Rio - A independência judicial da Argentina foi posta à prova nesta segunda-feira, quando o vice-presidente Amado Boudou chegou para prestar seu tão aguardado depoimento em uma investigação sobre corrupção. Boudou é acusado de usar empresas de fachada e intermediários secretos para ganhar o controle da empresa que foi contratada para, entre outras coisas, imprimir a moeda do país. O vice de Cristina Kirchner sempre negou seu envolvimento apesar da ampla evidência que o liga a outros acusados ??e que se tornou pública por meio de relatórios de investigação levantados por jornais argentinos.

O governo tentou usar sua influência no Judiciário para inviabilizar o caso. Mas um procurador-geral aprovou um mandado de busca no apartamento do vice-presidente. Agora o dia de Boudou testemunhar no tribunal finalmente chegou.
O juiz federal Ariel Lijo ordenou que Boudou responda a algumas perguntas em uma sessão do tribunal a portas fechadas. É a primeira vez desde a restauração da democracia na Argentina, em 1983, que um vice-presidente foi intimado a responder a acusações criminais.
"Eu vou dizer a verdade. Vou responder as perguntas e esclarecer tudo", disse Boudou aos repórteres nesta segunda antes de chegar ao tribunal, onde uma multidão barulhenta de apoiadores do governo se reuniram do lado de fora. Boudou subiu as escadas do tribunal acenando e mandando beijo para a multidão antes de desaparecer porta adentro.
O juiz rejeitou o pedido do político de ter seu testemunho transmitido ao vivo pela televisão, dizendo que a ação violaria as leis de sigilo de investigação destinadas a prevenir que outras testemunhas alterem seus discursos de acordo com o que o réu diz em juizo.
Lijo citou a Constituição da Argentina, que diz que todos os cidadãos são iguais perante a lei e que "não há exceções para a realeza". Mas, em aparente desafio a decisão do juiz, os advogados de Boudou informaram em juizo que fariam a gravação de qualquer maneira.
"Na tentativa de evitar atrasos e não alterar a organização do tribunal, o juiz foi avisado de que um registro audiovisual será feito", afirmou o advogado de Boudou, Diego Pirota.
Boudou diz querer que seu testemunho se torne público por não confiar no juiz. A declaração do advogado de defesa, porém, poderia configurar uma série de recursos que podem atrasar o julgamento por tempo indeterminado.
Depois de ouvir de Boudou e outros réus e testemunhas, o juiz deve emitor seu veredito nesta semana. Se condenado por tomar ações incompatíveis com seu cargo, Boudou enfrentará uma pena que varia entre um e seis anos de prisão e a proibição permanente de se candidatar a cargos públicos. Como a pena mínima é de um ano, o juiz não pode ordenar a prisão preventiva de Boudou.
O vice de Cristina é acusado de usar sua influência como ministro da Economia e vice-presidente para suavizar a saída da empresa de impressão Ciccone Calcográfica da falência e projetar sua aquisição por uma companhia de fachada para que ele e outros parceiros se beneficiassem de isenções fiscais incomuns e contratos governamentais lucrativos.
A empresa de fachada, Fundo Antigo, foi liderada pelo empresário Alejandro Vandenbroele, que é acusado de representar secretamente Boudou nos negócios. O escândalo estourou após ex-mulher de Vandenbroele expor o acordo. Ela afirmou estar sendo ameaçada de morte por "saber demais".
Entre as pessoas que vão testemunhar esta semana estão o amigo de longa data de Boudou e seu conhecido parceiro de negócios, José Maria Nunez Carmona; o ex-funcionário do fisco Rafael Resnick Brenner e dois dos executivos da empresa de impressão, o co-fundador Nicolas Ciccone e seu genro Guillermo Reinwick.
Os Ciccones disseram que Boudou esteve pessoalmente envolvido nas negociações que os persuadiram a vender 70% da empresa familiar ao Fundo Antigo. Boudou negou sua participação nas reuniões. Ele disse que não estava envolvido com o Fundo Antigo, embora os documentos publicados pelo jornal La Nación mostram que a empresa pagou viagens de férias de sua namorada, amigos e parentes.
O juiz também deve perguntar sobre uma ordem assinada por Boudou ainda enquanto era ministro da Economia que o juiz descreveu como uma isenção ilegal.