Por paulo.gomes

Santiago (Chile) - A história do primeiro hotel butique de luxo de Santiago, capital do Chile, tem dois pontos de partida. O primeiro é a deterioração da mansão localizada em Bellavista, bairro do centro da cidade chilena, que após décadas de abandono perdeu o requinte e virou reduto de sem-tetos usuários de droga. O outro é o hábito do turista Marc Cigana, 52 anos, de todo ano colocar a mochila nas costas, deixar a Austrália e passar três meses em um país diferente. “Já estava no fim da minha passagem por Santiago quando olhei para aquela casa abandonada, caindo aos pedaços”, lembra Cigana, sobre o fato ocorrido em 2006, durante a temporada pelo Chile. “Foi amor à primeira vista”.

“Fui atrás dos proprietários do conjunto arquitetônico, ocupado por usuários de drogas, moradores de rua e muito lixo. Negociei as cinco hipotecas com a família proprietária, que estava em apuros por conta das finanças. E, em duas semanas, virei o dono da mansão sem ter a menor ideia do que faria com ela e qual era a história do prédio”, completa ele, que diz ter investido toda a economia como empresário do mercado de alimentos na compra do espaço.

Após investimento de mais de R%24 8 milhões%2C antigo prédio ocupado por sem-tetos em Santiago do Chile se transforma e hotel de luxoDivulgação

No momento em que assinou o cheque de R$ 2,2 milhões pela casa de 15 quartos, pátio amplo e jardim, Marc Cigana soube que precisaria dar um tempo na rotina de turista para entrar no papel de “morador provisório”. Prolongou a estada em Santiago e dormiu as primeiras noites na mansão recém-adquirida, em meio ao entulho e à falta de segurança. Nas pesquisas sobre antigos moradores, descobriu que o local era um casarão de 1927, de propriedade de Domingo Durán – político e empresário chileno responsável pela construção de boa parte da linha férrea do país.

O plano inicial, conta Cigana, era fazer daquele espaço sua casa. Mas cada investida na limpeza resultava na descoberta de documentos históricos, quadros de arte, arquitetura de época. Em 2007, Cigana recrutou um sócio especializado em restauração. Will Martin topou a parceria e, com mais cerca de R$ 6 milhões, o antigo prédio ocupado por sem-tetos começou a virar um mix de imóvel histórico e galeria de arte e design modernos. “Conforme a obra avançava, eu ficava com vontade de mostrar às pessoas. Pensei em fazer algo diferente com aquilo tudo”, lembra Marc.

Decoração

Além de recuperar a arquitetura dos anos 1920, Cigana e Martin escolheram um jeito peculiar de decorar o casarão, que exigiu garimpar informações históricas, recrutar artistas contemporâneos e investigar a autoria dos quadros que estavam nas paredes.

Um deles, chamado pela dupla de proprietários de “Sr e Sra” ainda tem origem desconhecida. As primeiras pistas dão conta de que a pintura data de 1848 e foi certificada pelo Museu de Belas Artes, em 1971, para que fosse retirada do Chile durante a era Pinochet (ditador que governou o país entre 1973 e 1990).

O quadro pertenceu, dizem os registros, ao famoso arquiteto chileno Luis Mitovic, falecido no fim da década de 90. Estava pendurado, quase esquecido, em um dos salões da mansão. “Morei um ano na casa, durante toda a reforma, e cada dia descobríamos algo novo”, lembra Cigana.

Depois da estrutura física recuperada, os proprietários solicitaram os serviços do designer chileno Cristian Valdes para compor o mobiliário. Sua coleção de cadeiras, mesas e poltronas, que mistura madeira, couro e aço foi considerada um dos melhores designs do século 20 pela Architectural Digest, com exposição no Museu do Louvre, na França.

O projeto de iluminação ficou por conta do premiado designer Tom Dixon e os tapetes a cargo de Luz Mendez, tecelã chilena, que ganhou primeiro lugar nas últimas seis edições das mostras de decoração do Chile, a Casa Mater. As paredes são revestidas com tecidos Ralph Lauren.

No fim de 2009, o casarão estava pronto. Cada um dos 15 quartos tinha decoração personalizada, o jardim voltou a ter flores e a dúvida do que fazer com a mansão virou uma certeza. “Decidimos que seria um hotel, sem cara de hotel”, lembra Marc Cigana. “Os quartos não são numerados e os hóspedes têm acesso a um pouco da história chilena, tanto do passado quanto do presente”.

Em 2010, batizado The Aubrey, o primeiro hotel butique de Santiago abriu as portas, com diárias que ficam entre R$ 500 e R$ 1 mil. De lá para cá, informa o Ministério do Turismo do Chile, outros seis espaços com o mesmo conceito de luxo personalizado para hóspedes se espalharam por Santiago – de olho nos 400 mil brasileiros que todos os anos escolhem o Chile como destino.

Mente aberta

Agora, dono de hotel, Marc Cigana voltou a fazer outras viagens, mas nenhuma para passar três meses no local, como se habituou a fazer desde 1989, mesmo quando não tinha dinheiro. “Venho de uma família australiana enorme, mãe, pai e seis irmãos. Nunca tive a oportunidade de estudar, fazer faculdade”, pontua. “Mudei para Londres em 1988 e lá percebi que não era preciso ser rico para viajar. Para a minha primeira viagem, em 1989, coloquei US$ 700 na mochila e quase dei a volta ao mundo, fazendo bicos e conhecendo pessoas”.

“Desde então, percebi que quando a mente está aberta, o dinheiro e a oportunidade te encontram. Os melhores negócios fiz foram durante viagens turísticas, como o The Aubrey”, completa o empresário que já conhece quase todos os países do mundo, à exceção de Rússia, China e Vietnã – seus próximos destinos.

Só titubeia sobre as datas de novas viagens trimestrais porque o casarão chileno deu muito trabalho. “Estou exausto”. Afinal, ele sabe que, caso se apaixone e esteja com a mente aberta, pode voltar da Ásia proprietário de uma mansão vietnamita abandonada.

As informações são de Fernanda Aranda

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