Por felipe.martins, felipe.martins
Rio - Alguém precisa urgentemente transmitir aos nobres parlamentares um aviso que parece óbvio, mas não é: o Poder Legislativo existe para criar leis. E, de preferência, relevantes. O alerta se justifica diante da análise da produtividade dos deputados federais e senadores no ano de 2014, feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). O resultado é de fazer chorar. De acordo com o órgão, o Congresso teve no ano passado uma das menores produções em 20 anos de monitoramento. Além da quantidade insignificante de projetos que se transformaram em leis — somente 101 —, a qualidade das proposições também é lamentável. Num país com tantos problemas de saúde e educação, surpreende que, das leis aprovadas em 2014, quase 40% tratavam de reajuste de servidores ou datas comemorativas.
Não se sabe exatamente em quais atividades os deputados e senadores gastaram seu precioso tempo no ano passado. Mesmo a participação nas campanhas não seria pretexto para produção tão baixa, já que ficou aquém até mesmo das temporadas eleitorais anteriores.
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Ninguém contesta que a vida política seja composta de várias ações que não são exatamente voltadas para a aprovação de leis. Os parlamentares podem e devem participar de debates, seminários e reuniões com a sociedade civil. Não precisam se furtar de conceder entrevistas à imprensa ou escrever livros. Nada disso, porém, pode roubar tempo da tarefa principal para a qual foram eleitos.
Quem quiser avançar na análise do DIAP vai confirmar a tese de que nada é tão ruim que não possa piorar. Das 101 leis ordinárias aprovadas no Congresso, apenas 55 nasceram por iniciativa de deputados e senadores. O restante veio de proposta dos poderes Executivo, Judiciário, Ministério Público e outras fontes.
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Estes números parecem traduzir uma enorme indiferença dos políticos pela insatisfação manifestada nas ruas por centenas de milhares de pessoas, em 2013. Naquela ocasião, depois de uma temporada intensa de passeatas e protestos violentos, os parlamentares usaram suas tribunas para garantir que a política mudaria profundamente e que, finalmente, a população seria ouvida. Atarantados diante do grito das ruas, alguns prometeram mundos e fundos. Centenas de ideias de mudanças foram sugeridas sob um mesmo título mágico: Reforma Política.
Se nem mesmo dão conta do trabalho que deveria ser corriqueiro (propor, debater e votar as leis ordinárias), como imaginar que deputados e senadores consigam discutir e aprofundar os temas importantes que uma reforma desse porte exige?
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Em relação ao clamor das ruas, é preciso reconhecer que os parlamentares realmente mudaram. Infelizmente, para pior. Diminuíram ainda mais o ritmo de trabalho. Num tempo em que a classe política tem a credibilidade tão abalada por escândalos de corrupção, era de se esperar que os eleitos se esforçassem mais para provar o quanto é imprescindível o trabalho parlamentar. Do jeito que vão, acabam confirmando a tese dos que repetem sem pensar que políticos são inúteis.
Nada menos verdadeiro: a política é de longe a ferramenta mais eficaz para mudar o país, a história prova isso. Talvez falte aos parlamentares de hoje acreditarem também eles na importância de seu próprio trabalho.
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