Por douglas.nunes

Há dois meses eles se conheceram em Fortaleza. São dois líderes fortes e com apurado faro para os negócios: o presidente chinês Xi Jinping e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi. Nesta semana, eles se reencontraram em Ahmedabad, capital do estado indiano do Gujarat. O chinês prometeu ao indiano US$ 20 bilhões de investimentos, que serão usados na construção de parques industriais, na renovação de estradas de ferros e na construção de trens-bala, além de reformas de portos e de rodovias. Uma injeção de ânimo na infra-estrutura indiana ainda muito debilitada para uma economia emergente que cresce a 5,7% ao ano. Jinping e Modi governam 40% da população do planeta. Não é pouca coisa.

Há anos a China e a Índia fazem um jogo de gato e rato, repleto de desconfianças e intrigas, embora mantenham paralelamente parcerias comerciais e estratégicas, como o Brics, onde têm interesses comuns. O reencontro dessa semana ajudou a compreender um pouco mais a esfinge Narendra Modi, que assumiu o comando em Nova Delhi há pouco mais de 100 dias. Durante a campanha eleitoral havia dúvidas sobre como Modi se comportaria na sua política externa. Ele amargava uma imagem de nacionalista hindu radical, com uma retórica agressiva inclusive com relação às históricas disputas territoriais com a vizinha China, contra a qual a Índia chegou a travar uma guerra em 1962.

A disputa com a China sobre a montanhosa fronteira nos Himalaias, de mais de quatro mil quilômetros, continua viva e foi assunto das conversas dos dois líderes em Ahmedabad, capital do estado indiano do Gujarat. Houve 334 incursões de tropas chinesas em território indiano nos primeiros 216 dias deste ano, o que alimentou o noticiário da mídia indiana. Pequim reivindica 90 mil quilômetros quadrados no estado indiano de Arunachal Pradesh. Nova Delhi quer de volta 43 mil quilômetros quadrados na região da Caxemira.“Já que a fronteira ainda não foi demarcada, às vezes podem acontecer certos incidentes”, minimizou Jinping. A disputa, segundo ele, será resolvida amistosamente e não vai prejudicar a relação dos dois países.

Há nove anos, o embaixador chinês na Índia Sun Yuxi já havia sinalizado o pragmatismo de Pequim : o “B” de “Business” (negócios) é mais importante do que o “B” de “Boundary” (fronteira). O tempo dirá. Modi tem sido descrito pelos chineses como o “Nixon” da Índia: com ele, as relações bilaterais seriam alçadas a um novo patamar. É uma referência ao ex-presidente americano Richard Nixon, que descongelou a relação dos Estados Unidos com a China em sua histórica visita a Mao Tsé-Tung, em 1972.

Pequim vê Modi como um líder forte que pode apresentar resultados, constata Harsh V. Pant, professor de Relações Internacionais do King's College, em Londres. Para sinalizar que o foco de sua visita é o de energizar os laços comerciais, Jinping veio acompanhado de mais de 100 empresários. A China é o maior parceiro comercial da Índia, mas com um crescente déficit comercial de US$ 40 bilhões a favor de Pequim. Modi quer corrigir isso. A combinação da "fábrica do mundo" e do "escritório de serviços de apoio" vai direcionar o crescimento econômico mundial, afirmou Jinping, referindo-se à base industrial da China e às habilidades científicas e de software da Índia.

O primeiro-ministro indiano, apoiado com fervor pelos empresários de seu país, demonstrou seu tino para negócios e que sabe tirar vantagens da rivalidade entre China e Japão. Só neste mês ele conseguiu mais de US$ 50 bilhões em investimentos da China (US$ 20 bilhões) e do Japão (US$ 35 bilhões). Modi foi recebido pelo primeiro-ministro japonês Shinzo Abe em Tóquio e Kyoto nos primeiros dias de setembro. Os US$ 20 bilhões prometidos nos próximos cinco anos por Jinping contrastam com os US$ 400 milhões que a China investiu na Índia nos últimos 14 anos.

Xi Jinping tentou conquistar os indianos vestindo um tradicional “colete Nehru” branco. Esses coletes viraram moda nos anos 50 quando o então primeiro-ministro Jawaharlal Nehru, o primeiro governante da Índia independente, o popularizou. Hoje, tornou-se uniforme de todos os políticos indianos (nenhum usa terno e gravata). A visita de Jinping _ a primeira de um chefe de Estado chinês à Índia em oito anos _ sinalizou a sede de negócios da “Chíndia”. Tudo nesse visita histórica foi cercada de forte simbolismo de cooperação econômica, apesar dos problemas fronteiriços que fazem com que os dois países mantenham, cada um, 500 soldados nas áreas em disputa. Jinping foi também o primeiro chefe de Estado estrangeiro a ser recebido fora da capital Nova Delhi. O presidente chinês desembarcou na Índia na quarta-feira, quando Modi completava 64 anos. O indiano levou o colega chinês para conhecer o Ashram Sabarmati em Ahmedabad, o retiro espiritual onde viveu Mahatma Gandhi nos primeiros anos de luta contra o Império Britânico. Lá, Modi ensinou a Jinping a usar a “charkha”, a roda de tecer que Gandhi transformou em símbolo da luta pela independência da Índia, uma alusão ao seu movimento de resistência aos produtos importados da Inglaterra, como os tecidos. Hoje, ironicamente, é a China que inunda a Índia de produtos importados.

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