Por bferreira

Rio - ‘Vinicius só pensa em beber e casar’, resumiu Lili Correa de Araújo, dona do Pouso do Chico Rey, em Ouro Preto. Acertou na mosca. Anos 50. Por sorte eu estava lá, de férias, filando o uísque da casa, quando Vinicius apareceu com Scliar, que o hospedava. Naquele momento o poeta só pensava em encher a cara, eu também. Enquanto Lili e Scliar iam de chá com torradas, desfalcamos a adega de um escocês de fina linguagem, que nunca poderíamos pagar. E descobrimos que, além disso, tínhamos uma porção de coisas em comum: estudamos no Internato São José; fomos expulsos de lá; gostávamos de poetas pouco badalados (Blake, Apollinaire, Verlaine), de samba, jazz, cinema, de virar a noite; pendurávamos a conta nos mesmos bares, tínhamos os mesmos amigos (aí não dá para listar, a crônica acaba e ainda fica faltando gente). Ele se demitiu do Itamaraty, eu, do Banco do Brasil.

Detestávamos horários, moralistas, acadêmicos, gravata e portadores dela, com exceção de Zé Aparecido e Otto Lara Rezende.E abominávamos pisar na areia mesmo se fosse com a garota de Ipanema. “Deviam azulejar as praias”, dizia. Das diferenças, não falarei, todas são a favor dele. Mesmo assim, nunca fomos amigos no sentido amplo, nunca fui à casa dele e vice-versa. Sequer tivemos uma conversa a sós, a gente se esbarrava nos bares, ele sempre rodeado pelas mulheres, e homens também, do seu fã-clube. Talvez esse assédio — ele parecia gostar — é que me tenha afastado do poetinha (quem inventou esse apelidinho para o grandioso poeta?). Todos os chatos faziam questão de dizer que eram amigos de infância dele. Sempre nos encontrávamos, todas as noites, nos mesmos bares, e trocávamos um olhar cúmplice.

“Vinicius gostava de você, achava que eram parecidos”, me disse a filha, Luciana, em Itaipava. Parecida era ela. A cara do pai: o mesmo jeito de segurar o cigarro e o copo de Black Label. Lembrei-me muito de Vinicius, não tanto pelo alarde do centenário, mas por um boteco que Célia e eu conhecemos semana passada, o Tom do Leblon. Um piano-bar, cara dos anos 50, onde era o Antonio’s. Chico Caruso fez um painel com as caras do pessoal que frequentava o lugar: artistas, jornalistas e porraloucas em geral. E — luxo dos luxos — tem um piano novo em folha. No teclado se alternam, até o último cliente, Osmar Milito, Zé Pité e Marcos Ariel. Como dantes. Seria um sonho que tive?

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