Por parroyo

Confrontados pela perspectiva de uma nova Cortina de Ferro na fronteira com a Rússia, os maiores países da União Europeia estão tomando outro caminho.

Alemanha, França, Itália e Espanha estão reduzindo gastos em defesa justamente no momento em que uma série de países do flanco oriental da União Europeia, do Mar Báltico à Romênia, aumentam os investimentos em armas. A Estônia, que tem fronteira com a Rússia, gastou uma fatia maior de sua produção nacional com defesa do que a França em 2013 pelo segundo ano seguido, mostram números da Otan.

A divergência Leste-Oeste da Europa sublinha a influência de Vladimir Putin sobre os líderes da UE, que não têm a vontade e os meios de enfrentar as ações empreendidas por ele para reconstruir sua influência na zona tampão entre a Rússia e os estados-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Se nada for feito na Ucrânia, Putin terá destruído a ordem pós-Guerra Fria que viu a UE e a Otan abarcarem 10 ex-satélites soviéticos enquanto a Rússia apenas assistiu, disse Jan Techau, diretor do escritório de Bruxelas da Carnegie Endowment.

“O velho paradigma da UE atingiu um obstáculo, porque agora os russos não querem entrar em acordo”, disse Techau, em entrevista por telefone. “A Europa agora precisa de uma nova caixa de ferramentas com mais unidade, mais dinheiro e um aprofundamento dos laços para não membros do Leste”.

Enquanto a Ucrânia caminha em direção a uma guerra civil, a UE enfrenta dificuldades para mostrar a solidariedade que se pede que ofereça. Surgiram rachas em relação a sanções para atingir a Rússia, enquanto o dinheiro para defesa está em falta após mais de quatro anos de crise de dívida na zona do euro.

Cortes em Defesa

Os gastos europeus com defesa caíram para uma média de 1,6% do produto interno bruto no ano passado, contra 2,5% no período 1990-1994, segundo estimativas da Otan divulgadas em 24 de fevereiro. Nos EUA, a fatia de 4,4% pouco mudou nas duas últimas décadas.

A incerteza impulsiona a “instabilidade” do sul da Bielorrússia ao Cáucaso, passando pela Ucrânia, situação que Techau diz que “será o novo normal na Europa”. A estratégia russa “é criar problemas locais para seus vizinhos para evitar que eles se unam à UE”, disse Joerg Forbrig, executivo sênior de programas do escritório da German Marshall Fund of the U.S. em Berlim.

Enquanto a Europa Ocidental começa a relaxar, a Polônia se prepara para anos de insegurança. O maior dos antigos países comunistas a ingressar na UE, o que ocorreu em 2004,  faz fronteira com a Rússia, a Bielorrússia e a Ucrânia. “Precisamos nos preparar para uma instabilidade continuada no Leste”, disse o ministro das Relações Exteriores, Radoslaw Sikorski, no dia 8 de maio, em discurso ao Parlamento, em Varsóvia.

A Polônia, que já investe acima da média europeia em defesa, planeja assinar um contrato para a compra de 70 helicópteros de transporte tático de longo alcance e obter uma participação em uma parceria de defesa com mísseis. A Letônia, um estado báltico que limita com a Rússia e a Bielorrússia, aumentou os investimentos em quase 12 por cento no ano passado, embora o maior incremento, de quase 15 por cento, tenha sido visto na Romênia, que faz fronteira com a Ucrânia.

Esses porcentuais ainda são ofuscados pelos gastos militares da Rússia. Com US$ 91 bilhões em 2012, o país teve o terceiro maior gasto do mundo, atrás dos EUA e da China, segundo o Stockholm International Peace Research Institute.

“Essa nova prontidão da Rússia para usar a força para mudar fronteiras” agora “exige claramente uma resposta firme de dissuasão que inclua a aplicação de sanções e a tranquilização dos membros da Otan”, disse o International Crisis Group, com sede em Bruxelas, hoje, em um relatório. A entidade defendeu que os líderes da Ucrânia declarem que o país não buscará uma adesão à Otan e proclamem uma “neutralidade permanente”.

Doutrina Brejnev

A intervenção russa em seus vizinhos no governo Putin tem semelhanças com a Doutrina Brejnev, na União Soviética, sob a qual estados-satélites e vizinhos eram impedidos de estabelecer políticas domésticas. O líder soviético Leonid Brejnev ordenou as invasões da Checoslováquia em 1968 e do Afeganistão, em 1979.

Com a ascensão do sistema baseado nas regras pós-Guerra Fria da União Europeia para o continente, do Conselho da Europa e da Organização para Segurança e Cooperação na Europa, a Doutrina Brejnev foi deixada de lado e substituída pelo que um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores soviético em 1989 chamou de “Doutrina Sinatra”, em alusão à música “My way”, de Frank Sinatra, por meio da qual antigos satélites foram autorizados a decidir políticas internas por si só. Isso terminou com a Guerra na Geórgia, em 2008.

O que está sendo testemunhado agora “é algo como uma Brejnev menor, porque daria a Moscou um poder de voto sobre alguns aspectos da política externa de alguns países”, disse Techau. “O Ocidente, é claro, oficialmente não aceita isso, mas está silenciosamente disposto a consentir”.

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