Publicado 13/01/2021 12:45
Niterói - Embora muito se divulgue nas mídias sobre como crianças e adolescentes parecem ser menos suscetíveis às formas graves de manifestação do novo coronavírus, pouco se falou até o momento sobre o impacto da pandemia no seu desenvolvimento biopsicossocial, uma vez submetidos a rupturas cotidianas que ainda não são capazes de compreender com profundidade. Esse é o tema, no entanto, do debate proposto pela equipe da professora Priscilla Oliveira Silva Bomfim, coordenadora do Núcleo de Pesquisa, Ensino, Divulgação e Extensão em Neurociências (NuPEDEN), do Programa de Pós-Graduação em Neurociências do Instituto de Biologia da UFF.
Recentemente, foi publicado pela renomada revista “Progress in Neuropsychopharmacology & Biological Psychiatry” o artigo “COVID-19 pandemic impact on children and adolescents’ mental health: Biological, environmental, and social factors”, escrito conjuntamente pela equipe liderada por Priscilla, composta por Camila Saggioro de Figueiredo, Poliana Capucho Sandre, Liana Catarina Lima Portugal, Thalita Mazala-de-Oliveira, Luana da Silva Chagas, Ícaro Raony, Elenn Soares Ferreira, Elizabeth Giestal-de-Araujo, Aline Araujo dos Santos.
Segundo a professora, as indagações que motivaram a pesquisa começaram a partir da observação do comportamento de crianças e adolescentes que manifestaram alterações de atitude, humor e interação social em virtude do isolamento social. Entre essas mudanças, se destacam modificações do sono e da dieta, agressividade, comportamento regressivo, medo de perda e de morte de familiares. Vários foram os elementos que compuseram a análise multifatorial estudada pela equipe de pesquisadores, como o afastamento do ambiente escolar e o engajamento nas aulas virtuais; as restrições em relação ao brincar livre e aos espaços da natureza; a conexão presencial com familiares; o aumento da violência doméstica e também da negligência; a falta de troca afetiva em outros ambientes que não o familiar; a frustração e incerteza em relação à abertura e ao fechamento das cidades.
Com base nessas observações, os pesquisadores iniciaram uma revisão bibliográfica de estudos desenvolvidos em outras epidemias, considerando que nesta atual pandemia do novo coronavírus ainda havia pouco material publicado sobre o público em questão quando a pesquisa teve início. “Ao buscarmos dados na literatura que relacionavam o estresse não fisiológico (distress) à possibilidade de desenvolver um transtorno mental, ‘viramos a chave’ para a ‘luz amarela’, entendendo que precisamos estar em estado constante de alerta, percebendo os sinais que essa população nos mostra”, ressalta a docente.
A percepção desses sinais apontados pela pesquisadora, no entanto, pode ser muito mais complexa do que se imagina, pois nem sempre são visíveis ou mesmo verbalizados por eles. “Trata-se de uma população que não possui maturidade (física e/ou neurológica, psicológica) e tampouco entendimento da proporção de tudo o que estamos vivendo; no entanto, esses ‘sinais’ podem causar danos imediatos, a médio e longo prazo na saúde mental dessas crianças e adolescentes, que se encontram em pleno desenvolvimento”, enfatiza.
De acordo com a coordenadora, se por um lado essa população necessita de contato social e com a natureza, bem como de um ambiente saudável e seguro para seu pleno desenvolvimento; por outro, o isolamento social é ainda a melhor alternativa para o controle da pandemia, visto não haver no Brasil políticas públicas capazes de fazer frente ao desafio sanitário que se apresenta, aumentando, assim, os riscos e as incertezas.
Considerando essa situação, a equipe do NuPEDEN propôs uma discussão que conecta as dimensões biológica, ambiental e social para entender os efeitos mais amplos provocados pela pandemia na população infantil e adolescente, e também a necessidade de proposição de pesquisas e políticas públicas de longo prazo. “Enfatizamos ser fundamental um investimento nessa linha, com o intuito de mitigar o impacto na saúde mental das crianças e adolescentes, oferecendo-lhes acompanhamento e suporte, assim como para suas famílias e cuidadores”, destaca a professora da UFF.
Já é sabido que as consequências diretas da pandemia nessa população podem compreender desde o aparecimento de lesões na pele até, por exemplo, o desenvolvimento da Síndrome de Kawasaki, que causa inflamação nas paredes de vasos sanguíneos do corpo. Mas os impactos indiretos ainda são desconhecidos, como sugere o estudo desenvolvido pelo NuPEDEN, requerendo um acompanhamento especializado por longo período.
