Filho de médicos, o advogado Rodrigo Belda encontrou na internet uma alternativa para contornar as dificuldades enfrentadas por milhões de brasileiros de baixa renda no acesso a consultas médicas. Em conjunto com o consultor Paulo Nakamura, Belda prepara o lançamento de um aplicativo e um site — o Meu Doutor — que permite a usuários cadastrados no SUS marcarem consultas com médicos dispostos a doar parte do seu tempo para atender pacientes sem condições de pagar uma consulta.
Ainda em fase de testes, o Meu Doutor é um dos projetos que marca a entrada no país — em 2014 — da Yunus Social Business, empresa global capitaneada pelo Prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus. Com atuação em mais seis países além do Brasil, a Yunus é parte de um grupo de investidores que quase triplicou de tamanho entre 2012 e 2013: o dos fundos e empresas focados exclusivamente em negócios de impacto ambiental, voltados para resolver carências nas áreas de saúde, educação e saneamento, entre outras.
Levantamento da Ande (Aspen Network of Development Entrepreneurs), rede global que fomenta o empreendedorismo em países emergentes, identificou US$ 177 milhões em recursos disponíveis na carteira de fundos brasileiros para aplicação em empresas que visam a promover mudanças sociais. A pesquisa, desenvolvida em conjunto com os investidores LGT Venture Philanthropy e EQOM Partners, ouviu gestores de 22 fundos — dez nacionais e 12 internacionais. Entre os brasileiros, a projeção de investimento para este ano ficou entre US$ 90 milhões e US$ 127 milhões. Os números representam um salto quantitativo em relação à década passada: entre 2003 e 2013, o volume de recursos investidos por fundos de impacto social no país totalizou US$ 76,1 milhões.
A expansão no total de verbas disponíveis é consequência direta da multiplicação no número de fundos. Apenas no período de 2012 a 2013, o número de investidores focados em start-ups de impacto social subiu de 7 para 20. “Há cada vez mais fundos nacionais sendo criados”, constata Rebeca Rocha, coordenadora do escritório da Ande no Brasil. “Os principais setores em termos de atração desse tipo de investimento são inclusão financeira, educação e saúde. E, num nível menor, os de energias renováveis, habitação e saneamento”. A pesquisa conduzida pela Ande e seus parceiros indica ainda a existência de US$ 3 bilhões na carteira de fundos internacionais com atuação no Brasil, mas estes são recursos que não são necessariamente alocados no país.
Para Rogério Oliveira, sócio e fundador do braço brasileiro da Yunus, o surgimento de novos fundos locais e a atração de players internacionais estão ligados à desigualdade econômica existente no país, mas também a uma mudança de mentalidade. “Cada vez mais as pessoas se perguntam: ‘por que comprar isso?’, em vez de ‘para quê comprar isso?’”, sustenta Oliveira. “O consumidor quer saber a origem do produto, em que condições foi fabricado. E os investidores estão mais sensíveis a aportar dinheiro em coisas que produzam retorno econômico, no sentido original da palavra, e não só financeiro”. Embora os valores captados e desembolsados ainda sejam muito inferiores aos dos fundos tradicionais, os investidores que buscam impacto social também estão atrás de bons negócios. “A única diferença para os fundos tradicionais de venture capital é esse olhar adicional para o capital social”, afirma Renato Kiyama, diretor de Aceleração da Artemísia, organização de fomento a negócios de impacto social no país. A Yunus é uma exceção à regra. Em seu modelo, no fim do período de maturação, que dura em média cinco anos, o investidor retira sua aplicação sem qualquer rendimento.
Com ou sem lucro, todos esses fundos compartilham uma característica, a busca por negócios facilmente replicáveis em grandes proporções. “Por que negócio de impacto social e não filantropia? A resposta está na escala. Por que crescer? Porque o problema é grande”, argumenta Kiyama, da Artemísia, citando como exemplo o déficit habitacional brasileiro. A expectativa da Yunus Negócios Sociais, por exemplo, é captar R$ 40 milhões, dos quais R$ 10 milhões seriam desembolsados em 2015. A intenção é contemplar dez projetos, com R$ 1 milhão cada um.
Apesar do crescimento no volume de recursos disponíveis, tanto Renato Kiyama como Rebeca Rocha e Rogério Oliveira concordam que há uma escassez no país de empresas que se enquadrem nos critérios de impacto social adotados pelos fundos. “Existem poucos negócios em estágio ideal para que esses investidores acabem fazendo aportes”, diz Kiyama. Entre as condições necessárias, o diretor da Artemísia cita a adoção pelos empreendedores de um modelo de negócios capaz de funcionar na prática e a existência de uma equipe de gestão com experiência e capacidade de execução. “Hoje não temos projetos suficientes para investir os recursos”, diz Oliveira.