Por monica.lima

Com um metro e noventa e seis de altura, Bill de Blasio tem tudo para chamar a atenção. Na história da família, pais e avós vieram da Itália e da Alemanha. Ele se casou com uma afro-americana. Tem um filho
que mesmo depois do pai ser eleito prefeito de Nova York, manteve o cabelo black power oferecendo à imprensa norte-americana uma imagem sem precedentes da nova família à frente da prefeitura novaiorquina. De Blasio é um retrato da diversidade da cidade que comanda. Ele foi eleito com mais de 70% dos votos. Um feito! E não se mudou para a residência oficial. Continua morando na casa do Brooklyn, de onde se lançou na política.

Mas com todos esses predicados inusitados, de Blasio é discreto. Poucas pessoas, no voo que peguei há poucos meses, se deram conta de que era ele sentado na frente do avião, na ponte aérea Washington-Nova York. Assim como entrou no voo sem chamar atenção, ele se levantou e foi embora, acompanhado de dois assessores. Foi também sem muito alarde que de Blasio começou a implementar as mudanças em nome das quais foi eleito. A vitória esmagadora nas urnas foi um eco à narrativa que ele desenvolveu durante a campanha. A história das duas cidades. A Nova York da minoria rica que circula de limusine em Wall Street e a maioria trabalhadora que não pode nem sonhar em alugar um apartamento na ilha de Manhattan.

Na última semana, de Blasio tocou no ponto nevrálgico dessa narrativa. Anunciou um programa de educação que vai investir US$ 150 milhões nas 94 escolas nas quais os alunos têm os piores resultados acadêmicos da cidade. E como vai investir o dinheiro? Transformando as escolas em verdadeiros centros de atendimento da comunidade onde estão. Elas vão oferecer comida, tratamento médico e dentário, aulas de inglês para os pais dos alunos que não falam o idioma e assistência psicológica e psiquiátrica. É exatamente o que o sindicato dos professores propõe há anos. Nas áreas mais carentes, os problemas vão muito além da sala de aula e interferem no desempenho escolar.

Pais que não falam inglês não têm condições de se envolver com a vida escolar dos filhos. De Blasio destacou que um estudo da Escola de Educação da Universidade Harvard, publicado há dois anos, mostra que o envolvimento dos pais com a educação dos filhos produz resultados positivos nos boletins.

Mas a virada essencial é essa: “No passado, muitas escolas foram fechadas repentinamente por causa do resultado dos alunos em testes padrão e isso está errado”, afirmou de Blasio. Com a iniciativa, de Blasio reverteu o projeto que Bloomberg e o resto do país abraçaram nas duas últimas décadas. Fechar as escolas que não têm as notas desejadas e entregar a educação às escolas charter. A educação pública americana, que sempre foi motivo de orgulho do país, passa por um acelerado processo de terceirização. O setor financeiro e as empresas de tecnologia descobriram na educação a nova fronteira do lucro. Uma nova maneira de transferir riqueza do andar de baixo para o de cima.

A respeitada historiadora e educadora Diane Ravitch, autora de mais de dez livros sobre o sistema de ensino americano, trabalhou no governo de George Bush, o pai, e na época era uma das grandes entusiastas da necessidade de reformar o ensino do país. Dar aos pais “escolhas”. Ou seja, a chance de tirar os filhos da escola pública e transferi-los para uma escola charter. As empresas de produção de provas padrão e as cadeias de escolas charter se multiplicaram. Mas quando se deu conta do que estava realmente acontecendo, Diane Ravitch virou a maior crítica do projeto. E conta, em uma coluna publicada esta semana na New York Review of Books, que tudo começou com o estudo encomendado por Ronald Reagan, em 1983, chamado “A Nation at Risk” (algo como Uma Nação em Perigo). O estudo criou o mito de que o país enfrentava uma grave crise educacional e recomendou incrementar o currículo, aumentar os salários dos professores, aumentar o número de horas de aula e criar testes padrão nos pontos de mudança, como na passagem do ensino médio para o superior. Apenas o quesito testes foi levado adiante e instituído para todos os anos.

De lá para cá, todos os presidentes assumiram o mandato prometendo ser “O Presidente da Educação”. Os americanos não se saem bem nos testes internacionais. Estão sempre na média ou abaixo da média quando comparados com os demais países do primeiro mundo. Mas isso já era assim vinte anos antes de Reagan encomendar o tal estudo sobre a crise da educação. Com todos os programas adotados nas últimas décadas e a multiplicação de provas e testes, nada mudou. Mas foram justamente esses testes que Bloomberg usou como pretexto para fechar as escolas que não iam bem. O ex-prefeito de Nova York não foi o único. A febre do fechamento de escolas públicas consideradas “fracassadas” tomou conta do país. As mesmas provas usadas para medir o desempenho dos alunos passaram a valer também como medida do desempenho dos professores.

Agora, em Nova York, cidade que tem tanta visibilidade no país e no mundo, de Blasio vai dar início a uma reviravolta. Vai botar o ensino no contexto social e econômico. Não vai procurar os culpados pelo resultado negativo das escolas situadas em bairros mais pobres ou de maioria de imigrantes e sim investir nessas escolas, transformá-las em polos de soluções para as comunidades nas quais estão inseridas. Ele vai contar com um professorado entusiasmado, que vai agradecer a oportunidade de fazer diferença. O projeto vai precisar de tempo para mostrar resultados. Mas pode oferecer uma lição e tanto não só para outras cidades americanas como para líderes de outros países que acham que a solução de qualquer problema é copiar a fórmula norte-americana.

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