Imagem computadorizada do coronavírus - Reprodução/ Internet
Imagem computadorizada do coronavírusReprodução/ Internet
Por AFP
Washington - Depois de quase três semanas em uma unidade de terapia intensiva em Los Angeles, os médicos que tratavam de Nick Cordero, um ator da Broadway de 41 anos, infectado com a COVID-19, tiveram que amputar sua perna direita.

Seu fluxo sanguíneo tinha sido bloqueado por um coágulo: mais uma perigosa complicação desta doença reportada na linha de frente de combate à pandemia na China, na Europa e nos Estados Unidos.

Os chamados "eventos trombóticos" ocorrem por uma série de razões em pacientes que precisam de cuidados intensivos, mas as taxas entre aqueles com COVID-19 são muito mais altas.

"Eu tenho pacientes na minha UTI na casa dos 40 anos que têm coágulos nos dedos que sugerem que eles vão perder o dedo, mas não há nenhuma outra razão além do vírus para perderem o dedo", contou à AFP Shari Brosnahan, médica intensivista do hospital NYU Langone, em Nova York.

Um destes pacientes sofre de falta de fluxo sanguíneo nos dois pés e nas duas mãos e ela prevê que uma amputação pode ser necessária ou os vasos sanguíneos podem ficar tão danificados que uma extremidade poderia simplesmente cair sozinha.

Os coágulos sanguíneos não são perigosos apenas para os nossos membros, podendo chegar aos pulmões, ao coração ou ao cérebro, onde podem causar embolias pulmonares, ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais mortais.

Um artigo holandês publicado recentemente no periódico Thrombosis Research revelou que 31% de 184 pacientes sofreram complicações trombóticas, um percentual que os cientistas denominam como "extraordinariamente alto", mesmo que consequências extremas como as amputações sejam raras.

Por que isto acontece?
Behnood Bikdeli, médico no Hospital Presbiteriano de Nova York, reuniu um consórcio internacional de especialistas para estudar o tema. Suas descobertas foram publicadas no Jornal da Faculdade Americana de Cardiologia.

Os especialistas descobriram que os riscos são tão grandes que os pacientes com COVID-19 "podem precisar tomar anticoagulantes preventivamente, profilaticamente" mesmo antes da solicitação de testes de imagens, disse Bikdeli.

O que exatamente está causando isso? As razões não foram entendidas completamente, mas ele deu algumas possíveis explicações.

Pacientes com a forma severa de COVID-19 costumam ter comorbidades como doenças cardíacas ou pulmonares, as quais as tornam mais vulneráveis à formação de coágulos.

Além disso, permanecer em terapia intensiva torna os pacientes mais propensos a desenvolver coágulos porque permanecem na mesma posição por muito tempo. É por essa razão que passageiros de voos longos são encorajados a se alongar e movimentar.

Também se sabe agora que a COVID-19 está associada a uma reação imunológica anormal denominada "tempestade de citocina" e algumas pesquisas indicam que ela também tem relação com taxas mais elevadas de produção de coágulos.

Pode haver, ainda, algo vinculado ao próprio vírus que leve à produção de coágulos, algo com precedentes em outras doenças virais.

Um artigo na revista científica The Lancet demonstrou na semana passada que o vírus pode infectar a camada celular interna de órgãos e vasos sanguíneos, denominada endotélio. Isto, teoricamente, poderia interferir no processo de coagulação.

Microcoágulos
Segundo Brosnahan, enquanto anticoagulantes como a heparina são eficazes em alguns pacientes, não funcionam em todos porque os coágulos às vezes são muito pequenos.

"Há microcoágulos demais", disse ela. "Não temos certeza exatamente de onde estão".

De fato, as necropsias têm demonstrado que os pulmões de algumas pessoas falecidas com COVID-19 tinham centenas de microcoágulos.

A revelação deste mistério, no entanto, ajuda a solucionar em parte outro mais antigo.

Cecilia Mirant-Borde, médica intensivista de um hospital de militares veteranos em Manhattan, disse à AFP que pulmões cheios de microcoágulos ajudaram a explicar porque os respiradores funcionam mal em pacientes com baixa oxigenação sanguínea.

No início da pandemia, os médicos tratavam estes pacientes segundo protocolos desenvolvidos para a síndrome de desconforto respiratório agudo, às vezes conhecida como "pulmão molhado".

Mas em alguns casos, "não é porque os pulmões contenham água" -, mas são os microcoágulos que estão bloqueando a circulação e o sangue sai dos pulmões com menos oxigênio do que deveria.

Faz pouco menos de cinco meses que o vírus emergiu em Wuhan, na China, e os cientistas estão aprendendo mais sobre seu impacto a cada dia.

"Embora reajamos com surpresa, não deveríamos ficar surpresos. Vírus tendem a fazer coisas estranhas", disse Brosnahan.

Embora a vertiginosa série de complicações possa parecer assustadora, "é possível que haja um ou dois mecanismos unificadores que descrevem como este dano ocorre", afirmou. "É possível que seja tudo a mesma coisa e que tenha a mesma solução".