Por bferreira

Rio - Já dizia José Saramago que é preciso sair da ilha para se ver, se desvendar. Assim aconteceu com a participação de Juiz de Fora no golpe de 1964: 50 anos depois da tomada do poder, revelações chocantes sobre os bastidores da ditadura na cidade desnudam uma urbe desconhecida até para seus moradores.

Quando os soldados comandados pelo general Olympio Mourão Filho marcharam na madrugada de 31 de março de 1964 rumo ao Rio (com trajetória estendida até Resende para bloquear tropas contrárias ao golpe), a maior parte da imprensa de JF se mostrou eufórica. A cidade, que teve a primeira carta sindical do Brasil — e expressivo movimento operário —, era habitada por uma classe média conservadora, que acreditava que a ‘revolução’ livraria o país do monstro do comunismo e das ameaças das Reformas de Base. Cada minuto que antecedeu a decisão de eclodir o golpe foi narrado, bem como o preparo de pomposa recepção para o retorno dos soldados. Flores e glória. Foi isso que os jornalistas desejaram às tropas. Também houve campanha para valorizar um dos líderes. O título ‘Olympio Mourão Filho para a presidência da Petrobras’ estampou as páginas do já extinto jornal ‘Diário Mercantil’, carro-chefe dos Diários Associados, por vários dias.

As semanas posteriores seguiram cheias de comunicados eufóricos sobre as eleições para cargos de presidente e governadores. Quase nada sobre a repressão a líderes trabalhistas da cidade e a cassação de vereadores. O tempo passou, e as denúncias ficaram raras. Algo sobre a UDN aqui, uma prisão de comunista acolá, mas nada de realmente substancial era noticiado. O número de páginas do jornal diminuiu. As notícias factuais e de comportamento ocuparam o que antes era opinião e política. Toda chamada policial classificava os bandidos como comunistas.

Paralelamente, uma efervescência cultural acontecia na cidade. Festivais de cinema e de música, poesia marginal, exposições de arte e o movimento estudantil vieram para mudar JF. A cidade começou a sair da zona de conforto e ver que algo estava errado. Após a redemocratização, Juiz de Fora nunca mais foi a mesma,pois sempre trouxe consigo a marca do 31 de março de 1964.

Com a instalação da Comissão Nacional da Verdade e do Comitê Municipal da Verdade, foi revelado que a cidade teve papel maior do que somente protagonista do golpe: Juiz de Fora abrigou torturas. Entre as vítimas da mão de ferro do regime, estava a mulher que viria a ser hoje a presidenta do país.

Quarenta e nove anos depois, em junho de 2013, 5 mil juiz-foranos aderiram ao movimento ‘Junta Brasil’ e foram às ruas protestar contra o aumento das passagens de ônibus, escassez de recursos para a Educação e a repressão policial nas manifestações no Rio, em Belo Horizonte e em São Paulo. Juiz de Fora saiu da ilha. Viu que não basta seguir a manada e que é possível pensar diferente.

A história de uma nação dá voltas, e, nesse contexto, nada melhor do que a sociedade esclarecida e a transparência governamental para evitar que ‘revoluções milagrosas’ surjam.

Christina Musse é professora da UFJF
Daniella Lisieux de Oliveira é mestranda em Comunicação pela UFJF

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