Alguns desses riscos, no entanto, já podem ser vislumbrados, de acordo com Priscilla Bonfim. No que diz respeito às condições de estresse e neuroinflamação, destacam-se as tendências ao desenvolvimento de doenças como depressão e/ou ansiedade; problemas psicológicos como maior preocupação e tendência à irritabilidade; disfunções do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que regula a atuação de substâncias-chave do cérebro, conduzindo a problemas relacionados aos sistemas imunológicos, endócrino e nervoso. Já em relação à alimentação, a pesquisa destaca uma maior ingestão de alimentos com alto teor calórico, por gerar uma sensação de redução da ansiedade, mas que pode conduzir à obesidade infantil, impactar na aprendizagem e memória, e afetar a composição da microbiota intestinal, influenciando nas funções cerebrais.
O estudo também destaca que a formação de laços sociais foi fundamental para a evolução da espécie, garantindo não apenas sua sobrevivência, mas seu desenvolvimento cognitivo, emocional, endócrino e imunológico saudável. Nesse sentido, o isolamento social pode afetar esse processo e ainda, em consonância com os demais fatores, diminuir a atividade física, aumentar o tempo de exposição a telas, conduzir a padrões irregulares de sono e a dietas menos apropriadas para a manutenção da saúde, impactando de forma ampla na regulação do sistema fisiológico.
Outro ponto observado retrata como a pandemia afeta mais a população com baixo poder aquisitivo, com menos condições de contato social através das redes virtuais, de acesso a aulas remotas, e que está mais exposta a situações de violência doméstica e negligência familiar. “A ciência aponta que essas questões impactam desde a síntese de vitamina D, pela baixa exposição ao sol, até o risco para o desenvolvimento de esquizofrenia, vícios (abuso de substâncias) e ideação suicida, ressaltando como os fatores ambientais são de grande importância na formação cognitiva e dos aspectos emocionais, como já relatado em inúmeros trabalhos anteriores sobre o efeito do distress na infância e adolescência”, enfatiza a docente.
Dentre as sugestões trazidas pelo grupo do NuPEDEN para minimizar o impacto da pandemia na vida de crianças e adolescentes, destaca-se a urgência de se garantir a essa população e suas famílias o acesso à assistência adequada à saúde mental, assim como a um auxílio financeiro e a políticas de prevenção da violência doméstica. “Ressaltamos a urgência da realização dessas ações com o objetivo de evitar consequências futuras tanto na saúde individual quanto nos sistemas públicos e privados de saúde, consequências essas que beiram o imprevisível, considerando que somente com o acompanhamento a longo prazo de crianças e adolescentes será possível saber a real dimensão dos efeitos colaterais da pandemia no desenvolvimento dessa população”, conclui Priscilla.
Recentemente, foi publicado pela renomada revista “Progress in Neuropsychopharmacology & Biological Psychiatry” o artigo “COVID-19 pandemic impact on children and adolescents’ mental health: Biological, environmental, and social factors”, escrito conjuntamente pela equipe liderada por Priscilla, composta por Camila Saggioro de Figueiredo, Poliana Capucho Sandre, Liana Catarina Lima Portugal, Thalita Mazala-de-Oliveira, Luana da Silva Chagas, Ícaro Raony, Elenn Soares Ferreira, Elizabeth Giestal-de-Araujo, Aline Araujo dos Santos.
Segundo a professora, as indagações que motivaram a pesquisa começaram a partir da observação do comportamento de crianças e adolescentes que manifestaram alterações de atitude, humor e interação social em virtude do isolamento social. Entre essas mudanças, se destacam modificações do sono e da dieta, agressividade, comportamento regressivo, medo de perda e de morte de familiares. Vários foram os elementos que compuseram a análise multifatorial estudada pela equipe de pesquisadores, como o afastamento do ambiente escolar e o engajamento nas aulas virtuais; as restrições em relação ao brincar livre e aos espaços da natureza; a conexão presencial com familiares; o aumento da violência doméstica e também da negligência; a falta de troca afetiva em outros ambientes que não o familiar; a frustração e incerteza em relação à abertura e ao fechamento das cidades.
Com base nessas observações, os pesquisadores iniciaram uma revisão bibliográfica de estudos desenvolvidos em outras epidemias, considerando que nesta atual pandemia do novo coronavírus ainda havia pouco material publicado sobre o público em questão quando a pesquisa teve início. “Ao buscarmos dados na literatura que relacionavam o estresse não fisiológico (distress) à possibilidade de desenvolver um transtorno mental, ‘viramos a chave’ para a ‘luz amarela’, entendendo que precisamos estar em estado constante de alerta, percebendo os sinais que essa população nos mostra”, ressalta a docente.
