Crânios e restos mortais costumam ser roubados em sítios arqueológicos e cemitérios - Ashlee Gray/Getty Images
Crânios e restos mortais costumam ser roubados em sítios arqueológicos e cemitériosAshlee Gray/Getty Images
Por IG - Último Segundo
São Paulo - Em 2013, um colecionador americano que visitou a Tunísia entrou nas catacumbas de Sousse - uma antiga necrópole que mantém alguns dos mais antigos enterros cristãos do mundo - e roubou um crânio. O colecionador o colocou à venda em um grupo privado do Facebook por US$ 550 (R$ 2.926,00), contando sua história de saques na descrição do anúncio.

Outros membros do grupo ficaram empolgados e alguns postaram comentários sobre o quão "bonito" o crânio era. Mas o "saqueador" de ossos pode não ter percebido que o grupo não era tão privado quanto parecia. Um repórter do site Live Science se infiltrou nesse e em vários outros grupos como ele, durante dez meses, para acompanhar o mundo paralelo dessas coleções bizarras.

O vendedor do crânio da catacumba de Sousse está sediado no estado de Washington e vendeu vários outros restos humanos. Foi feito um contato com o colecionador por meio da rede social para saber mais informações do artefato. O homem não respondeu às perguntas e o anúncio da venda foi excluído posteriormente.

Esqueletos de crianças e bebês em oferta

Restos mortais de bebês e crianças são particularmente populares nesses grupos virtuais. Um comprador escreveu em um post que estava "procurando peças ou órgãos esqueléticos de crianças".

Na faixa de preço mais alta, uma criança mumificada, que o vendedor alegou ter 6 anos quando morreu na década de 1700, foi colocada à venda por 11.000 euros (R$ 65.780,00). 

Um exemplo de "peça" mais barata é o crânio que um vendedor alegou ser de uma "adolescente", oferecido por US$ 1.300 (R$ 6.916,00). Nenhuma informação de origem do crânio foi descrita, embora o vendedor tenha declarado que foi adquirido legalmente e possuía documentação de importação adequada. 

Outro usuário ofertou o crânio de um "jovem" por US $ 1.000 (R$ 5.320). Ele disse que o artefato veio de uma "escola de medicina na Filadélfia", mas não revelou como teve acesso a ele. 

Além dos ossos, restos mortais de bebês foram vendidos nos grupos, às vezes, preservados em frascos com líquido. Um feto minúsculo, cujo tecido mole parecia bem preservado, foi colocado à venda por US$ 2.350. Ele foi listado como um "espécime colecionado por um médico aposentado", sem nenhum outro tipo de informação.

A Tunísia, onde as catacumbas de Sousse estão localizadas, abriga muitos locais antigos Hans Georg Roth/Getty Images

Por que pessoas comprar restos humanos?

A partir de imagens postadas em grupos privados, ficou constatado que muitos membros parecem estar comprando restos humanos para exibição. Crânios e ossos eram frequentemente mostrados em armários e mesas. Ocasionalmente, um esqueleto era visto sentado em uma cadeira. 

"Os colecionadores parecem ter uma variedade de motivações para comprar restos humanos", disseram Shawn Graham, da Carleton University, em Ontário, e Damien Huffer, da Carleton University, ambos arqueólogos que estudam o comércio de restos humanos, por e-mail.

"Alguns colecionadores parecem ser movidos pelo fascínio pela morte, enquanto outros têm interesse em tentar reproduzir exposições de restos humanos mostrados em museus. Também parece haver um senso de parentesco entre os profissionais do comércio de restos humanos", explicaram os pesquisadores.

Ponta do iceberg

Esses exemplos representam apenas uma pequena fração das vendas realizadas nesses grupos privados. Esse tipo de mercado é atuante e conta com muitos fornecedores e compradores. Muitos sites proibiram a venda de restos mortais e ossos humanos, incluindo o eBay e o Instagram, que excluiu contas suspeitas de venda ilítica. 

Mas e quanto à legislação? "A maioria dos países do mundo (incluindo a Tunísia) proibiu o saque de sítios arqueológicos e cemitérios. Nos Estados Unidos, não existe lei em nenhum estado que conceda permissão ou reconheça que é legal vender restos humanos. Pelo contrário, é expressamente ilegal em vários estados", diz Tanya Marsh, especialista em Legislação dos Serviços Funerários e Cemiteriais da Wake Forest School of Law.

Nos grupos privados do Facebook, alguns vendedores alegaram ter recebido os ossos de faculdades de medicina; mas mesmo que essas afirmações sejam verdadeiras, "não há exceções para restos humanos, mesmo que haja documentação de que são da coleção de uma faculdade ou museu de medicina", esclarece Tanya.

"É duvidoso que qualquer pessoa, mesmo aqueles que doam seus restos para a ciência, alguma vez desejou ser ou se espera que seja um objeto pessoal para um indivíduo", dizem Ryan Seidemann e Christine Halling em um e-mail escrito em conjunto ao Live Science. Ambos trabalham no Gabinete do Procurador Geral da Louisiana na Divisão Civil da Seção de Terras e Recursos Naturais, com Seidemann liderando a divisão e Halling como arqueólogo.

O comércio pode ser interrompido?

Vários especialistas afirmam que o Facebook precisa aplicar a política de proibir esse tipo de negociação em sua plataforma. A maioria ainda alerta que os governos precisam melhorar a aplicação das leis já existentes.

A Live Science entrou em contato com o Facebook para alertar a empresa sobre o comércio de ossos humanos. Em resposta, um porta-voz disse que, quando tomam conhecimento de que um grupo violou suas políticas, medidas são tomadas contra eles. No dia 3 de julho, três dos grupos privados haviam sido excluídos, embora outros continuem em operação.