Checamos fake news sobre vacinas
Checamos fake news sobre vacinasDivulgação
Por AFP
As vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19 têm como objetivo o “despovoamento” e causarão um “caos” no organismo humano mediante reações autoimunes de “três a seis meses” depois de sua aplicação, afirmam publicações e textos compartilhados mais de 6 mil vezes desde o último dia 22 de março. Mas esses supostos efeitos adversos não condizem com o funcionamento das vacinas, segundo especialistas consultados. Tampouco foram registrados nos testes clínicos, iniciados em julho de 2020, ou nas pessoas que já receberam doses deste tipo de imunizante.
“O cavalo de Troia [...] é de fato injetado em nós por meio da vacina de mRNA”, adverte um texto que circula no Facebook e em sites. E continua: “Existem vários mecanismos pelos quais essas substâncias criarão esse caos em nós, a saber, os anticorpos que destruirão nossos pulmões e desativarão os antimacrófagos inflamatórios e transportar o vírus para a célula”.
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Segundo as publicações viralizadas, isso causará a morte de diversas pessoas por “choque anafilático [reação alérgica aguda] ou doenças cardiovasculares, mas também por doenças autoimunes”.
Afirmações semelhantes circularam no Telegram, no Instagram e no Twitter, e em outros idiomas, como o espanhol.
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As três fontes
De acordo com as postagens, as alegações a respeito das vacinas foram feitas por três pessoas: Alexandra Henrion-Caude, “a Dra. Sherri Tempenny” ou “o Dr. Sherri Tempenny” e Dolores Cahill.
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Alexandra Herion-Caude é uma geneticista francesa cujas afirmações sobre as vacinas já foram verificadas em um artigo em francês da AFP.
Dolores Cahill é uma bióloga e professora irlandesa que presidiu o partido de direita “Irish Freedom Party” até março de 2021. O instituto médico da University College Dublin, onde ela trabalha, se distanciou das declarações de Cahill sobre o coronavírus ainda em 2020. A AFP já checou várias afirmações falsas da professora em diversos idiomas. 
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Sherri Tenpenny é uma osteopata norte-americana e ativista antivacinas cuja foto é vista nas publicações compartilhadas nas redes.
As vacinas de RNA mensageiro
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Atualmente há duas vacinas contra a covid-19 que usam RNA mensageiro (mRNA) para gerar uma resposta imunológica: a desenvolvida pela empresa de biotecnologia Moderna e pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos Estados Unidos, e a da Pfizer/BioNTech, do laboratório alemão BioNTech com a empresa norte-americana Pfizer.
O objetivo das vacinas de mRNA é fazer com que o corpo sintetize a proteína “spike” do SARS-CoV-2, que o sistema imunológico reconhecerá como “estranha”, desenvolvendo anticorpos capazes de defender o organismo caso encontre o vírus.
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Janela temporal de “três a seis meses”
Os testes clínicos, ou de fase 3, das vacinas Moderna e Pfizer, ou seja, os ensaios em seres humanos, tiveram início em julho de 2020 - oito meses antes de as postagens viralizadas começarem a circular - e envolveram em cada caso cerca de 30 mil voluntários maiores de 18 anos.
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Os primeiros resultados de eficácia e de efeitos colaterais observados após a administração de ambas as vacinas foram publicados em novembro de 2020. Nos dois casos foi notificado como efeitos mais frequentes cansaço, dor de cabeça e inchaço no local da injeção.
Até 26 de abril de 2021, 140 milhões de pessoas já haviam recebido pelo menos uma dose da vacina nos Estados Unidos e mais de 95 milhões já completaram o protocolo de duas doses requerido pelos dois imunizantes, e não há registro de mortes por essa razão, como adverte o texto compartilhado nas redes.
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Vários países também adquiriram essas duas vacinas, como Canadá, Irlanda, Dinamarca e Chile. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou em 23 de fevereiro de 2021 o registro definitivo do imunizante da Pfizer/BioNTech contra a covid-19, embora ele ainda não esteja disponível no país.
Os “três a seis meses” que a postagem prevê como o tempo no qual ocorreriam graves efeitos colaterais como consequência das vacinas de mRNA já transcorreram para um grande número de imunizados, tanto nos testes clínicos como nas campanhas de vacinação.
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“Doenças autoimunes”
A AFP já verificou outras publicações sobre supostos danos das vacinas de mRNA, entre elas doenças autoimunes e infertilidade.
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As doenças autoimunes são enfermidades pelas quais o sistema imunológico do corpo ataca tecidos saudáveis. De acordo com o texto viral, as vacinas desencadearão essa condição e “os anticorpos destruirão nossos pulmões”.

