Publicado 27/07/2020 11:16 | Atualizado 29/07/2020 15:58
Niterói - Ainda inativa devido à pandemia do novo coronavírus, a loja maçônica Acácia estuda a possibilidade de retorno no dia 17 de agosto, determinada pelo Grande Oriente do Brasil (GOB), sua instância superior sediada em Brasília. A sesquicentenária unidade foi a quarta instalada na cidade, porém hoje é a mais antiga ainda existente. A primeira teria sido a Loja Reunião em 1801 no antigo Porto do Méier (hoje Rua Benjamin Constant), quando Niterói ainda era Arraial de São Domingos e Praia Grande, um povoado sem autonomia política; depois teriam vindo as lojas Constância e Filantropia. Essas três constam de alguns poucos relatos literários e jornalísticos, porém o GOB não possui registros delas.
A Acácia foi fundada em 18 de janeiro de 1868 no centro do Rio, na Rua do Lavradio, segundo publicação no Jornal do Commercio na época, mas comemora aniversário na data da outorga der sua carta constitutiva: dia 07 de março; em 19 de dezembro do mesmo ano se transferiu para Niterói (onde na época morava a maioria dos irmãos acacienses), instalando-se inicialmente no número 82 da Rua da Conceição, antes de se mudar para São Domingos. O nome adotado se deve ao sentido místico e simbólico da árvore homônima, adorada pelos povos antigos, que significa "indestrutível", já que sua madeira não apodrece graças à composição resinosa. A menos de dois meses de completar 152 anos endereçada na Cidade Sorriso, esta loja maçônica ocupa uma emblemática construção de características peculiares, tombada como patrimônio histórico municipal, e preserva boa parte da memória da Maçonaria brasileira. (Veja mais fotos ao final desta matéria.)
Norteada pelos princípios universais da Maçonaria, a loja sedimentou sua história na filosofia da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que a inspiraram também na defesa pela independência do Brasil, pela proclamação da República e pela abolição da escravatura em nível nacional e também municipal. A partir da Acácia, cresceu o interesse dos niteroienses pela Maçonaria, gerando a fundação de outra loja no ano seguinte, a Vigilância, por iniciativa de um grupo liderado por Prudente Travassos, fundador do jornal O Fluminense. Ambas dividiam o mesmo prédio, mas o espaço era pequeno para as duas, o que motivou a aquisição do imóvel vizinho, em 1885 – ano em que as duas lojas se fundiram em Sociedade Anônima Acácia-Vigilância. Com membros oriundos das duas, fundou-se uma terceira loja, a Aliança, em 1879. A sociedade foi dissolvida em 1903 devido a divergências internas. A Acácia funciona desde então na Rua Hernani Mello.
Desde sua inauguração, personalidades importantes compuseram o grupo da Acácia, congregando uma parte da elite intelectual fluminense: entre elas, Dr. Celestino Gomes da Cunha, famoso advogado criminalista; Alexandre Lavignasse, dono de um famoso salão cultural local; o alto comerciante Antonio Martins Dourado; o padre e educador José Luiz d’Almeida Martins, dono de colégios no eixo Rio-Niterói; o político Pedro Antonio Gomes; o jornalista e poeta Ricardo Maciel Azamor; e o médico Marcelino Pinto Ribeiro Duarte. Apesar do histórico antagonismo com a Igreja Católica, a Maçonaria tinha a adesão de inúmeros padres, que sofreram duras consequências por essa escolha. Na Acácia, são exemplos os vigários Januário da Cunha Barbosa, José Luiz de Almeida Martins e Leandro José Rangel de São Paio.
A sede, tombada pelo Departamento do Patrimônio Cultural (Depac) municipal em 1994, foi construída no final do século XIX, mas recebeu suas características definitivas em 1909. A arquitetura eclética apresenta traços classicistas na fachada, misturados a elementos contemporâneos introduzidos na reforma de 1968. A figura do boi Ápis e o “olho que tudo vê” são peculiaridades tradicionais das unidades maçônicas. O local conta ainda com uma pequena e charmosa biblioteca. Agraciada em 2018 com a Medalha Tiradentes – honraria máxima do Poder Legislativo estadual – por sua trajetória humanística, a encantadora Loja Acácia simboliza, em seu discurso e sua luta, o ideal de uma sociedade igualitária e fraterna.
O venerável mestre atual é Eduardo Cantarino Pereira da Silva, eleito por seus pares para o mandato de junho de 2019 a junho de 2021. "Somos uma associação de homens que buscam praticar a caridade, a beneficência, e esse é nosso objetivo principal. Uma grande família, onde nos tratamos como irmãos e nos ajudamos entre si e a algumas entidades assistenciais, participando de campanhas de doação de alimentos, agasalhos e fraldas. A Maçonaria tem uma filosofia bastante lógica, que nos faz crescer espiritualmente e esclarecer nosso entendimento sobre a vida. Apesar de não ser uma religião, é premissa para a adesão que o membro acredite em um ser superior, ao qual nos referimos como arquiteto do universo, respeitando assim suas várias denominações. Mas dentro da loja não discutimos crenças individuais nem política partidária", afirma.
Apesar de as desconfianças e os preconceitos já terem diminuído significativamente, Cantarino comenta que ainda há o mito em torno das discretas cerimônias. "Os rituais maçônicos são fechados apenas porque a evolução espiritual é muito pessoal para cada um, e esse é o segredo, nada mais do que isso. Aliás, muitas dessas reuniões são para leituras e estudos sobre as questões da humanidade", explica ele, contando que a sociedade maçônica segue os preceitos de uma Constituição formulada na Inglaterra em 1717 e por isso não prevê a participação de mulheres nos mesmos rituais praticados pelos homens maçons, contudo existindo lojas pelo mundo - e também no sul do Brasil - que abrem essa exceção sem o consentimento das esferas federativas superiores.
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