Moscou - A crise na Ucrânia pode acabar se Kiev aceitar retirar suas tropas depois do possível adiamento de um referendo marcado para 11 de maio sobre a independência da República de Donetsk, declarou nesta quarta-feira um porta-voz do presidente russo, Vladimir Putin.
Se o apelo do presidente russo para adiar o referendo for ouvido pelos separatistas pró-Rússia e "se Kiev suspender sua operação militar e tomar medidas para retomar o diálogo, isso pode tirar a Ucrânia desta situação, que neste momento só piora", anunciou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, ao site russo Slon.ru.
Depois de se reunir em Moscou com o presidente em exercício da OSCE, Didier Burkhalter, Putin havia pedido aos separatistas o adiamento do referendo previsto para domingo.
"Pedimos aos representantes do sudeste da Ucrânia que adiem o referendo previsto para 11 de maio para criar as condições de diálogo necessárias", afirmou Putin durante uma entrevista coletiva na saída de seu encontro com o presidente da OSCE, Didier Burkhalter, em Moscou.
Putin também admitiu que a eleição presidencial ucraniana de 25 de maio poderia ser "um passo na direção certa", mas considerou que não resolverá "nada se todos os cidadãos da Ucrânia não entenderem como os seus direitos serão protegidos depois da celebração das eleições".
No encontro, Burkhalter propôs uma abordagem de quatro pontos: "cessar-fogo, desarmamento, diálogo e eleição" para reduzir a tensão na Ucrânia.
Pouco depois da declaração de Putin, o chefe separatista Denis Puchilin indicou que a proposta do presidente russo seria estudada na quinta-feira, durante uma reunião.
Tropas russas se retiram
Putin também afirmou que as tropas russas se retiraram da fronteira com a Ucrânia, onde a Otan havia estimado no final de abril o seu número em até 40.000 homens.
"Nos disseram constantemente que a mobilização de nossas tropas na fronteira com a Ucrânia preocupava. Nós as retiramos", garantiu Putin.
Contudo, a Otan afirmou que não tem "indicações" que possam confirmar tal retirada. "Não temos indicações sobre mudanças nas posições das forças militares próximas à fronteira ucraniana", informou uma autoridade.
A Casa Branca teve a mesma reação, declarando não ter provas até o momento de uma retirada russa da fronteira.
Segundo o chefe de Estado russo, a reunião com o presidente da OSCE permitiu mostrar que seus "enfoques sobre como resolver a crise são muito parecidos".
A organização suíça havia pedido na terça-feira uma nova reunião em Genebra, referindo-se ao acordo diplomático concluído em 17 de abril, e um cessar-fogo na Ucrânia para permitir a realização das eleições presidenciais de 25 de maio.
Os ocidentais consideram ser fundamental que esta eleição ocorra concretamente, sob o risco de o país "mergulhar no caos e na guerra civil", segundo palavras do presidente francês François Hollande.
A Rússia, que não reconhece as autoridades provisórias de Kiev, considerava até o momento absurda a realização das eleições no contexto atual de violência.
Pouco antes das declarações de Putin, o ministro das Relações Exteriores britânico, William Hague, havia afirmado em Kiev que "não tinha dúvida" de que a Rússia buscaria "orquestrar um conflito e provocações no leste e no sul da Ucrânia" com o objetivo de "perturbar a eleição de 25 de maio".
Mais cedo nesta quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, acusou mais uma vez os europeus de ignorar o surgimento do "fascismo" na Ucrânia.
"O que aconteceu em Odessa em 2 de maio é fascismo puro e simples", declarou em referência ao incêndio na Casa dos Sindicatos de Odessa, sul da Ucrânia, que matou 42 pessoas, em sua maioria militantes pró-Rússia.
Yatseniuk em Slaviansk
O primeiro-ministro ucraniano, Arsen Yatseniuk, viajou a Slaviansk, epicentro dos confrontos entre pró-russos e as forças de ordem ucranianas, onde se reuniu com soldados e agradeceu-lhes pelo seu empenho.
"Mesmo que a Rússia disponha de um exército mais poderoso e mais bem equipado, temos algo mais importante: o espírito e a vontade", disse.
Na madrugada desta quarta-feira foram ouvidos disparos de armas pesadas e rajadas de fuzis. Na estrada de Mariupol para Berdyansk, insurgentes atacaram um ônibus que transportava homens das forças especiais da polícia, segundo o ministério do Interior.
"Uma verdadeira batalha de mais de uma hora", durante a qual um agressor foi morto e outros dois capturados, de acordo com a mesma fonte.
Em Mariupol, ao sul da região de Donetsk, as autoridades lançaram um ataque nesta quarta-feira para retomar o controle da cidade, ocupada no mês passado por insurgentes locais.
Armados com bombas de gás lacrimogêneo, a polícia içou a bandeira ucraniana no telhado do edifício, antes de deixar o local.
Sobre o referendo marcado para domingo, o secretário de Estado americano, John Kerry, falou de uma "fraude" e evocou o caso da Crimeia.