Por monica.lima

Neutralidade na internet. O nome é muito bom mas diz pouquíssimo a respeito da briga que envolve a regulamentação de um serviço que até aqui vem operando livremente nos Estados Unidos, sem responder a ninguém mais do que às regras do mercado. Um setor que experimentou uma rápida concentração e hoje é dominado por um grupo reduzido de empresas. Por isso, esse grupo tem um poder de barganha cada vez maior sobre um produto considerado essencial e até mesmo estratégico: proporcionar a existência da internet.

O consumidor americano se deu conta do problema no começo deste ano quando a Comcast, uma das provedoras de internet que dominam o mercado, deixou o sinal da Netflix engarrafar. A Netflix tem 36 milhões de assinantes fiéis nos Estados Unidos (outros 14 milhões fora daqui) que estão acostumados a assistir filmes em casa, no computador, ou ligando o computador ao telão de casa. Quando o sinal engarrafou, os filmes em casa não baixavam, paravam no meio, aquela chatice... O que a Netflix fez? Pagou uma taxa extra para garantir tratamento preferencial e ter certeza que os filmes dos clientes dela passariam rapidamente, sem interrupção, pelo terminal de onde o sinal de internet é distribuído: no caso, a Comcast. É o que muita gente chama de pista rápida. Analogia às pistas de autoestradas reservadas para os carros com mais de um passageiro onde o trânsito flui sem engarrafamentos.

Quando ainda era candidato a presidente, Barack Obama defendeu com veemência a neutralidade na internet. A garantia de que todo mundo tem direito ao mesmo serviço, à mesma qualidade e rapidez de sinal, seja o consumidor uma grande empresa, uma companhia que está apenas começando ou um indivíduo. Nada de pagar mais para ter um serviço melhor. Mas no primeiro mandato, Obama não se pronunciou sobre o assunto. Agora, pressionou a Comissão de Comunicação Federal, a FCC, a tomar uma atitude. A FCC é o órgão regulador, que vigia a atividade das empresas de comunicação. É um órgão independente mas tem como chairman alguém indicado pelo presidente da república e aprovado pelo Congresso.

Aqui a brincadeira começa a ter graça. Quem foi que Obama escolheu para chairman da FCC em novembro do ano passado? Tom Wheeler, aprovador por unanimidade no Senado. Foi, talvez, uma forma de agradecer. Wheeler trabalhou junto ao empresariado e levantou uma boa contribuição financeira para o fundo de campanha do presidente. Mas Wheeler não era um desconhecido do setor. Ele era lobista das empresas de telecomunicação. As mesmas que fornecem serviços de internet que ele agora regula.

Então, um resumo da história: nos anos 80 a FCC dividiu os serviços de comunicação em dois, um básico (cuida das linhas, da transmissão das informações) e o avançado (processa as informações). Para o primeiro, as regras são mais claras e bem definidas para garantir o acesso a todos. Até 2002, os provedores de internet caíam nessa categoria mas passaram para a segunda, cujas leis são mais flexíveis. Ou seja, a própria FCC caçou o direito que ela tinha de regulamentar essas empresas. Agora, toda vez que baixa uma regra, as empresas entram na justiça e ganham porque o tribunal reconhece que a FCC não tem o direito de impor medidas a elas.

Obama surpreendeu todo mundo quando saiu em defesa do acesso igual e garantido para todos. Mas agora, com apenas um ano e meio de mandato pela frente, sem a possiblidade de uma nova eleição, ele parece decidido a fazer algumas mudanças e deixar alguma marca na história. E conta com o apoio de muita gente. Dos consumidores e de grandes empresas. Do lado da neutralidade estão empresas gigantescas de distribuição de conteúdo como Google, Yahoo, Netflix, e outras mega empresas que precisam do serviço, como bancos, empresas de cartão de crédito, montadoras de automóveis, a lista é longa...

O presidente Barack Obama disse que “serviço algum deve ficar preso no engarrafamento só porque não pagou uma taxa a mais”. Ele defendeu a reclassificação das fornecedoras de internet como serviços básicos de comunicação para voltarem à esfera de controle e regulamentação da FCC. Mas Tom Wheeler não se intimidou. Em uma reunião com empresas do setor, poucos dias depois das declarações de Obama, ele garantiu que a FCC é um órgão independente (não responde às pressões da Casa Branca) e que ele está buscando um acordo. Uma saída que contemple todos os interesses. Interesses de quem?

O consumidor americano já é bem maltratado pelas empresas que fornecem a internet. Basta comparar com outros países do primeiro mundo. Aqui, paga-se quatro vezes mais pelo serviço do que em Seoul ou Tóquio e nas duas cidades, a internet trafega com o dobro da rapidez. A internet americana é lenta e cara. E as prestadoras do serviço já ganham dobrado. A tal pista rápida já é uma realidade. A exemplo do que fez a Netflix, outras empresas já tem um servidor dedicado, dentro da Comcast, da Time Warner ou da Verizon, para garantir que todo o conteúdo que elas precisam distribuir vá direto para este servidor e dali para seus destinos finais. Um sistema pelo qual ela paga um pouco mais, porém garante distância de qualquer engarrafamento.

Para garantir igualdade de tratamento e a mesma velocidade na transmissão de dados para todos, vai ser preciso levar as empresas provedoras de internet de volta à classificação de serviços básicos.
Aqui, para promover uma mudança dessas, o órgão regulador abre as portas aos comentários públicos primeiros. Nos últimos seis meses, foram mais de quatro milhões de comentários defendendo a regulamentação mais rigorosa. Eles foram assinados por consumidores desconhecidos e por grandes empresas, como as que citei antes (bancos, montadoras, etc.), além das mais interessadas e também gigantes, como Facebook, Netflix, Yahoo e demais. Essa sim é a verdadeira pressão sobre Tom Wheeler. Bem mais intensa e poderosa do que o discurso do presidente Obama. Vai ser uma briga boa. Dessa vez, o consumidor tem aliados de peso. Mas nenhuma garantia de vitória.

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