Rio - Há 15 dias, a profissional de enfermagem 'X' precisou se separar da filha pequena. Funcionária do Hospital Municipal Albert Schweitzer, ela deixou a criança na casa da avó. Nem ela nem o marido, que também é profissional de Saúde, sabem quando vão reencontrar novamente a filha. O motivo é o mesmo que afeta médicos, enfermeiros e técnicos por todo o mundo: o novo coronavírus. "Não tive outra escolha. Jamais me perdoaria se contaminasse minha filha", diz 'X', num emocionante desabafo, aos prantos.
Esses profissionais estão passando por múltiplos dramas, como o próprio medo de contrair o vírus, para salvar vidas. "Estou literalmente isolada e cansada. Minha carga horária aumentou muito", conta a médica Isabella Rêllo, que trabalha em três diferentes hospitais e leva no rosto a marca dos equipamentos de segurança tão necessários.
Muitos desses profissionais já estão infectados. É o caso do enfermeiro 'W', funcionário de um hospital municipal no Rio. Após passar cinco dias internado, ele teve alta, ontem, e já deve voltar ao trabalho em duas semanas. "Fiz o juramento, estou no combate para enfrentar seja o que for", destaca.
Por isso, O DIA preparou esta reportagem como forma de homenagear e agradecer a esses que estão na linha de frente no campo de batalha contra um inimigo microscópico. Foram selecionados seis depoimentos de colaboradores de diversas unidades de Saúde fluminenses, cujas histórias buscam representar toda uma classe de heróis. A identificação de todos que solicitaram foi preservada.
Líbia Pelleusci enfermeira, 35 anos: "Crise de choro diária"
Funcionária da UPA da Penha e vice-presidente do Sindicato dos Enfermeiros, Líbia lida não só com suas dificuldades, como as de diversos profissionais que a procuram, diariamente. Há dois meses, diante da pandemia, ela se mudou com o filho pequeno para a casa da mãe, com o objetivo de
facilitar os cuidados com ele.
"É uma crise de choro diária, e os casos têm aumentado muito. No meu último plantão, atendi pelo menos oito pacientes com suspeita da Covid-19. E é um medo constante de ser infectada. Só do meu círculo de amizades são 13 enfermeiros infectados, mas sei de mais 80. Psicologicamente, as pessoas estão desesperadas. Em muitas unidades não há equipamentos de proteção suficientes. Me sinto de mãos atadas", conta.
Enfermeiro no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho: "Tenho medo, já perdi colegas"
Enfermeiro há mais de dez anos, 'Y' e a esposa trabalham na área da Saúde. Com dois filhos, eles seguem um protocolo de higienização rigoroso ao chegar em casa. "Ainda estamos recebendo poucos pacientes e, por enquanto, temos todo equipamento necessário. Foram abertos novos leitos, já há andares específicos para o isolamento de pacientes com Covid-19 e espero que isso seja suficiente. Meu maior receio é que aconteça como na Itália, onde os profissionais estão trabalhando 36h direto. Essa exposição maciça facilita a contaminação. As pessoas ficam cansadas e mais desatentas", afirma. "Nessa semana, entrei em contato com a seguradora de vida, porque, claro, tenho medo. Já perdi colegas. Agora é um momento de luta e união".
Profissional de enfermagem no Hospital Albert Schweitzer: "A rede não está preparada"
Além da dor pela distância da filha, 'X' enfrenta, também, a falta de equipamentos específicos para a proteção contra a doença, na unidade em que trabalha. "Em cada turno, chegam, em média, 20 pacientes suspeitos. E pelo menos 30% deles evoluem para o estado grave. O que mais assusta é que a rede (de saúde) não está preparada, não tem máscara N-95 (a mais indicada para esses trabalhadores expostos), muitas vezes nem sabão ou álcool gel. A gente está se juntando para comprar por fora a máscara. Estou com pavor de ser contaminada".
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que o hospital está abastecido com os equipamentos necessários e novos itens estão sendo comprados, como 14 milhões de máscaras e 500 mil luvas.
Isabella Rêllo médica, 28 anos: "As pessoas estão precisando de nós"
Médica de um CTI só com pacientes infectados pela Covid-19, Isabella teve toda sua rotina alterada pela pandemia. Como vários colegas apresentaram sintomas da doença e precisaram ser afastados, ela está trabalhando até 40 horas a mais do que o normal.
"Nos últimos dez dias, lidei com três óbitos. É frustrante, porque os pacientes que têm complicações evoluem muito mal e é rápido. Nada do que a gente faça parece melhorar, como se não respondessem a nenhum tratamento. Como é necessário isolamento, o paciente passa aqueles últimos dias sozinho e sequer tem um velório, pois essa é a recomendação", relata.
"Tenho consciência da profissão que escolhi, e ela envolve riscos e dedicação. As pessoas estão precisando de nós", completa.
Enfermeiro em um hospital municipal do Rio: "Não vou desistir do meu trabalho"
Morador da Baixada Fluminense, 'W' pega pelo menos duas conduções até seu trabalho, em um hospital na capital fluminense. Foi nesse trajeto que ele acredita ter sido infectado pela Covid-19. "Na unidade ainda não tinha nenhum paciente suspeito, então acho que foi no transporte público lotado. Uma semana depois dos primeiros sintomas, senti uma falta de ar inexplicável. Pensei que iria morrer. Mas não vou desistir do meu trabalho, amo o que faço", diz ele.
Médico em um hospital estadual fluminense: "É visível a tensão no hospital"
Ao chegar em casa do plantão, o médico 'Z' logo toma banho e a roupa com que chegou da rua é colocada em um balde com sabão em pó e cloro. Na unidade onde trabalha, ainda não há grande número de pacientes com Covid-19, mas ele atendeu pelo menos uma pessoa suspeita. Ela está internada há 10 dias.
"A paciente estava bem, com respiração normal, e em questão de 4 horas evoluiu para o tubo com muita falta de ar. Isso é uma característica marcante da doença, a rapidez. Eu sou uma pessoa tranquila, não perco o controle fácil, mas é visível a tensão no hospital. Nesse momento, temos os equipamentos, mas a gente sabe que vão faltar daqui a pouco. Em 20 dias, a doença pode ter o seu pico. E fica a preocupação se vai ter leito para todo mundo".
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