Por monica.lima

“Casa Grande”, de Fellipe Barbosa, se passa num ambiente bem conhecido dos moradores do Rio de Janeiro: a Barra da Tijuca. A família de classe média alta que protagoniza o filme vive numa mansão que poderia fazer parte de quaisquer dos grandes condomínios do bairro. Eles têm motorista, empregados, garagem com meia dúzia de carros e o filho estuda num tradicional colégio da cidade.

Tudo vai bem até o dia em que o pai (Marcelo Novaes, ótimo) percebe seu mundo desmoronar na batida da quebradeira do mercado financeiro. Ele e a esposa tentam esconder do mundo ao redor, sobretudo do casal de filhos, os sinais evidentes da falência, que determinam mudanças nos hábitos financeiros ao mesmo tempo que expõem as mais frágeis convicções da suposta estabilidade emocional, familiar e doméstica.

Quem segue, a princípio de forma ingênua, este rastilho de pólvora é o filho Jean (Thales Cavalcanti, ótimo 2), um clichê do adolescente imberbe, espinhento, inseguro, cercado de amigos infantilizados, que encontra na empregada sensual um refúgio para compensar suas noites de solidão, ainda que somente platônico, sem sexo. Ela e o motorista são as verdadeiras referências do jovem, diante da usual indiferença dos pais. É onde casa grande e senzala se abraçam. Por isso, é a partir do momento que perde as regalias, que Jean inicia o doloroso rito de passagem que o levará à vida adulta e a sepultar o clichê.

“Casa Grande” embarca na viagem de Jean com olhar meticuloso. Obrigado a andar de ônibus, ele irá quebrar a blindagem da redoma social em que vivia conhecendo uma outra cidade, para além da sua Barra da Tijuca. Passará a frequentar as noites da Lapa, as areias da zona Sul e as meninas da Rocinha. Seus novos hábitos trarão à tona os mais pavorosos preconceitos paternos, da falsidade na relação “cordial” com os empregados ao mais profundo preconceito racial quando o assunto são as cotas para universidade.

Assim “Casa Grande” mostra a Barra, mostra o Rio, mas acima de tudo mostra o Brasil. Difícil não encontrar pontos em comum entre a sequência de um acalorado churrasco com a da reunião de condomínio de “O Som ao Redor”, de Kléber Mendonça Filho. Ou enxergar no desamparo de Jean o mesmo dos personagens de “De Menor”, de Caru Ribeiro. Isto sem falar da cumplicidade familiar entre filhos de patrões e empregados tão bem explorada no ainda inédito “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muyalert.

Como o jovem Jean, em suas viagens da Barra à Rocinha, o cinema segue enxergando nas ranhuras da sociedade as contradições da casa grande chamada Brasil.

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