A fundação ajudou a família de Roya “com transfusões de sangue em um hospital de Mazar-e-Sharif”, contou Modarres. “Como a sua família é muito pobre e não sabia muito sobre esta doença, só levavam-na ao médico nos piores momentos. Aparentemente, não ministraram os remédios que deveriam dar a ela, fazendo com que o rim e o baço de Roya aumentassem de tamanho”, lembrou.
Devido à falta de recursos, a Child Foundation conseguiu à família da menina “um visto, um passaporte, auxiliamos em sua viagem à cidade de Mashad, no Irã, onde um bom samaritano [encontrado também através da fundação, segundo esta] pagou pela sua cirurgia”, afirmou Modarres. De acordo com o site da fundação, a viagem ocorreu em 1º de fevereiro de 2019, a cirurgia foi um sucesso e Roya e sua família retornaram ao Afeganistão.
O presidente da Associação Espanhola de Luta contra as Hemoglobinopatias e Talassemias, Antonio Cerrato, explicou à equipe de verificação da AFP que a talassemia “é uma anemia grave”. As pessoas que têm essa condição - que são aquelas cujos pais são portadores da alteração genética - “requerem transfusões de sangue desde que nascem para poder sobreviver”, além de um tratamento por via oral para eliminar o ferro pelas transfusões.
Cerrato também indicou que “a única cura é um transplante de medula [óssea], mas para um transplante de medula, precisa haver um doador 100% compatível”. Ele ainda explicou que “com o tratamento adequado, um paciente pode ter uma boa qualidade de vida e uma expectativa de vida normal”.
Problema cardíaco
A legenda, por sua vez, indica, também em inglês: “AFEGANISTÃO - 27 de MAIO: Doutor Cheysson examinando uma criança no consultório médico da doutora Nilab. Esta criança é uma das que serão enviadas ao Hospital Paris Georges Pompidou para um melhor tratamento de seu caso, em Cabul, no Afeganistão, em 27 de maio de 2003”. As imagens foram registradas por Raphael Gaillarde para a agência Gamma-Rapho via o Getty Images.
A visita da esposa do então presidente francês foi, inclusive, reportada por veículos de comunicação.
Nas fotografias é possível identificar dois médicos: Éric Cheysson e Alain Deloche. Cheysson é um médico francês especializado em cirurgias torácicas e vasculares. Deloche é cirurgião cardíaco e, junto com Cheysson, fundador da Chaîne de l'Espoir (Cadeia da Esperança, em tradução do francês), uma associação humanitária que ajuda crianças.
A Chaîne de l'Espoir, inclusive, desmentiu as fotos viralizadas em sua conta no Twitter em janeiro de 2019: “Queremos esclarecer a veracidade destas fotos de 2003 que viraram polêmica. Estas crianças afegãs sofriam de insuficiência cardíaca em fase terminal, o que explica as suas barrigas cheias de líquido. Eles foram operados graças à Chaîne de l'Espoir”, diz o tuíte, em tradução livre do francês.
A AFP entrou em contato com a Chaîne de l’Espoir para saber detalhes das situações das meninas vistas nas fotografias. Por e-mail, a ONG respondeu: “As publicações que circulam sobre elas são ‘fake news’. Estas duas meninas sofriam de uma patologia cardíaca grave. Foram atendidas pela Chaîne de l'Espoir em junho de 2003: transferidas para a França, foram operadas aos oito anos no hospital Georges Pompidou, em Paris. Hoje em dia elas estão em perfeito estado de saúde e sendo acompanhados no hospital de Cabul - o Instituto Médico Francês para Crianças”.
De acordo com um documento elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em 2018, intitulado “Casamento infantil no Afeganistão”, segundo o artigo 70 da Lei Civil do Afeganistão, o casamento não é considerado adequado se o homem for menor do que 18 anos e a mulher menor que 16.
Um segundo documento do Unicef - “Crianças, alimentos e nutrição: crescendo bem em um mundo em mudança” -, de 2019, mostra que no Afeganistão, 9% das meninas do país casaram aos 15 anos, enquanto 35% casaram aos 18.
O Checamos já verificou outras imagens sobre supostos casamentos infantis.
Em resumo, é falso que as meninas vistas nas fotografias estejam grávidas. Uma delas tem uma doença chamada talassemia maior, que afeta o sangue e pode causar inchaço abdominal devido ao aumento de tamanho de algum órgão. As outras duas crianças tiveram insuficiência cardíaca que, entre outras coisas, pode levar ao acúmulo de líquido na região abdominal.