Por bferreira

Rio - Você já comeu caju? É uma fruta gostosa, porém muito propícia a ter cica. E quando a gente prova um alimento assim é péssimo, porque parece que aquele gosto adstringente entranha na língua de uma forma tão profunda que às vezes muito tempo depois nosso paladar ainda o percebe por lá. É interessante notar também que a primeira sensação que temos ao sentir a cica é a de que nossa boca ressecou, já notou?

Às vezes porque fomos feridos por pessoas do nosso convívio diário, alimentamos secretamente uma mágoa por anos e anos e a cultivamos de modo que ela começa a crescer e se torna ódio profundo, aversão, ainda que velados. Isso é o sentimento de rancor, que não difere muito do que a cica gera em nosso paladar. Sobre essas pessoas, dizemos que ‘não descem’ na garganta, por elas nutrimos certa antipatia e gostaríamos de poder não ter contato. E elas provavelmente sentem isso, acham que temos algo contra elas.

No entanto, o interessante do rancor, assim como acontece com todos os sentimentos negativos, é que ele só serve para prejudicar a nós mesmos. Ele é como a cica, que, ao entrar em nós, resseca o nosso interior e nos incomoda, e ainda faz questão de não se deixar esquecer.

Assim como procuramos nos livrar da cica, bebendo água, escovando os dentes, usando enxaguante bucal, também é preciso buscar meios para nos livrarmos do rancor. Até mesmo porque a Bíblia nos ensina que a caridade:

“Não guarda rancor.” (I Cor 13, 5b)

Se desejamos viver como Jesus nos propôs, precisamos encontrar meios de enxergar que o outro também erra e tem limitações. E que assim como nós precisamos tantas vezes de um olhar de misericórdia sobre as coisas que fazemos, nosso irmão também precisa. A nossa forma de tratar bem alguém que nos feriu ou decepcionou tem o poder de transformar a nós mesmos e também a essa pessoa, sabia?

Lembro de uma mulher que conheci numa instituição que cuida de portadoras do vírus HIV. Ela ficava sentada no mesmo lugar com olhar fixo no nada. Um dia, fui conversar com ela. A princípio, não quis falar comigo, mas depois me disse que ficava sempre pensando no mal que o seu marido fez a ela ao traí-la, contrair a doença e transmitir o vírus. Ela alimentava seu rancor dia e noite! No entanto, quando ele, que ainda não havia manifestado a doença, a visitava, ela só ficava muda, não conseguia falar nada. Como o rancor a consumia! Eu a encorajei a “se livrar da cica”, a chamar seu marido para uma conversa franca, a perdoar. Quando me contou como foi dar esse passo, seus olhos brilhavam e ela estava até mais bonita... Isso a mudou! Ela virou a tagarela e a consoladora do lugar. E o marido dela? Ele retomou ânimo para trabalhar e se transformou na pessoa mais carinhosa do mundo com ela.

Nesse ano em que nossa Arquidiocese nos convida à prática da caridade, eu quero, como aquela mulher, vencer minhas limitações e colocar para fora tudo que me afasta dos meus irmãos, porque reconheço que eu preciso disso e que eles também. E você, topa esse desafio? ‘Tamu junto’!

Padre Omar: é o Reitor do Santuário do Cristo Redentor do Corcovado. Faça perguntas ao Padre Omar pelo e-mail padreomar@padreomar.com. Acesse também www.padreomar.com e www.facebook.com/padreomarraposo

Você pode gostar