Por monica.lima

O casal me chamou a atenção. Não foram os primeiros adultos que vejo dormindo na calçada de Nova York. Essa população sem destino e sem teto é flutuante. Já foi muito grande no fim dos anos 80 e começo dos 90. Diminuiu bastante até 2008 e voltou a crescer depois disso. Estima-se que hoje existam cerca de 50 mil sem-teto na cidade. O que a observação empírica informa é que muitos são doentes mentais, drogados, bêbados. Aqueles que ficam nas ruas, nas estações de metrô, ao invés de recorrerem aos abrigos municipais e das instituições de caridade. Mas aquele casal me deu uma sensação sufocante de que qualquer um poderia estar ali, naquela situação. Bastaria perder o emprego, ser despejado do apartamento e não ter a quem recorrer, como é o caso da grande maioria de solitários de Nova York.

Na internet, um colunista reclama que cinco dos maiores bancos do mercado financeiro internacional foram punidos por mais uma fraude escandalosa e a imprensa pouco falou sobre o assunto. Desta vez o Departamento de Justiça dos Estados Unidos exigiu que os cinco admitissem responsabilidade pelo que fizeram. Não foi apenas acertar o preço da multa (quase US$ 6 bilhões ao todo), mas afirmar que cometeram um crime. Réus confessos. Um avanço.

E o que uma coisa tem que ver com a outra? Lado a lado, elas formam o retrato da realidade em que estamos todos inseridos. Um mundo de regras distintas para as diferentes faixas de renda. Senão, vejamos... O que acontece com um cidadão comum, de poucos recursos, ao ser pego com um pacotinho de cocaína ou crack? O flagrante gera pena automática, que juiz algum pode comutar. Uma lei federal reforçada por leis estaduais ainda mais ferrenhas determina pena mínima para esse tipo de crime. Não existe reincidência porque o sujeito vai ficar tanto tempo atrás das grades que não terá chances de sair para mostrar se aprendeu ou não a lição.

Pois no mercado financeiro, uma fraude a mais, uma fraude a menos não acaba nunca em cadeia. O escândalo da vez é o da manipulação do mercado de câmbio. Com a ousadia dos que se consideram intocáveis, operadores de câmbio de cinco grandes bancos formaram um grupo que se auto denominou, sugestivamente, “O Cartel”. Durante seis anos usaram o mercado de câmbio para enriquecer às custas dos clientes. Um dos bancos envolvidos, o JPMorgan Chase, fechou acordo na justiça, em março, para não ir a julgamento e pagou US$ 50 milhões por outra fraude, a das assinaturas falsas em milhares de contratos de financiamento imobiliário levados à justiça. Contratos que deveriam ser reavaliados para permitir que o comprador acertasse novos termos de pagamento e não fosse despejado. Muita gente ficou sem teto nessa brincadeira...

Outro envolvido, no escândalo do momento, é o gigante Citibank, banco que foi motivo de um longo discurso da senadora Elizabeth Warren no plenário do senado americano no fim do ano passado. Warren denunciou que o lobby do Citibank estava na bica de conquistar uma grande vitória. Conseguiu anexar à lei de gastos do Executivo, que o Congresso precisava aprovar com urgência para manter o governo funcionando, um projeto que favorecia os grandes bancos. Depois da crise de 2008, a muito custo o Congresso aprovou a lei Dodd-Frank, que deveria servir como barreira a novas crises do gênero. Entre os dispositivos da lei havia um que impedia o governo de fornecer novos socorros financeiros, como fez naquela época para salvar o mercado financeiro. Pois o apêndice que entrou de contrabando na lei dos gastos anula essa cláusula e abre caminho para que o governo use, novamente, o dinheiro do contribuinte para limpar a sujeirada caso os bancos criem outra confusão especulativa. O adendo, apelidado de “emenda Citigroup”, foi aprovada em dezembro do ano passado.

O Citi, disse a senadora, foi o banco que recebeu o maior volume de dinheiro federal naquela época. Ao todo, meio trilhão de dólares. “Trilhão, com t”, enfatizou Warren. E conseguiu deixar o caminho livre para novas faxinas financiadas pelo conjunto da sociedade. Um levantamento do jornal New York Times, com base em documentos da Securities and Exchange Commission (a CVM americana), mostra que entre 1996 e 2011 os grandes bancos cometeram fraudes repetidas vezes. São, como diz o blogueiro e colunista Richard Eskow, criminosos reincidentes, fraudadores em série.

Em 2012, o escritório de advocacia Labaton Sucharow se juntou à Universidade Notre Dame para estudar a cultura e a ética no setor financeiro em Nova York e em Londres. O resultado não foi muito positivo. Mas depois de uma sequência de multas pagas por fraudes aqui e ali, eles voltaram à carga agora e atualizaram a pesquisa. Ouviram 1.200 funcionários das instituições financeiras nas duas cidades, profissionais em começo de carreira, outros mais experientes e os executivos das empresas. A conclusão foi ainda pior do que há três anos.

Eles constataram uma deterioração da ética, uma disposição, da turma mais nova, de violar as leis sempre que for possível ganhar mais dinheiro. Dentro das instituições, medidas foram adotadas para tornar ainda mais difícil que um funcionário alerte as autoridades para práticas ilegais. Mais de um terço dos entrevistados com salário de US$ 500.000,00 por ano ou mais admitiram ter conhecimento direto de atividades ilegais dentro da empresa onde trabalham.

Para tirar as instituições financeiras do buraco em 2008, o governo gentilmente embrulhou um pacotão de ajuda que foi entregue aos bancos sem pedir nada em troca e sem corrigir as distorções que tornaram possível a criação de gigantes financeiros considerados grandes demais para falir. A experiência ensinou uma, apenas uma, lição ao setor. Qualquer desvio de conduta ou crime que eles cometam se resolve com uma multa, um acordo na justiça, uma tapinha na mão. Mas cadeia? Isso é castigo para crimes menores.

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