Por marta.valim

A Argentina e os fundos especulativos não chegaram a um acordo pela disputa em torno de sua dívida soberana, disse na quarta-feira o ministro da Economia, Axel Kicillof, depois de dois dias de discussões em Nova York e da declaração de um default seletivo por uma agência de classificação de risco.

"Tentavam nos impor algo que era ilegal. A intenção era forçar uma situação ilegal. A Argentina está disposta a dialogar, a chegar a um consenso. Vamos buscar uma solução justa, equitativa e legal para 100% de nossos credores", disse Kicillof ao se referir às negociações pela sentença de um juiz federal americano a favor desses fundos.

"Infelizmente, não houve acordo e a República Argentina cairá de maneira iminente em 'default'", confirmou o mediador judicial Dan Pollack.

A Standard & Poor's declarou a Argentina em "default seletivo" no fim do prazo final na noite de quarta para que pagasse 539 milhões de dólares a credores que possuem bônus reestruturados nas trocas de 2005 e 2010. Esse dinheiro foi enviado pela Argentina a Nova York, mas bloqueado pelo juiz Thomas Griesa até que sua sentença fosse cumprida.

O "default seletivo" significa que o governo argentino segue honrando parte de sua dívida, mas não efetuou o pagamento de bônus específicos. O anúncio foi feito quando ainda não tinham terminado as negociações em Nova York entre o governo de Buenos Aires e os fundos especulativos, que exigem US$ 1,33 bilhão por bônus não pagos de 2001.

Kicillof rejeitou que a Argentina tenha entrado em 'default': "Este dinheiro está aí, é evidente que se houvesse um 'default' ele não estaria aí. A Argentina pagou, tem dinheiro, vai seguir pagando. A responsabilidade disto é do juiz Griesa".

O ministro criticou a dureza de Griesa, que concedeu poder excessivo aos fundos "holdouts" e deixou em suas mãos a decisão de uma suspensão da sentença, como pedia a Argentina para poder seguir pagando os credores que aderiram à renegociação da dívida.

No dia 26 de junho, a Argentina depositou pagamentos no valor de 539 milhões de dólares aos credores da dívida reestruturada, mas o juiz Griesa bloqueou o dinheiro depositado em Nova York, vinculando sua liberação ao pagamento dos "holdouts".

"Vamos pagar os que têm bônus em default, mas sob condições razoáveis, não sob condições extorsivas, sob pressão, sob ameaça", insistiu Kicillof, ressaltando que a Argentina defenderá as "bem-sucedidas" trocas de sua dívida soberana, aceitas por 92,4% dos detentores dos títulos com remunerações de até 70% do valor nominal dos títulos em default em 2001.

Segundo Kicillof, durante as discussões a Argentina ofereceu aos fundos NML Capital e Aurelius uma troca em "condições similares às dos credores de 2005 e 2010".

"Fizemos essa oferta. O que oferecemos em termos de ganho foi 300%, mas não aceitaram porque querem mais e agora", afirmou.

Nas discussões em Nova York, o governo argentino tentou convencer os fundos "holdouts" a aceitar o pagamento dos 1,33 bilhão de dólares depois do dia 1º de janeiro de 2015, quando expira a cláusula Rufo, que obriga o país a equiparar credores que aceitaram as propostas de reestruturação da dívida a qualquer outro credor que receba melhor tratamento.

A Argentina também tentava obter um "stay" (medida cautelar para suspender a aplicação da decisão) para facilitar as negociações com os "holdouts" envolvendo a cláusula Rufo.

Bancos argentinos agiram

Segundo a imprensa, os bancos privados argentinos tentaram ajudar na negociação, propondo uma complexa triangulação para a compra dos bônus em poder dos litigantes e seu posterior recebimento em títulos novos em dólares do governo, sem a intervenção estatal e evitando a aplicação da cláusula Rufus.

A ideia era "comprar a dívida, guardá-la e negociar com o Estado argentino no ano que vem", explicou a analista Marina Dal Poggetto, da consultora Bein y Asociados.

Os bancos privados argentinos também teriam proposto uma garantia de 250 milhões de dólares para desbloquear as negociações entre Buenos Aires e os fundos especulativos.

Consequências de uma moratória

Esta é a segunda moratória da Argentina em 13 anos, depois de o governo ter declarado em 2001 a suspensão do pagamento de uma dívida de 100 bilhões de dólares, que representavam 166% do seu PIB. A diferença é que naquela ocasião foi o país que decidiu declarar a moratória.

"A Argentina tem se mantido afastada dos mercados financeiros por muito tempo e, embora o default seja sempre lamentável, não acreditamos que tenha consequências significativas fora do país", previu na terça-feira a presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde.

Apesar de o governo argentino insistir que "não acontecerá nada" por se tratar de situações diferentes, os analistas apontam uma série de consequências negativas para a frágil economia do país. Entre elas, uma desvalorização maior do peso e o aumento da inflação, além da marginalização dos mercados de capitais e da recessão.

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