a gota d’água numa situação já insustentável.
“Esse tipo de conclusão pode ser aplicado a muitos outros colapsos de sociedades antigas e a nosso próprio destino atual”, avalia Diamond. “Todos nós hoje em dia – proprietários de casas, investidores, políticos, administradores universitários e outros – podemos passar impunes acumulando desperdícios em série quando a economia vai bem. Mas esquecemos que as condições flutuam e podemos não ser capazes de antecipar quando elas mudarão.”
Por ora, observa o pesquisador, já podemos estar seriamente comprometidos com um estilo de vida perdulário, que leva à falência os recursos naturais. Mas a situação ainda é reversível: diversamente dos anasazis e de outros povos que desapareceram, temos hoje muito mais recursos para aprender como se degrada um ambiente e buscar formas de reconstruir o que foi destruído. Para isso, é indispensável o compromisso de todos os envolvidos – o que, pelas demonstrações dadas por governantes e industriais ao redor do mundo, promete ser o item mais complicado nesse esforço.
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