Por monica.lima

Com mais de 1.000 mortos nas regiões de Donetsk e Lugansk, a Ucrânia marcha em direção ao caos. Nem mesmo um comboio de ajuda humanitária, enviada pela Rússia, tem permissão de Kiev para chegar à zona do conflito. A imprensa ocidental não se cansa de dizer que Putin se prepara para jogar o exército russo na crise fomentada pelos Estados Unidos e pela Europa. Me parece que dessa vez Washington comprou uma briga na qual já tem derrota garantia. Tudo é uma questão de tempo. A briga não é exclusivamente com a Rússia mas Moscou pode dar o empurrão decisivo.

Vários autores e analistas já dão como certo o fim do sistema implantado nos anos 70 e que tanto lucro deu até agora aos Estados Unidos. A hegemonia do dólar tem os dias contatos, dizem eles. Resta saber apenas por quanto tempo ele ainda vai se manter como a moeda referência para a maior parte das transações mundiais.

Foi nos anos 70, sob a liderança de Richard Nixon e do estrategista Henry Kissinger, que os Estados Unidos romperam com a equivalência entre dólar e ouro que balizava os valores das moedas mundiais. Encurralados quando a economia sangrava por conta dos gastos com a guerra do Vietnã e o mundo correu para converter dólares em ouro para se garantir, Nixon deu um basta. Cortou a ligação entre metal precioso e verdinhas. Deixou o dólar flutuar. Mas se preveniu. Ele precisava alimentar a demanda por dólares no mundo. Por isso, fechou um acordo com a Arábia Saudita. Em troca de armas e da promessa de defesa eterna, conseguiu que os sauditas passassem a fechar contratos de exportação de petróleo exlusivamente em dólares. Assim, todos os clientes dos sauditas teriam que comprar a moeda americana para adquirir o combustível. Fechado o acordo, em 1974 ele já estava em pleno funcionamento. No ano seguinte, os demais produtores de petróleo aderiram. Nascia o chamado petrodólar.

Mas e a Rússia com isso?

A Rússia de Putin ameaça Washington porque tem feito de tudo para fugir do domínio do dólar na economia mundial. Fechou acordo com a China para aumentar o percentual das trocas comerciais entre os dois países realizadas em rublos ou yuans. Nada de dólar. Fechou com os BRICS a criação de um banco de desenvolvimento que vai livrar os países membros das condições catastróficas impostas pelo FMI toda vez que faz um pacote de ajuda financeira. E as operações não terão como base o dólar e sim algo como o ouro ou a energia. Na contra-ofensiva das sanções impostas a Moscou por conta da Ucrânia, que a União Europeia se viu coagida a seguir, a Rússia respondeu: suspendeu a compra de alimentos dos países que aderiram e já está ampliando o comércio com outros parceiros, como o Brasil, para substituir o que comprava da Europa. Que o digam os produtores brasileiros de carne e de frango.

No fim, as sanções contra a Rússia já estão surtindo efeitos negativos... na Europa. Na quinta-feira da semana passada saiu a notícia: pela primeira vez em um ano, a economia da Alemanha encolheu e isso paralisou a fraca recuperação econômica que a União Europeia vinha experimentando. A Alemanha é a maior parceira comercial da Rússia na UE e é a principal economia do grupo. Se a Alemanha sofre, arrasta com ela toda a Europa. Até onde vai a crença política da Europa na necessidade de isolar a Rússia enquanto a interligação econômica entre eles é cada vez maior e mais vital? Enquanto isso, os Estados Unidos espionam Angela Merkel e acusam a Rússia, sem provas, de estar por trás da queda do voo da Malaysian Airlines na Ucrânia... Me parece que os Europeus estão acumulando uma pilha de motivos para confiar cada vez menos no grande parceiro norte-americano.

Porém, o medo é grande já que os Estados Unidos deram demonstração de força inequívoca contra o último aventureiro que tentou enfrentar abertamente o domínio econômico dos petrodólares. É o que hoje alguns jornalistas e escritores apontam como a verdadeira causa da invasão do Iraque depois dos atentados do 11 de setembro. No livro “Petrodollar Warfare” (poderia ser traduzido como “A Guerra do Petrodólar”), William Clark diz que no dia 24 de setembro de 2000 Saddam Hussein saiu de uma reunião de gabinete e anunciou que ia abandonar o dólar em favor do euro nas exportações de petróleo. De fato, até o ano 2002 ele fez a conversão completa. Em 2003, o país foi invadido, Saddam fugiu, se escondeu em um buraco e acabou enforcado. No dia 5 de junho de 2003 o jornal Financial Times anunciava a volta do Iraque ao mercado internacional de petróleo fechando os contratos, como manda o figurino, em dólares novamente. A conclusão do autor, e de outros analistas, é de que o Iraque serviu de exemplo para quem tentar abandonar a moeda americana. Mas Irã, Síria, Venezuela e Coreia do Norte fizeram o mesmo. E são os grandes inimigos de Washington.

Energia e dólares estão na base de grandes disputas e conflitos. A maior reserva mundial de gás natural foi descoberta em uma área que liga Qatar e Irã. O governo iraniano fechou acordo com Iraque e Síria para construir um gasoduto e levar o combustível à Europa. O gasoduto da amizade, para uns, ou o gasoduto islâmico, para outros. Submetido a um embargo econômico desde 2002, o Irã precisa de uma saída para vender o gás que até recentemente trocava por ouro como forma de fugir das sanções. Mas Washington eliminou essa saída também barrando as trocas com metais preciosos.

A saída do Irã é se juntar aos vizinhos e para isso tem o apoio da Rússia e da China. Dois países que têm todo o interesse de criar alternativas aos domínio econômico dos Estados Unidos. Putin, me parece, está bem mais investido nesta guerra do que no conflito armado na Ucrânia.

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