Roselyn Lemus-Martin, doutora em Biologia Molecular pela Universidade de Oxford e pesquisadora de vacinas e tratamentos contra a covid-19, indicou à equipe de checagem da AFP que não existem evidências científicas que demonstrem que as vacinas de mRNA causem doenças autoimunes.

Kenneth Witwer, professor de Patologia e Neurologia Molecular e Comparativa na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, concordou: “Embora atualmente não exista evidência de que nenhuma vacina contra o SARS-CoV-2 induza a autoimunidade, de todas as estratégias de vacina atuais é provável que a de mRNA seja a mais segura em termos de evitá-la. Isso se deve ao fato das partículas lipídicas que compõem a vacina não mostrarem proteínas virais em sua superfície, onde, teoricamente, (repito: teoricamente, não há evidência disso!) poderiam interagir com proteínas humanas solúveis e gerar respostas autoimunes”.

Thalia García Téllez, especialista e pesquisadora em Doenças Infecciosas e Vacina do Hospital Cochin, em Paris, explicou à AFP que “as doenças autoimunes podem ser consequência de uma mutação ou mutações no DNA. O processo mediante o qual essas mutações aparecem não tem a ver com o RNA mensageiro”.
“Choque anafilático”
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Uma eventual reação alérgica após tomar uma vacina contra a covid-19 ocorre nos minutos seguintes de tê-la tomado, e não meses depois, como sugere o texto compartilhado nas redes.

Em janeiro passado foram registrados alguns casos de alergia severa ou anafilaxia após a administração da vacina Pfizer, mas sem consequência fatais.

De acordo com os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, das 1.893.360 pessoas que haviam recebido a primeira dose da vacina em 23 de dezembro de 2020 foram identificados 21 casos de anafilaxia, incluindo 17 pessoas com antecedentes registrados de alergias ou reações alérgicas severas.

Os CDC elaboraram um guia para que a equipe de saúde atue nesses casos. Entre as disposições, indica-se implementar períodos de observação posteriores à vacinação e tratar imediatamente as pessoas que experimentarem sinais ou sintomas de anafilaxia com uma injeção intramuscular de epinefrina.

Desativação de “antimacrófagos inflamatórios” e “destruição” dos pulmões
“Os ‘antimacrófagos inflamatórios’ não existem”, disse à AFP o doutor Nicolás Torres, do Laboratório de Imunopatologia do IBYME-CONICET, na Argentina. “O que existe são os macrófagos anti-inflamatórios”.

O especialista detalhou que os macrófagos são células do sistema imunológico que se especializam em funções muito diversas: “Alguns reciclam o ferro dos glóbulos vermelhos, outros são especialistas em atacar patógenos, e outros, como os anti-inflamatórios, cumprem um papel ‘regulador’: uma vez que há uma resposta imunológica - seja contra o SARS-CoV-2 ou outro patógeno - é importante que a resposta inflamatória termine, e esses macrófagos são encarregados disso”.

Torres disse que a ideia de que uma vacina mRNA possa “desativar” um macrófago “não faz sentido” e que não é assim que as vacinas funcionam: o texto “sugere que a vacina é destinada a destruir macrófagos e que, por isso, os pulmões sofreriam algum tipo de dano, mas isso não tem nenhum sentido. Não existe nenhuma vacina mRNA capaz de modificar geneticamente os macrófagos e, assim, desativá-los”.

Kenneth Witwer, da Johns Hopkins, por sua vez, disse à AFP que com milhões de vacinas administradas em todo o mundo, “e quase um ano desde o início dos primeiros testes, já haveria provas muito claras de tais efeitos colaterais. Não há”.

No último dia 29 de março, os CDC publicaram os resultados de um estudo das vacinas Moderna e Pfizer, concluindo que são altamente eficazes para prevenir as infecções pelo SARS-CoV-2 entre equipes de atendimento médico, de emergência e outros trabalhadores essenciais, que compõem um dos grupos com mais chances de contrair a doença devido ao seu trabalho.