Rio - Aprovada ou não esta semana, a reforma política — que estará mais para batalha — já conseguiu um feito: unir PT e PSDB. Ao menos na teoria. Ardorosos adversários há duas décadas, os dois partidos decidiram se unir na defesa do sistema eleitoral chamado de distrital misto e rechaçar o distritão, defendido pelo vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Inspirado no formato alemão, o esquema concebe dois votos na composição das casas legislativas. Primeiro, o eleitor escolhe o deputado (ou vereador) de seu distrito; depois, decide o partido com o qual mais se identifica. Já pelo distritão são eleitos os candidatos mais votados.
A razão da união de tucanos e petistas é puro pragmatismo. “Não é que o PT tenha abraçado como seu o projeto do distrital misto, mas se escolhido o distritão será uma derrota para a democracia”, afirma o líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC).
Para os petistas, o sistema escolhido na reforma deveria ser o voto em lista, onde o eleitor escolhe apenas o partido. Cabe à sigla definir com antecedência a lista dos seus futuros parlamentares.
“Não obtivemos sequer a promessa de Eduardo Cunha de ter o voto em lista posto em votação”, lamenta Machado. “Olhando o que se tem à mesa, (o distrital misto) é o melhor.”
A possibilidade de votar em candidatos da região, o chamado voto distrital misto é uma bandeira antiga de parte do PSDB. Para o deputado Marcus Pestana, presidente do PSDB de Minas Gerais e vice-presidente da Comissão sobre Reforma Política, não é surpresa a adesão de petistas à proposta. “PT e PSDB são as maiores legendas orgânicas, com militância e ideias. É natural que rejeitem um sistema eleitoral que enfraqueça instituições caras a qualquer democracia: os partidos”, diz.
O cientista político Ricardo Ismael (PUC-RJ) é, no entanto, cético em relação à união do PT e PSDB em prol do voto distrital misto. “O PSDB está com dificuldade de controlar sua bancada, imagina fechar posição com o PT”, observa. “Só acredito no dar as mãos depois da votação.”
A alteração no sistema eleitoral precisará do apoio de pelo menos 308 deputados na Câmara e, em seguida, também ser aprovada por, no mínimo, 49 senadores.
No Senado, o vice-presidente do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), já avisou Michel Temer que é contra o distritão. Ele se reúne hoje com o presidente do PT, Rui Falcão, e amanhã com o do PSDB, o senador Aécio Neves (MG), para formar uma frente de oposição ao distritão.“Se queremos uma reforma que melhore o sistema, temos de derrubar as coligações proporcionais. Enfraquecer partidos não é bom para a democracia”, defende.
Aliança contra o shopping da Câmara
Outro tema que uniu petistas e tucanos foi a rejeição à construção de um shopping nas dependências da Câmara dos Deputados, idealizado por Eduardo Cunha.
Uma das principais promessas de campanha do peemedebista na sua eleição para a presidência da Casa, a construção do novo prédio — que abrigará além dos gabinetes, lojas comerciais e escritórios privados — custará aos cofres públicos R$ 1 bilhão.
“Foi algo pontual. Não acredito em outras convergências. Na verdade, o PSDB tem até negado suas bandeiras históricas para votar contra o PT”, rebate Sibá Machado, referindo-se ao apoio da bancada tucana ao fim do favor previdenciário, criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A proposta do shopping foi incluída em emendas à Medida Provisória 668, sobre contingenciamentos de gastos sociais. A obra será realizada por meio de Parceria Público-Privado (PPP), até então proibida ao Poder Legislativo. Apesar da pouco usual união, tucanos e petistas foram derrotados por Cunha. “O plenário tem me surpreendido”, diz Sibá.
AGENDA
HOJE
Votação do relatório final da Comissão para Reforma Política da Câmara dos Deputados. O vice-presidente do PMDB, senador Valdir Raupp, se encontra com o presidente do PT, Rui Falcão.
AMANHÃ
O senador Valdir Raupp se encontra com o presidente do PSDB, senador Aécio Neves. Início das votações da reforma política no plenário da Câmara dos Deputados. Primeiro tema: sistema eleitoral.
QUARTA-FEIRA, 27
Plenário vota financiamento de campanha. Raupp encontra o presidente do DEM, Agripino Maia.
QUINTA-FEIRA, 28
A expectativa é que o plenário da Câmara vote ainda reeleição, coincidência ou não de mandatos, tempo dos mandatos, cota para mulheres, fim da coligação proporcional e cláusula de desempenho.
PONTOS A SEREM VOTADOS
FINANCIAMENTO
Exclusivamente público: todo o dinheiro sai do fundo partidário.
Público e pessoas físicas: simpatizantes de partidos ou candidatos poderão doar.
Público, pessoas físicas e empresas: acrescentam empresas que não prestem serviço público.
SISTEMA ELEITORAL
Distritão: na eleição para a Câmara, cada estado vira um distrito, onde os mais votados são eleitos. Para críticos ao sistema, a mudança enfraquece os partidos.
Distrital misto: combinação do voto proporcional atual e do voto majoritário, onde os mais votados são eleitos. O eleitor tem dois votos: em legenda, computados em todo o estado ou município; e em candidato, escolhidos pelos partidos políticos, vencendo o mais votado.
Lista fechada: cada partido apresenta lista prévia de candidatos. Nesse sistema, os nomes no topo da lista tendem a se eleger com mais facilidade. Seus críticos afirmam que o eleitor perder o contato com o eleito.
Distritão misto: junta o majoritário do distritão com a proporcionalidade do sistema atual.
REELEIÇÃO
Fim ou não da possibilidade de reeleição para presidente, governadores e prefeitos.
UNIFICAR ELEIÇÕES
Se unificam ou não a data das eleições. Em caso positivo, se a cada quatro ou cinco anos. E o que fazer com os recém-eleitos.
TEMPO DE MANDATO
A proposta que sairá da Comissão para a Reforma Eleitoral deverá reduzir o mandato dos senadores de oito para cinco anos.
COTA PARA MULHER
A proposta entrou em pauta após a bancada feminina afirmar que não votaria a reforma se cotas não fossem discutidas.
COLIGAÇÃO
Será votado apenas se o distritão não passar. Partidos ficam impedidos de se coligarem na disputa para o Legislativo. Também será analisada a cláusula de barreira, que irá definir critérios para o acesso ao fundo partidário e ao tempo de televisão.