Por bferreira

Rio - Bomba atômica é coisa do passado? Termos como ‘Guerra Fria’, ‘Crise dos Mísseis’ e ‘Tratado de Não Proliferação’ podem até constar dos livros de História, mas a questão das armas nucleares está mais viva do que nunca. O noticiário, inclusive, está fresquinho: ontem, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, defendeu em discurso na American University que o Congresso avalize o acordo firmado mês passado com o Irã. O Legislativo dos EUA, majoritariamente de oposição, está fazendo jogo duro para ratificar o pacto com o governo de Hassan Rouhani, que se comprometeu a eliminar 98% do urânio enriquecido — base para um tipo de bomba — e a desligar centrífugas. “A escolha que fizemos é entre a diplomacia e alguma forma de guerra. Se o Irã trapacear, nós podemos pegá-lo e vamos pegá-lo”, afirmou Obama.Enquanto esta página era concluída, já era manhã de quinta-feira no Japão. Repetindo rotina anual, moradores de Hiroshima pararam por um minuto às 8h15 diante do Memorial da Paz para homenagear os 160 mil mortos pela Little Boy. O primeiro-ministro Shinzo Abe voltou a clamar por um mundo sem ogivas.

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Ainda em cima das manchetes, o que separa extremistas do Estado Islâmico — e suas barbaridades — de ogivas perdidas por aí? “São muitas as chances”, avalia Wolney Malafaia, professor de História do Colégio Pedro II. “O EI é financiado pela Arábia Saudita e aliados, e suas fontes de recursos provêm de grupos que atuam no mercado negro de armas. Estourando uma crise ali, ficaremos à mercê da reação desses países, que poderão recorrer ao terror nuclear como forma de resolver suas querelas e se afirmar como dominadores dessas regiões, ricas em petróleo”, detalha. Já Victor Leandro Chaves Gomes, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF, ressalta que as chances são “remotíssimas”. “Não é uma tecnologia fácil de administrar”, explica.

MUNDO EM PERIGO

Os dois professores concordam que o mundo não está a salvo. “Enquanto as armas atômicas existirem, a humanidade corre perigo”, afirma Victor. “Os arsenais que a Rússia possui e aqueles instalados em países da Otan, como Grécia e Turquia, são uma grande ameaça. O mesmo pode se dizer dos EUA e do possível vazamento de segredos atômicos para aliados não confiáveis”, continua o professor Wolney.

Depois da 2ª Guerra, o mundo estremeceu nos conflitos da Coreia (1950-1953) — este, a rigor, não terminou até hoje —, do Vietnã (que começou em 1955) e dos Mísseis. Foi em outubro de 1962 que o mundo esteve bem perto de um tiroteio nuclear. Com a poderosa Tsar Bomba já testada, os soviéticos convenceram Fidel Castro a ‘hospedar’ mísseis voltados para os EUA, no capítulo mais tenso da Guerra Fria. Era represália a manobras da Otan que implantaram foguetes na Itália e na Turquia. Felizmente, só houve ‘troca de cuspe’ entre as potências — mas o mundo ficou traumatizado com a possibilidade de tudo ir pelos ares.

Seis anos depois, nascia o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares, entrando em vigor em 1970, abarcando 189 nações, incluindo o Brasil. “Teve relativa eficácia, pois impediu a proliferação de armas nucleares, mas, ao não exigir das potências nucleares a redução de seus arsenais, o Tratado congelou a divisão do mundo”, explica Wolney. “É um cenário dúbio, assimétrico. Criou o monopólio nuclear perpétuo”, emenda Victor.

Não à toa, os países que reconhecidamente possuem armas nucleares têm assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China mandam e desmandam com seu poder de veto. Fora do clube — e não signatários do Tratado —, a Coreia do Norte mais ruge do que age; Índia e Paquistão vivem às turras com arsenais de eficácia duvidosa; e Israel, que não admite ter desenvolvido a bomba. Na rabeira, vinha o Irã, que depois de anos aceitou parar as pesquisas. Viu que ficar sem sanções valia mais a pena que ficar sem bomba.

Então estamos a salvo? “O mundo está mais indefeso do que na época da Guerra Fria, quando o equilíbrio bipolar detinha o controle desses arsenais por EUA e URSS”, alerta Wolney. Sinal de que todos devem continuar vigilantes e buscar sempre o diálogo. As cicatrizes de Hiroshima e Nagasaki ainda estão bem visíveis e lembram que ninguém merece viver a indignidade de sentir essa ferida novamente.

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