Por tamyres.matos

Rio - Não é fácil resumir os pontos relevantes das intervenções do Papa Francisco no Brasil. Enfatizo alguns com o risco de omitir outros importantes. O legado maior foi a sua figura: um humilde servidor da fé, despojado de todo aparato, tocando e deixando-se tocar, falando a linguagem dos jovens e as verdades com sinceridade. Representou o mais nobre dos líderes, o líder servidor que não faz referência a si mesmo, mas aos outros, com carinho e cuidado, evocando esperança e confiança.

No campo religioso foi mais fecundo e direto. Reconheceu que “jovens perderam a fé na Igreja e até mesmo em Deus pela incoerência de cristãos e de ministros do evangelho”. O discurso mais severo reservou-o para os bispos e cardeais latino-americanos do Celam. Reconheceu que a Igreja — e ele mesmo se incluiu — está atrasada na reforma de suas estruturas. Criticou a “psicologia principesca” de membros da hierarquia. Eles têm que ser pobres interior e exteriormente.

Dois eixos devem estruturar a pastoral: a proximidade do povo, para além das preocupações organizativas. Fala até da necessária “revolução da ternura”. Entende a Igreja como mãe que abraça, acaricia e beija. Essa atitude materna, os pastores devem cultivar para com os fiéis. A Igreja não pode ser controladora e administradora, mas servidora e facilitadora.

Enfaticamente afirma que a posição do pastor não é a posição do centro, mas a das periferias. Esta afirmação é de se notar: a posição do bispos deve ser “ou à frente para indicar o caminho, ou no meio para mantê-lo unido e neutralizar as debandadas, ou então atrás para evitar que alguém se desgarre” e dar-se conta de que “o próprio rebanho tem o seu olfato para encontrar novos caminhos”.

Aos jovens dedicou palavras de entusiasmo e de esperança. Contra uma cultura do consumismo e da desumanização, convocou-os a ser “revolucionários”. Criticou o restauracionismo de alguns grupos e o utopismo de outros. Colocou o acento no hoje: “No hoje se joga a vida eterna”. Sempre os desafiou para o entusiasmo, para a criatividade e para ir pelo mundo espalhando a mensagem generosa e humanitária de Jesus.

Na celebração final havia mais de três milhões de pessoas, alegres, festivas e na mais absoluta ordem. Desceu um aura de benquerença, de paz e de felicidade sobre o Rio, que só podia ser a irradiação do terno e fraterno Papa Francisco e do Sentimento Divino que transmitiu.

Leonardo Boff é teólogo e escritor, autor de ‘Francisco de Assis e Francisco de Roma: uma nova primavera na Igreja?’ (Mar de Ideias)

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