A percepção desses sinais apontados pela pesquisadora, no entanto, pode ser muito mais complexa do que se imagina, pois nem sempre são visíveis ou mesmo verbalizados por eles. “Trata-se de uma população que não possui maturidade (física e/ou neurológica, psicológica) e tampouco entendimento da proporção de tudo o que estamos vivendo; no entanto, esses ‘sinais’ podem causar danos imediatos, a médio e longo prazo na saúde mental dessas crianças e adolescentes, que se encontram em pleno desenvolvimento”, enfatiza.
De acordo com a coordenadora, se por um lado essa população necessita de contato social e com a natureza, bem como de um ambiente saudável e seguro para seu pleno desenvolvimento; por outro, o isolamento social é ainda a melhor alternativa para o controle da pandemia, visto não haver no Brasil políticas públicas capazes de fazer frente ao desafio sanitário que se apresenta, aumentando, assim, os riscos e as incertezas.
Considerando essa situação, a equipe do NuPEDEN propôs uma discussão que conecta as dimensões biológica, ambiental e social para entender os efeitos mais amplos provocados pela pandemia na população infantil e adolescente, e também a necessidade de proposição de pesquisas e políticas públicas de longo prazo. “Enfatizamos ser fundamental um investimento nessa linha, com o intuito de mitigar o impacto na saúde mental das crianças e adolescentes, oferecendo-lhes acompanhamento e suporte, assim como para suas famílias e cuidadores”, destaca a professora da UFF.
Já é sabido que as consequências diretas da pandemia nessa população podem compreender desde o aparecimento de lesões na pele até, por exemplo, o desenvolvimento da Síndrome de Kawasaki, que causa inflamação nas paredes de vasos sanguíneos do corpo. Mas os impactos indiretos ainda são desconhecidos, como sugere o estudo desenvolvido pelo NuPEDEN, requerendo um acompanhamento especializado por longo período.
Alguns desses riscos, no entanto, já podem ser vislumbrados, de acordo com Priscilla Bonfim. No que diz respeito às condições de estresse e neuroinflamação, destacam-se as tendências ao desenvolvimento de doenças como depressão e/ou ansiedade; problemas psicológicos como maior preocupação e tendência à irritabilidade; disfunções do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que regula a atuação de substâncias-chave do cérebro, conduzindo a problemas relacionados aos sistemas imunológicos, endócrino e nervoso. Já em relação à alimentação, a pesquisa destaca uma maior ingestão de alimentos com alto teor calórico, por gerar uma sensação de redução da ansiedade, mas que pode conduzir à obesidade infantil, impactar na aprendizagem e memória, e afetar a composição da microbiota intestinal, influenciando nas funções cerebrais.
O estudo também destaca que a formação de laços sociais foi fundamental para a evolução da espécie, garantindo não apenas sua sobrevivência, mas seu desenvolvimento cognitivo, emocional, endócrino e imunológico saudável. Nesse sentido, o isolamento social pode afetar esse processo e ainda, em consonância com os demais fatores, diminuir a atividade física, aumentar o tempo de exposição a telas, conduzir a padrões irregulares de sono e a dietas menos apropriadas para a manutenção da saúde, impactando de forma ampla na regulação do sistema fisiológico.
Outro ponto observado retrata como a pandemia afeta mais a população com baixo poder aquisitivo, com menos condições de contato social através das redes virtuais, de acesso a aulas remotas, e que está mais exposta a situações de violência doméstica e negligência familiar. “A ciência aponta que essas questões impactam desde a síntese de vitamina D, pela baixa exposição ao sol, até o risco para o desenvolvimento de esquizofrenia, vícios (abuso de substâncias) e ideação suicida, ressaltando como os fatores ambientais são de grande importância na formação cognitiva e dos aspectos emocionais, como já relatado em inúmeros trabalhos anteriores sobre o efeito do distress na infância e adolescência”, enfatiza a docente.
Dentre as sugestões trazidas pelo grupo do NuPEDEN para minimizar o impacto da pandemia na vida de crianças e adolescentes, destaca-se a urgência de se garantir a essa população e suas famílias o acesso à assistência adequada à saúde mental, assim como a um auxílio financeiro e a políticas de prevenção da violência doméstica. “Ressaltamos a urgência da realização dessas ações com o objetivo de evitar consequências futuras tanto na saúde individual quanto nos sistemas públicos e privados de saúde, consequências essas que beiram o imprevisível, considerando que somente com o acompanhamento a longo prazo de crianças e adolescentes será possível saber a real dimensão dos efeitos colaterais da pandemia no desenvolvimento dessa população”, conclui Priscilla.
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