Por marta.valim

Borislava Manojlovic, especialista em resolução de conflitos, já participou de missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) na Croácia e no Kosovo. Diretora de pesquisas do Programa de Preveção ao Genocídio da Escola de Resolução de Conflitos da Universidade George Mason, no estado de Virginia (EUA), ela disse ao Brasil Econômico que a Rússia tem justificado suas ações na Ucrânia a partir da postura ambígua das potências ocidentais em várias crises. Borislava ministrou no último dia 25 a palestra “Cultura, Gênero e Práticas de Mediação”, no Brics Policy Center da PUC do Rio.

Diante da escalada da tensão da crise ucraniana, a sra. vislumbra um novo cenário de enfrentamento entre potências?

Não acho que há muita chance para um conflito aberto e direto entre as potências na Ucrânia. Mesmo assim, é óbvio que Estados Unidos, União Europeia e Rússia usam diferentes meios para apoiar seus “patrocinados” no conflito. Mas se querem uma resolução, a coisa mais importante é parar imediatamente com a violência, as mortes e o deslocamento de pessoas, para, em seguida, iniciar um processo de mediação. E isso envolveria inevitavelmente todas as partes relevantes.

A sra. trabalhou como mediadora em conflitos na Croácia e no Kosovo, onde relações culturais estavam em jogo. Agora, no conflito da Ucrânia, parte da população ucraniana se vê como russa, apesar de habitar o território reconhecidamente ucraniano. Como a sra. vê isso?

A resposta do Ocidente para a situação na Ucrânia invoca a legitimidade dos princípios da soberania do Estado-nação da Ucrânia, bem como a indivisibilidade e a inalienabilidade de seu território. Mas existem inúmeros casos, como o da Iugoslávia, onde estes princípios não importam muito para o Ocidente. Há uma política ocidental de dois pesos e duas medidas e a Rússia usa essa política para justificar a sua posição atual. Os princípios da auto-determinação de um grupo de pessoas no interior do estado e a soberania do estado ucraniano estão colidindo e ainda é muito difícil prever um resultado no ponto em que estamos.

Como a sra. vê as críticas que a ONU sofre, como a de ser inoperante frente a vários conflitos pelo mundo, se limitando a notas protocolares de repúdio?

É fácil criticar a ONU, mas trata-se de uma organização composta por Estados membros. O Conselho de Segurança é formado por 15 países poderosos, cujos interesses nem sempre coincidem. Acho que os fundadores idealistas da ONU estavam unidos em uma visão de paz, de que precisávamos de uma organização capaz de impedir as guerras e proteger os civis. Mas isso foi no rescaldo da Segunda Guerra Mundial e, desde então, a situação mudou muito. Precisamos aceitar que a única maneira de lidar com o conflito no Oriente Médio, por exemplo, é pelo diálogo contínuo com as potências.

Como a sra. avalia o modelo de intervenção norte-americana em áreas instáveis no mundo?

As intervenções militares não funcionam, especialmente quando são feitas sem se pensar no longo prazo e nas suas consequências não intencionais. Se a vitória é definida pela substituição de um regime por outro, como se vê no Iraque, é muito frágil. Violência traz mais violência e deixa um longo rastro de destruição e injustiças, geralmente com o grupo deposto do poder. Por outro lado, a situação das minorias no Iraque é muito difícil. Essas pessoas precisam de ajuda e a comunidade internacional tem a responsabilidade de impedir o genocídio e atrocidades em massa contra qualquer grupo alvo. Não devemos esquecer o Capítulo VII da Carta da ONU, que inclui sim a ação militar como uma forma de restaurar a paz e segurança internacionais. ‘R2P’ (sigla para “responsabilidade de proteger”) é outra norma de ação reconhecida para proteger comunidades-alvo. Por isso, a ação militar se justifica para efeitos de proteção, mas tem de respeitar o direito internacional.

Israelenses e palestinos assinaram um cessar-fogo, mas esta paz é vista como frágil. Há uma solução duradoura para a região?

A solução para este conflito tem de surgir internamente, a partir das próprias partes. Israelenses e palestinos precisam reconhecer a humanidade do outro, que eles e seus filhos vão ter de aprender a viver juntos, compartilhando a terra, o espaço e o tempo. É o que chamo de responsabilidade relacional, conceito que precisa ser introduzido no funcionamento do sistema internacional e que sugere uma aproximação real, cuidar mesmo do inimigo. Isso implica em escolher a melhor opção tanto para si e para o outro, até porque, no caso, o outro é uma extensão real de si mesmo.

Você pode gostar